Seis notas sobre primárias

O tempo não volta atrás. Agora é essencial melhorar o método, e garantir que ele seja aberto, democrático, e isento de influências ou interesses económicos.

1. As primárias são um método entre outros. Se bem usadas, podem ajudar a nossa democracia a ficar mais democrática. Se mal usadas, não. É uma nota trivial, mas ficou perdida no debate entre os “anti-primárias primários” e aqueles que acham que elas, por si só, garantem democratização.

2. O aspecto mais relevante das eleições primárias, se bem usadas, é poder quebrar com a exclusão política em Portugal, dando ao cidadão comum a possibilidade de ser candidato sem precisar para tal de ser o escolhido por um diretório partidário. O seu principal impacto ver-se-á na escolha das listas de deputados à Assembleia da República. Só quando o cidadão comum puder ser candidato a representante a democracia representativa será para mais inclusiva em Portugal, e os grupos parlamentares mais relevantes e próximos dos eleitores, sem necessidade de círculos uninominais.

3. Como método, as primárias devem apenas ser praticadas pelos partidos que nelas acreditem, e não devem ser obrigatórias por lei. Contudo, seria importante legislar para enquadrar as primárias nos partidos que as pratiquem. Não para determinar todos os seus pormenores, mas para assegurar que certas linhas gerais de ética e fidedignidade sejam respeitadas. É essencial que os partidos tenham de garantir a equidade entre candidatos, que as contas das candidaturas tenham um grau de escrutínio não inferior ao dos partidos ou até, de preferência, que os candidatos não possam fazer quaisquer despesas e conduzam a sua campanha em igualdade de circunstâncias proporcionada pelo partido. Só assim as primárias podem dar o que poderia ser o seu melhor fruto: trazer novas vozes à política portuguesa, mesmo que sejam pouco conhecidas ou não tenham meios de campanha.

4. As primárias do Partido Socialista não foram abertas, na medida em que não permitiram candidatos de fora do partido, embora tenham permitido votos de simpatizantes (desde que não fossem militantes de outros partidos). Em Itália e em França, as primárias permitiram escolher candidatos de coligações alargadas, ou até de toda a esquerda, e os candidatos assim escolhidos ganharam na maioria das vezes as eleições gerais. As primárias dão um enorme crédito de legitimação ao candidato vencedor e isso vai acontecer agora também, contribuindo para sarar rapidamente as feridas dentro do seu partido.

5. As primárias por um cargo uninominal, porém, trazem consigo uma agressividade maior do que as primárias para ordenar listas. Quem perde para um cargo uninominal, perde tudo. Mas quando se escolhe uma lista em primárias, quem fica em segundo lugar vai depender de uma boa prestação do cabeça-de-lista para ser também eleito. Isso faz com que o espírito de camaradagem e solidariedade numas primárias para listas de deputados possa ser muito maior. Aqueles que serão candidatos e concorrentes hoje serão parceiros de equipa amanhã.

6. O Partido Socialista não organizou as primeiras primárias em Portugal, que foram feitas (declaração de interesses: com a minha participação) pelo LIVRE para as europeias. Mas não aconteceu o que alguns previam: que as primárias socialistas corressem mal, e fossem as últimas. O tempo não volta atrás. Agora é essencial melhorar o método, e garantir que ele seja aberto, democrático, e isento de influências ou interesses económicos.

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