Rui Pena lamenta primazia das contrapartidas nos negócios de aquisição de material militar

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Rui Pena deu prioridade à aquisição dos helicópteros Carlos Lopes/arquivo

O ex-ministro da Defesa Rui Pena considera negativa a primazia dada às contrapartidas propostas pelos fornecedores de equipamento militar ao Estado português por beneficiarem outros interesses que não os daquele sector de atividade.

O responsável, em funções plenas cerca de meio ano, sucedendo a Castro Caldas, no segundo Governo liderado pelo socialista António Guterres - que viria a apresentar a demissão em dezembro de 2001 -, declarou esta quinta-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito aos Programas Relativos à Aquisição de Equipamentos Militares, ser apenas responsável directo pela execução do programa dos helicópteros EH101.

"Dava-se prevalência a interesses de terceiros. Na minha opinião, as contrapartidas deviam ir, fundamentalmente, para as indústrias da Defesa e não para outras áreas", disse, acrescentando ter a "vontade política" de "dar prioridade a programas cooperativos internacionais em vez das contratações diretas a fornecedores de armamento, com as respetivas contrapartidas".

Questionado pelos vários grupos parlamentares também sobre o processo de compra dos submarinos, Rui Pena esclareceu "nunca" ter tido "qualquer contacto com nenhum dos concorrentes, nem com interposta pessoa", relacionando-se só com as comissões Permanente de Avaliação das Contrapartidas e de Acompanhamento do Processo de Aquisição dos Submarinos, além do Estado-Maior da Armada e seus especialistas.

"Não negociei contrapartidas. Estão indicadas nas propostas iniciais e avaliadas pelas duas comissões", afirmou, adiantando que, "poucos dias depois de tomar posse", recebeu um relatório dos peritos com "a hierarquização dos concorrentes, a favor dos franceses devido às contrapartidas", critério "extraordinariamente subjetivo".

Para o antigo ministro, "havia algo errado", conclusão que o levou a aconselhar-se junto dos "técnicos, almirantado e engenheiros navais", verificando-se "um modelo bastante acima do outro em termos de fiabilidade, robustez e autonomia".

"Todos os técnicos da Marinha que ouvi apontavam no mesmo sentido. O Chile e o Paquistão estavam também a ter problemas com os Scorpene (submarinos franceses). Recebi a indicação de que, efectivamente, os (submarinos) alemães eram superiores. Pedi um parecer à Universidade Nova, que dizia ser muito difícil estabelecer uma hierarquia entre as propostas de contrapartidas, mas já não tive tempo porque, entretanto, entrámos em gestão e dei prioridade aos helicópteros", explicou.

Sobre o concurso para a aquisição de 12 aeronaves, aberto em 1999 e assinado em Dezembro de 2001, já depois da demissão de Guterres e cujos concorrentes finais foram a norte-americana Sikorsky e a italo-britânica AugustaWestland, Rui Pena defendeu a opção tomada, apesar de mais onerosa, em cerca de "20 ou 30 milhões de euros, ou seja, o preço de um dos helicópteros".

"O EH101 tem maior alcance, podia ir até aos Açores, além de maior vida útil e já estava pronto, à vista. O outro era um protótipo, que iria precisar de depósitos exteriores e ficava sem tanta capacidade de manobra e não tinha as mesmas propriedades em termos de espaço e de transporte de peso em suspensão", afirmou.

O ex-responsável pela Defesa Nacional reconheceu ainda que o helicóptero da AugustaWestland ficava "mais caro em termos de combustível" e justificou o facto de não ter sido assinado qualquer contrato para a manutenção com o facto de a mesma só vir a ser necessária "anos mais tarde".

"A intenção era fazer das Oficinas Gerais de Manutenção Aeronáutica (OGMA) um centro de excelência de reparação aeronáutica, através das contrapartidas, trazendo o know-how (conhecimentos técnicos) e proporcionar estágios de pessoal junto da fornecedora. Estávamos ainda longe da contratação da manutenção. Não era previsível avarias em helicópteros novos, além disso havia o prazo de garantia, no qual tudo era a cargo da AugustaWestland", esclareceu.

Os trabalhos da comissão de inquérito prosseguem pela tarde, com a audiência ao ex-titular da pasta da Defesa Jaime Gama, antes da audição ao atual vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, sexta-feira.

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