Passos admite nova subida de impostos, caso haja chumbo do Constitucional

Seguro acusa primeiro-ministro de ter “visão cor-de-rosa” do país. Passos Coelho contrapõe que cumpriu "as obrigações da assistência financeira".

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Miguel Manso

O primeiro-ministro escusa-se a garantir que não vai aumentar os impostos, caso não consiga as poupanças pretendidas e tendo em conta as necessidades de reduzir o défice. A afirmação foi feita no debate quinzenal desta sexta-feira, em plenário, para responder à deputada Heloísa Apolónia do Partido Ecologista Os Verdes (PEV).

“Não posso nunca garantir que, se medidas que são importantes para as poupanças que precisamos de obter não forem susceptíveis de serem aplicadas, as necessidades de redução do défice [não] obrigarão a subida de impostos. É assim, senhora deputada. Não [o] digo como quem faz uma ameaça, não [o] digo para vingar a minha opção ideológica, pelo contrário, é para sabermos o contexto das decisões que tomamos”, afirmou Passos Coelho.

O grau de incerteza nas declarações do primeiro-ministro sobre a dimensão das poupanças está relacionado com as decisões que ainda se esperam do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento do Estado para 2014 e o orçamento rectificativo deste ano.

Heloísa Apolónia tinha confrontado o primeiro-ministro com as garantias dadas nos últimos meses de que o Governo não iria aumentar mais os impostos e acabou por o fazer no Documento de Estratégia Orçamental.

Passos Coelho, por duas vezes, recusou-se a dar a garantia de que os impostos não sobem mais. “Volto a dizer para futuro que, se medidas importantes que nos permitem criar poupanças do lado da massa salarial não tiverem conformidade constitucional, novas subidas impostos ocorrerão. Espero que veja nisto o populismo do Governo em vésperas de eleições”, afirmou.

A deputada do PEV registou o teor da declaração. E concluiu que o Governo irá manter a austeridade. "Depois das eleições, meus amigos, tenham cuidado que eu não digo que não aumento impostos. Está tudo dito, os senhores vão continuar a mesma lógica de austeridade”, afirmou, voltando a apelar à demissão do executivo. “Portugueses, atenção: este Governo prepara-se para manter a austeridade, este Governo merece sair da governação.”

O "país cor-de-rosa" de Passos segundo Seguro
O líder do PS, António José Seguro, acusou o primeiro-ministro de passar uma “visão cor-de-rosa” do país e de ter “empobrecido” o país por “opção ideológica”.

No arranque do debate quinzenal no Parlamento, Seguro reagiu à intervenção inicial do primeiro-ministro, que defendeu que os sacrifícios foram repartidos com “equidade” e que, ao contrário do que é constantemente dito no espaço público, a consolidação orçamental não foi feita, na sua grande parte, à custa de redução de salários e de pensões.

Além do cumprimento das metas orçamentais, Passos Coelho referiu-se a várias reformas na área da concorrência, na Justiça e no mercado laboral que permitiram "que Portugal seja encarado pelos investidores como economia mais atractiva”. 

O cenário foi contrariado por Seguro. “Não acompanhamos essa visão cor-de-rosa: o país está pior, os portugueses estão mais pobres, o país conheceu uma vaga de emigração forçada, houve necessidade de aplicar o dobro das medidas de austeridade previstas”, apontou o líder socialista. “Tratou-se de empregar um programa de empobrecimento, da sua opção, e não de ajustamento. Quando o primeiro-ministro diz que é para empobrecer, é uma opção ideológica”, acrescentou.

Na resposta, Passos Coelho recusou o tom. “Diz que tracei [uma] visão cor-de-rosa. Isso foi impressão sua. O que eu comuniquei ao país e ao Parlamento é que Portugal tinha cumprido as obrigações da assistência financeira”, afirmou, desafiando Seguro a reconhecer os “resultados positivos que o país alcança”. Aliás, já na intervenção inicial, Passos Coelho tinha deixado o recado ao PS. "Ao longo dos três anos, aqueles que não só não contribuíram como disseram que o caminho é errado deviam dar a mão à palmatória e [reconhecer] que temos conseguido cumprir esta missão histórica", disse.

