Seguro contra o limite ao défice na Constituição

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A Comissão Europeia "foi capturada pelos interesses da senhora Merkel e do senhor Sarkozy", disse Seguro Rui Gaudêncio (arquivo)

Depois de dois meses à frente do PS sem órgãos dirigentes por si escolhidos, o líder socialista tem agora no controle da máquina partidária os seus homens de confiança. Sem que isso, no entanto, lhe assegure um partido silencioso. Aos 49 anos cabe-lhe ser oposição a um Governo liderado por outro antigo líder de uma juventude partidária.

Ficou surpreendido com declaração do primeiro-ministro sobre um novo pedido de ajuda?

Muito surpreendido. A obrigação do primeiro-ministro é cumprir o memorando que foi assinado em Maio. Tenho ouvido dizer do Governo que não se pode falhar, e eu concordo. E quem tem a responsabilidade de evitar esse falhanço, ou melhor, de executar o memorando é o Governo. Portanto, ouvi-lo dizer que pode haver um segundo memorando foi, para mim, uma grande surpresa.

Porque acha que o fez conjugando-o com a Grécia?

Também não compreendo, já que uma das estratégias do país, linha com a qual concordo, é reafirmar que Portugal e a Grécia são países completamente diferentes. A começar pelo consenso político que existe em Portugal quanto ao cumprimento dos objectivos para a dívida e para o défice. Agora, ligou o destino de Portugal ao da Grécia.

Qual é a sua posição sobre o limite do endividamento e do défice na Constituição?

Discutimos isso na primeira reunião do secretariado nacional. Tenho dito que não vejo qual é a pressa de se tomar uma decisão sobre essa matéria, não vejo nenhuma discussão central na União Europeia sobre essa questão. Quem ouve as minhas posições percebe que o essencial das mudanças que têm de ser feitas é no seio da UE e não ao nível das Constituições de cada Estado-membro.

E se houver uma directiva europeia nesse sentido?

Mas quem é que decidiu isso? Porque é que é preciso [esse limite] estar nas Constituições? Os espanhóis fizeram uma alteração à Constituição que é inócua. Aquilo nós já temos. Nós temos a lei de enquadramento orçamental, que é uma lei reforçada. Mais, no memorando estão lá as nossas vinculações em relação ao défice e à dívida. Agora, é por haver um líder de outro Estado-membro que exige que isso aconteça que Portugal tem de mudar a sua Constituição? Depois há uma segunda questão. Eu não encontro nenhuma razão para se proceder a uma alteração constitucional. Não tenho nenhuma razão forte até ao momento que obrigue a uma alteração constitucional. O problema em Portugal não é de normas jurídicas, o problema é de atitude e de responsabilidade no cumprimento dos compromissos que assumimos. Porque é que um político que é primeiro-ministro ou é candidato ao cargo, quando se vincula a um compromisso e põe a sua assinatura, isso não há-de valer tanto como uma norma jurídica?

Quais são as suas prioridades para o desenvolvimento económico?

Tem que se privilegiar os sectores mais dinâmicos da economia na situação actual. Sabemos que há uma forte contracção do consumo por via da austeridade provocada pelo memorando, e portanto era necessário que o Governo, desde o início, iniciasse um processo de definição de uma estratégia de crescimento económico que colocasse o país numa trajectória de crescimento sustentável. Primeiro, o sector exportador, que até ao momento não tem vivido dificuldades aparentes.

Com incentivos como a redução da TSU?

Com incentivos que passam por reorientar os poucos recursos financeiros disponíveis: crédito bancário, reorientação do QREN e negociação séria das perspectivas financeiras da UE para o período 2014-2020 que tivesse em conta esta prioridade. Porque o grande problema do país, ao contrário do que o Governo diz, é o fraco crescimento económico. Portanto temos que dinamizar rapidamente todos os sectores que possam iniciar essa estratégia de internacionalização, aumentando a competitividade do país. Admito, numa revisão global do sistema fiscal que as empresas que reinvistam os lucros ou que criem emprego líquido possam ter uma redução substancial ou até ficar isentas de IRC.

Qual a sua posição sobre a alteração do conceito de despedimento por justa causa, com a inclusão das possibilidades de despedimento por reduzida produtividade e objectivos falhados?

