Secretário-geral do Parlamento volta a contrariar informação prestada por Passos Coelho

O actual primeiro-ministro informou o Parlamento, em 2000, que “desempenhou funções de deputado durante as VI e VII legislaturas, em regime de exclusividade”. Mas Albino Azevedo Soares repete: “Não existe uma declaração de exclusividade relativa ao período que medeia entre Novembro de 1995 e 1999.”

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Documento que comprova pedido de exclusividade. Clique aqui para aumentar DR

O secretário-geral da Assembleia da República tinha garantido, na segunda-feira, à Lusa, que o actual primeiro-ministro não desempenhara o seu mandato de deputado em regime de exclusividade.

Mas, como o PÚBLICO noticiou nesta terça-feira, foi o próprio Pedro Passos Coelho quem invocou essa exclusividade, embora a posteriori. Tal como o documento que agora reproduzimos confirma, a 17 de Fevereiro de 2000 Passos informou, “a instâncias dos serviços da AR”, que “desempenhou funções de deputado durante as VI e VII legislaturas, em regime de exclusividade”.

Isso não parece ter, para o actual secretário-geral Albino Azevedo Soares, a validade de uma “declaração de exclusividade”. Contudo, o deputado Passos Coelho informou os serviços da Assembleia e, na sequência de um requerimento por si apresentado ao presidente do Parlamento, viu ser-lhe reconhecido um direito – o subsídio de reintegração – a que só poderia aceder, caso se comprovasse, como estipulava a lei, que cumpria o critério: “Titulares de cargos políticos em regime de exclusividade” (art. 31.º, Lei 26/95).

Mas nem sequer é essa a pergunta que agora, 15 anos depois, se está a fazer a Albino Azevedo Soares. A questão é bem mais simples: Passos Coelho estava, ou não, em regime de exclusividade? Para responder a esta pergunta, mais do que invocar a inexistência de uma “declaração de exclusividade”, o actual secretário-geral podia ter recordado que o parecer que agora cita – e que foi aceite pelo presidente da Assembleia de então, Almeida Santos – inclui explicitamente uma frase na qual Passos informa o órgão de soberania que estava de facto em exclusividade.

É certo, como afirma o secretário-geral do Parlamento, no seu comunicado desta terça-feira, que o parecer da auditoria jurídica parlamentar “atende (…) à situação factual relativa aos dados sobre os rendimentos do período em causa” de Passos Coelho – ou seja, a exclusividade é avaliada em função do pedido do subsídio de reintegração.

Mas também é verdade que na altura Passos Coelho não informou apenas Almeida Santos de que estava em regime de exclusividade. Informou também a Comissão de Ética do Parlamento. Perante um pedido de clarificação do deputado agora primeiro-ministro, essa comissão (mandato 1995-1999) declarou que a actividade profissional esporádica de Passos – colaborações com órgãos de comunicação social – “não contendia com o regime de exclusividade”.

O actual secretário-geral omite que em duas circunstâncias (Comissão de Ética e requerimento a Almeida Santos) Passos Coelho declarou exercer o seu mandato em exclusividade – ainda que a “declaração” não exista, neste momento, no Parlamento.

Aqui colocam-se várias dúvidas: a “declaração” pode não ter sido entregue ou pode não ter sido encontrada nos arquivos do Parlamento. As únicas pessoas capazes de esclarecer esta incógnita são, precisamente, Albino Azevedo Soares e Pedro Passos Coelho. Os dois optaram por ainda não o fazer.

Subsídio previsto
O “subsídio de reintegração” concedido pela Assembleia da República a Passos Coelho em 2000 estava previsto no Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos desde 1985 (Lei 4/85) e destinava-se a apoiar a reintegração na vida profissional de todos os deputados que não tivessem completado oito anos de actividade parlamentar, consecutivos ou interpolados. Os que tivessem oito ou mais anos de serviço tinham direito à “subvenção mensal vitalícia” criada pelo mesmo diploma.

