Sampaio da Nóvoa devolveu a palavra à política ou tem um discurso vazio?

Alguns especialistas consideram que o antigo reitor evita a “semântica da ruptura”, que devia imprimir mais indignação ao discurso. Mas o candidato também é visto como alguém capaz de, na política, dar “outra espessura às palavras”.

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Sampaio da Nóvoa Miguel Manso

O antigo reitor e candidato presidencial tirou notas de tudo. Elogios à parte, foi sobretudo às críticas que Sampaio da Nóvoa prestou atenção. Alertaram-no para os perigos da “retórica humanista” no discurso político. Pediram-lhe que imprimisse mais “raiva” às palavras. Que definisse claramente as ideias. Depois de terem analisado o discurso do líder do Podemos, Pablo Iglesias, um conjunto de académicos juntou-se nesta segunda-feira na Universidade Nova para reflectir sobre o que diz Sampaio da Nóvoa. Não é por acaso, ele faz um “uso pleno da palavra”.

O que têm os discursos de Sampaio da Nóvoa de diferente? São vazios e retóricos ou, pelo contrário, excessivos para um candidato presidencial? Em análise estiveram os que proferiu no Teatro da Trindade, em Lisboa, e no Teatro Rivoli, no Porto, na apresentação da candidatura. Os mesmos que dividiram a opinião pública, em artigos de opinião, nas caixas de comentários dos sites dos jornais. São discursos “ricos”, que motivam sentimentos de “adesão ou repulsa”, explica José Neves, do Instituto de História Contemporânea da Nova e da organização do seminário.

O professor de História da Universidade do Porto Manuel Loff foi o mais incisivo na análise. Não se coibiu de dizer que, enquanto eleitor de esquerda, se decepcionou com as referências de Sampaio da Nóvoa ao antigo Presidente da República Ramalho Eanes e, mesmo sabendo que o candidato não é um homem zangado, pediu-lhe mais “raiva”, que não evite a “semântica da ruptura”.

“Todos os conselheiros de imagem lhe dirão [para falar] pela positiva, mas desta vez não acredite neles”, disse Loff, para quem Nóvoa não deve ficar “simplesmente pela imagem do senhor bondoso”, até porque, disse arrancando uma gargalhada da audiência, “não vale a pena ter fama de esquerda radical e não a usar”. Apesar de admitir que, numa campanha presidencial, o exercício é difícil, o docente defende que, para estar em sintonia com os problemas actuais da população, a “indignação” dever estar no discurso político.

Para o crítico e jornalista António Guerreiro, Sampaio da Nóvoa faz um “uso pleno da palavra”. Numa época em que na política tem havido “uma expropriação violenta da palavra”, o antigo reitor surge como alguém que pode devolver essa “possibilidade” ao discurso político, dando “uma outra espessura às palavras”.

Este tipo de discurso tem, porém - alertou Guerreiro - “perigos e resistências”. É, por vezes, considerado como “demasiado vago, lírico”, correspondendo a “uma retórica mais ou menos vazia”. Há um confronto “nítido” entre duas concepções acerca do que deve ser o discurso político: a esfera da acção e do fazer (a dimensão pragmática da linguagem) e, por outro lado, o efeito performativo das palavras (aquilo que as palavras podem provocar). E o discurso que valoriza a densidade da palavra tem, por vezes, “má reputação”, lamentou António Guerreiro, considerando que o que existe hoje em dia, no “ambiente que estamos a viver”, é uma “política das coisas e não das ideias”.

O professor de Filosofia de Coimbra Alexandre Franco de Sá considerou que se nota “o professor a falar” quando Nóvoa valoriza o tema do desemprego jovem. E também a psicóloga e docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, Gabriela Moita, considerou que o antigo reitor ainda está presente nos discursos.

Nóvoa, que acreditava já ter despido essa pele, anotou essa e outra crítica: a de que, pese embora defenda que um Presidente da República deve expor as suas ideias para Portugal com clareza, nem sempre elas aparecem assim nos seus discursos. “Esta sessão vai dar-me muito trabalho”, admitiu, no fim, o antigo reitor.

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