Hoje, quinta-feira, não conheço essas propostas. Mas conheço os princípios pelos quais me bato. Eu não aceito dribles à constituição. Seja porque via for. Nós conhecemos qual era a intenção do PSD, com o projecto de revisão constitucional que apresentou no Verão passado [substituição da expressão ‘justa causa’ por ‘razão atendível’ para os despedimentos].

O primeiro-ministro também abriu a porta ao fim da taxa intermédia do IVA. Concorda?

Eu quero é saber qual é a proposta concreta. Em matéria de anúncios, propostas, de estudos, já tenho ouvido de tudo. Fico com a ideia de que este governo não estava preparado para assumir responsabilidades no país. É tal a ausência de estratégia em termos de política económica, é tal a indefinição no que diz respeito à TSU e às consequências que daí poderão advir…

Já disse que não vai esperar que o Governo caia de podre. Mas estabelece como horizonte 2015. Não admite o cenário de eleições antecipadas por uma qualquer razão que agora não se põe, como o fim do Euro?

Não seria desejável para o país. Sou defensor da estabilidade política.

Não está preparado para ser primeiro-ministro?

Estou preparado para o caso de hoje haver eleições. Havendo uma situação de emergência, eu estou preparado para as eleições.

E numa situação de emergência, estaria disponível para um governo de coligação com o PSD?

O líder do PSD já respondeu a essa pergunta, quando disse que não queria o PS no Governo.

A pergunta era para si.

Estou disponível para fazer várias coisas, entre as quais combater a corrupção.

O Congresso mostrou um partido dividido. O primeiro desempenho do novo líder parlamentar foi alvo de críticas. Não sente ser necessário fazer a limpeza do passado, o reconhecimento dos erros?

O PS saiu do Congresso com uma moção aprovada com 75 por cento dos votos, num cenário em que se apresentavam duas alternativas. Tem um líder com uma visão clara de qual deve ser o caminho. Eu tenho o meu caminho e ninguém me vai condicionar. Posto isto, há naturalmente, liberdade de expressão no PS. Eu fui o primeiro líder a propor aos seus deputados a liberdade de voto como regra. A minha liderança visa valorizar a diversidade. É preciso desdramatizar a vida política. Não pensamos todos da mesma forma, em todos os assuntos. Isso quer dizer que não estamos unidos no essencial? Não. E eu não encontro nenhuma atitude que não seja a de pessoas disponíveis para ajudar o PS a ser alternativa em 2015.

Para ser alternativa, acha necessário analisar o passado e reconhecer o que foi mal feito?

Eu não esqueço nenhum passado. Mas eu sou líder do PS para o futuro.

Mas então como mostra aos portugueses que o PS percebeu o que fez de errado?

O PS discutiu no Congresso, na comissão nacional...

Então o que é que se fez de errado e não pode ser repetido?

O reconhecimento do erro pode ser feito de muitas formas. Não precisamos de sinalizar uma nova proposta relacionando-a com um erro cometido no passado. Por exemplo, o partido precisa de mudar, no funcionamento, organização, valorizar a militância e abrir-se a pessoas que querem contribuir. Isso não é reconhecer que o que está não serve?

O que é que acha que falhou no controle das contas da Madeira?

As instituições responsáveis não têm agido em conformidade. Isso é muito grave.

Quais instituições?

O Estado de direito democrático revelará a sua natureza e a sua qualidade no modo como lidar com esta situação. Aos diferentes níveis. Eu fiquei satisfeito com a abertura de um inquérito por parte da PGR. Mas não percebo porque é que administração fiscal ainda não fez nada. Quando há ocultação de dívida isso significa o quê? Há facturas? Há recibos? O IVA foi pago? Num país democrático os cidadãos não podem ter a mínima dúvida de que todos são tratados de igual forma face à lei. E eu tenho muitas dúvidas que a Madeira o seja. Como não tem sido, chegou a altura de o ser. E tem de ser exemplar.

Como?

Tem havido, ao longo destes anos, pela esmagadora maioria dos responsáveis políticos e dos titulares de órgãos de soberania, uma certa acomodação perante a gravidade dos problemas. É por isso que muita gente me aconselha a não falar muito da Madeira. Estão enganados. Não é uma questão de votos, é uma questão de princípios e de direito democrático. Não vou calar-me em relação à Madeira depois de 9 de Outubro. Não pode haver regiões em Portugal fora do alcance do Estado de direito democrático e eu considero que a Madeira, em muitos casos, tem estado fora desse alcance.