Dez anos depois, no âmbito do então chamado “pacote da transparência”, proposto por Fernando Nogueira, então presidente do PSD, e aprovado pela Assembleia da República, foram introduzidas diversas alterações na lei que restringiram significativamente as regalias então usufruídas pelos políticos.

No caso do subsídio de reintegração, que abrangia os deputados, mas também os autarcas e muitos outros agentes políticos, a nova lei trouxe uma mudanças fundamental: passou a ser obrigatório ter exercido as funções em regime de exclusividade para o poder receber.

A subvenção mensal vitalícia, por seu lado, continuou a constituir um direito de todos os deputados, estivessem ou não em regime de exclusividade, mas tornou-se exigível um mínimo de 12 anos de actividade parlamentar para ter direito a ela.

Estas duas regalias dos políticos foram extintas em Outubro de 2005, quando José Sócrates era primeiro-ministro.

No caso de Pedro Passos Coelho, a possibilidade de receber o subsídio de reintegração que o próprio requereu em 1999, no termo do seu segundo mandato, teve de ser analisada à luz da lei de 1985, que vigorou até ao termo do seu primeiro mandato, e da lei de 1995.

No que respeita ao primeiro mandato, o actual primeiro-ministro tinha direito a ele tal como todos os outros deputados que cessassem funções com menos de oito anos de serviço. Quanto ao segundo mandato, era condição fundamental ter exercido as funções em regime de exclusividade.

Foi por isso que, quando requereu o pagamento do subsídio de reintegração, Passos Coelho assegurou aos serviços da Assembleia da República que tinha exercido os dois mandatos em exclusividade, tendo mesmo juntado um parecer da Comissão de Ética do Parlamento, emitido a seu pedido, no qual se afirmava que as remunerações por si auferidas entre 1995 e 1999 por via das suas colaborações com alguns órgãos de informação (cerca de 24.100 euros) não violavam o estatuto de exclusividade.

Os argumentos e documentos apresentados por Passos Coelho – nomeadamente as declarações de IRS que confirmam só ter recebido aquele valor para lá dos vencimentos de deputado – foram aceites pelo então auditor jurídico da Assembleia da República, o procurador-geral adjunto Henrique Pereira Teotónio, tendo o então presidente do Parlamento, Almeida Santos, deferido o pagamento dos cerca de 60 mil euros correspondentes ao subsídio de reintegração devido pelos dois mandatos (um mês de salário por cada semestre de serviço).

Onze anos mais tarde, na campanha para as últimas eleições legislativas, Passos Coelho e os seus apoiantes, em livros e entrevistas, fizeram passar repetidamente a mensagem de que o candidato a primeiro-ministro era alguém tão desprendido das questões monetárias que nem sequer tinha requerido a subvenção mensal vitalícia a que os deputados tinham direito.

Na verdade, Passos Coelho não tinha direito a essa subvenção pela simples razão de que tinha exercido o mandato durante oito anos e não durante os 12 que eram necessários para a receber.

Verifica-se, portanto, que, embora não tenha recebido, segundo afirma agora o secretário-geral da Assembleia da República, as despesas de representação equivalentes a 10% do vencimento, que correspondiam a um dos benefícios dos deputados em exclusividade, Passos Coelho recebeu o subsídio de reintegração, que era a outra vantagem que caracterizava o exercício do mandato em regime de exclusividade ente 1995 e 1999.

A razão pela qual Passos Coelho, que se declarou formalmente em exclusividade para efeitos do subsídio de reintegração, não recebeu as despesas de representação é, por enquanto, uma incógnita.

Certo é que — face às suspeitas existentes de que Passos Coelho recebeu 150 mil euros entre 1997 e 1999, pagos pela Tecnoforma para presidir ao Centro Português para a Cooperação, uma ONG criada para servir aquela empresa — o facto de o ex-deputado ter estado em exclusividade é particularmente incómodo.

Caso se venha a confirmar aquilo que o actual primeiro-ministro nunca desmentiu, ter recebido dinheiro da Tecnoforma naquele período, sabe-se agora que, como ele próprio declarou, estava em exclusividade no Parlamento. E sabe-se também que não declarou ao fisco qualquer rendimento com origem na Tecnoforma.

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