Sanção zero para lei nula

O poder discricionário na administração pública, é, e será sempre, avaliado por um tribunal. O espaço na União é um espaço de direito público.

No quadro do direito da União são três os patamares que conferem fundamento para que se tivesse reagido judicialmente à aplicação de sanções, ao Estado português, pela Comissão Europeia, por alegada violação do tratado orçamental.

1. As sanções só podem ser aplicadas, nos termos do tratado orçamental conjugado com o tratado da união e seu funcionamento, pelo tribunal da União. A aplicação de sanções, pela Comissão, mesmo com base num fundamento político (?!), contrariaria um princípio fundamental dos Estados civilizados — o da separação de poderes. Na verdade, a Comissão pode suscitar, no tribunal, a questão da alegada violação ou incumprimento, mas, enquanto órgão executivo, não pode aplicar penas. Os tratados não deixam dúvidas relativamente à separação de poderes, nem poderiam deixar. Caso deixassem, não seriam tratados de direito internacional para regular relações entre Estados-membros civilizados.

2. Da letra do tratado orçamental resulta claro que o mesmo deve ser interpretado, e, por conseguinte, aplicado, de acordo com os tratados fundadores da União, incluindo o velhinho tratado de Roma, cabendo aos Estados-membros integrar o tratado orçamental no espírito e na letra das normas fundadoras. Ao longo do preâmbulo, e do articulado do tratado orçamental, o conceito de "união económica" prevalece sobre outros conceitos, como o de, por exemplo, união monetária. Recorde-se que no direito nem só as normas escritas devem ser atendidas. Os princípios gerais têm espaço superior na hierarquia do direito. O conceito de "união económica" é anterior ao de "união monetária" e, não sendo aqui a antiguidade um posto, deve fazer-se uma interpretação histórica dos tratados e aceitar-se o princípio enformador de uma união económica como principio central e nuclear da vontade fundadora da comunidade europeia lato sensu

3. O poder discricionário, mesmo que legal, da Comissão Europeia em determinar que um Estado-membro não fez o esforço suficiente para alcançar o equilíbrio orçamental é um poder que não pode ser exercido sem escrutínio. O que determinaria o alegado incumprimento não é o número do défice, mas sim esse número conjugado com a alegada ausência de medidas, do Estado-membro, para que o número do excesso não se verificasse. Essa apreciação do esforço, que só pode ser formada em factos, não pode ser realizada pela própria entidade, ou entidades, que participa no processo. No limite, essa alegação determina-se, provisoriamente, por essas entidades, mas com vista à instrução do processo a ser julgado no tribunal. A justiça relativa entre Estados-membros não pode ser aplicada na comissão, órgão político e executivo. O poder discricionário — em sentido técnico, previsto na lei — na administração pública é, e será sempre, avaliado por um tribunal. O espaço na União é um espaço de direito público.

Advogado

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