O Presidente da República devia ter feito mais?

Não. Este é um desafio que está para além da luta partidária.

Por isso lhe pergunto se não acha que o Presidente devia ter feito mais.

O Estado de direito democrático no seu conjunto já devia ter feito muito mais. O problema não é de palavras, é de actos! O que está em causa é pôr fim à impunidade que existe e, em segundo lugar, é necessário que exista Estado de direito na Madeira.

Disse que não aceitava as disparidades entre a Madeira e o Continente em relação aos sacrifícios. Mas também há uma diferença em relação aos Açores, a propósito da redução dos ordenados dos funcionários públicos. Achou bem essa atitude do governo regional dos Açores?

Isso insere-se no limite da autonomia que os Açores e a Madeira têm. Eu considero que deve haver um grande esforço para que todas as regiões do país acompanhem o sacrifício exigido.

Ao propor a revisão dos tratados está a admitir que o tratado de Lisboa falhou?

Não, cada tratado cumpriu com aquilo que lhe era exigido. O problema é que a Europa anda há anos a empurrar com a barriga os problemas essenciais. Há quem defenda o caminho da intergovernamentalidade. Não é a minha opção. Isso é que falhou. O problema da Europa é que não há política, não há lideranças, não há visão.

Como é que avalia o mandato de Durão Barroso?

Recentemente tenho visto uma ou outra iniciativa da Comissão. Eurobonds, agência de rating, mas tudo medidas avulsas. Eu tenho saudades do tempo em que a União era liderada por Jacques Delors.

Tem alguma dificuldade em fazer críticas directas às pessoas?

Não, mas aquilo que me preocupa são as políticas. E considero que a política portuguesa está demasiado fulanizada e pessoalizada.

O seu antecessor era exactamente o oposto...

Para mim é claro, a liderança política na UE não existe. A Comissão foi capturada pelos interesses da senhora Merkel e do senhor Sarkozy, se quer uma forma mais impressiva e assertiva. Como é que a Europa decide: a senhora Merkel e o senhor Sarkozy almoçam ou jantam. Dizem como deve ser. E depois os líderes europeus dizem ‘sim senhor’. O primeiro-ministro de Portugal era a favor dos eurobonds. Foi à Alemanha, quando regressou era contra. O PSD em Maio de 2010 era contra a constitucionalização do limite da dívida. Agora é a favor. Eu não faço política assim.

Quando foi eleito escreveu aos líderes dos partidos socialistas da Europa para defender um debate sobre a Europa. Já recebeu respostas?

Recebi, mas menos do que era exigido neste momento. Quando critico a Europa também critico a família socialista. Porque não tem uma abordagem comum sobre os grandes problemas que estão colocados. Um exemplo: a questão do limite ao défice. Rapidamente um primeiro-ministro socialista europeu tomou a iniciativa e alterou a Constituição. Teria sido mais interessante que o Partido Socialista Europeu se pudesse ter reunido e concertado. O que existe aqui são agendas nacionais que se sobrepõem ao que deve ser a agenda europeia.

Daí a defesa do federalismo.

Sim, é a primeira vez que um líder do PS o assume com esta frontalidade. É preciso existir uma estrutura que represente os Estados com o mesmo peso. Um conceito muito presente no funcionamento dos Estados Unidos da América, com um senado. E deve existir também uma câmara de representantes com uma proporcionalidade clara. Deve haver uma opção clara por instituições que tenham um orçamento também federal, que seja forte, com políticas públicas claras, designadamente na promoção do emprego e do crescimento.

Tem-se recorrido muito à expressão governo económico...

Para sermos claros temos de falar em governação económica e governação política. Que não está presente na UE. Cada vez que é necessário tomar alguma iniciativa em esferas ainda debaixo da esfera intergovernamental, leva-se um tempo enorme a decidir. E depois é preciso ir à procura dos recursos financeiros para se executar. A situação de emergência que se vive na Europa não se coaduna com essa lentidão.

Elege-se um governo da UE?

Já temos eleições para o Parlamento. O que se trata é de dotar o governo da UE – que deveria ser a Comissão – com competências para não ficar aprisionada pelos interesses nacionais. Há egoísmos nacionais que capturaram aquela que foi a visão dos pais fundadores da UE.

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