O primeiro-ministro também discordou de que tenha assumido escolhas ideológicas. “O pior cego é o que não quer ver. Temos noção precisa [de] que a situação das contas públicas era diferente daquela que o Governo [anterior] tinha transmitido”, respondeu.

Seguro voltou a questionar o primeiro-ministro sobre o conteúdo da carta de intenções que o Governo enviou ao FMI. Passos Coelho reiterou, tal como têm feito vários membros do Governo, que a missiva só será divulgada depois de reunião no FMI. E acusou Seguro de estar a fazer um “caso de campanha”, já que há 11 cartas escritas ao FMI que só foram divulgadas depois de analisadas pela organização. A última, frisou, “é a única que é escrita sem um memorando”.

Quanto às medidas, o chefe de executivo garantiu que “a consolidação orçamental em 2015 não é feita à custa de redução de salários nem de pensões. O défice não será recuado [reduzido] à custa do IVA”.

O líder do PS questionou ainda Passos Coelho sobre um potencial desperdício de 5 mil milhões de fundos europeus, por falta de aprovação da ministra das Finanças, noticiado na quinta-feira pelo Expresso, mas o primeiro-ministro já não tinha tempo para responder.  

Luís Montenegro, líder do grupo parlamentar do PSD, aproveitou mais tarde a ocasião para reagir ao “país cor-de-rosa” de Seguro. E atacou a governação socialista de José Sócrates: “O país cor-de-rosa era o país da dívida, do défice, da Parque Escolar, das PPP, do TGV, do novo aeroporto (…). Esse era o país cor-de-rosa que nós tínhamos. Mas foi um país que acabou mal.”

Montenegro quis depois saber qual é a estratégia orçamental do PS para assegurar um Estado social mais eficiente, deixando um desafio aos socialistas: “Ao menos em campanha eleitoral digam quais são as vossas ideias.”


Cimeira do BCE é “prestigiante”
À esquerda do PS, PCP e BE questionaram, entre outros temas, a realização da conferência do BCE em Portugal a 25 de Maio, dia das eleições europeias. Jerónimo de Sousa, secretário-geral comunista, considerou que a conferência, na qual participarão Mario Draghi, presidente do BCE, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, e Christine Lagarde, presidente do FMI, constitui uma “pressão” sobre os eleitores.

“Juízes em causa própria [que influenciam o voto em Portugal]”, atirou Jerónimo. Logo de seguida, a líder do BE Catarina Martins voltou ao tema para questionar o primeiro-ministro sobre a possibilidade de  Passos Coelho estar presente na conferência, o que classificou como “uma ingerência no processo eleitoral com laivos provocatórios”.

“O que é que o Governo está a fazer para impedir esta conferência?”, inquiriu Catarina Martins.

Passos Coelho fez então um dois em um, ao responder que não só considera “prestigiante” para Portugal a realização da conferência em Sintra, como entende que esta “não é uma reunião da troika”. E acrescentou que não está preocupado com o efeito que a reunião possa ter sobre o voto dos portugueses.

“Qualquer entidade pode promover eventos em Portugal”, disse, para comparar a realização do BCE com a final da Liga dos Campeões no dia 24 de Maio.

Jerónimo de Sousa aproveitou também a sua intervenção para acusar o chefe do Governo de vir ao Parlamento para fazer “balanços de contabilidade” e não sobre a realidade do país. Um país, disse, que está mais pobre, desigual e dependente.

Na resposta, o primeiro-ministro defendeu que o país estava à beira da bancarrota havia três anos e que, se o Governo não tivesse cumprido o programa de assistência com o nível de exigência com que o fez, então não estaria em condições de cumprir as suas obrigações quanto a salários e pensões.

“Não vi até hoje o PCP dizer que medidas teria adoptado para tirar o país da crise”, contra-atacou Passos Coelho. E deu como exemplo o que o seu executivo “foi buscar aos ricos” através do corte de salários e da redução de “pensões douradas”.

O argumento do primeiro-ministro irritou a bancada do PCP, com Jerónimo a questionar como é que “os coitadinhos dos ricos” aumentaram então as suas fortunas. “De facto, havia uma coisa que nunca faríamos – ir aos salários e pensões. Nunca iríamos aos direitos dos trabalhadores e essa é uma diferença substancial”, afirmou o comunista.
 

   


 

   

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