Responsa-Bilidade

O Dicionário Houaiss, a que tantas vezes recorro, define responsabilidade como “obrigação de responder pelas acções próprias ou dos outros”. Define depois vários tipos de responsabilidade, de que são exemplos a responsabilidade administrativa, explicada como a “responsabilidade do agente administrativo pelos seus actos”; e a “responsabilidade civil do Estado”, definida por “danos causados pelo Estado a particulares, através dos seus agentes”. Na linguagem comum, responsabilidade é sinónimo de compromisso, obrigação e seriedade.

A “responsabilidade política” andou a ser discutida nas últimas semanas, a propósito de uma lista de protecção a determinados contribuintes fiscais, que assim beneficiariam de uma situação de privilégio em relação a outros cidadãos. Começo por dizer que, para mim, não existe “responsabilidade política”, mas apenas “responsabilidade”. Uma pessoa responsável exerce os seus compromissos com isenção e seriedade, tendo a equidade como valor importante em todas as suas acções. Quem não o é hesita em se comprometer, empurra a culpa para terceiros e tudo faz para esquecer o assunto. É assim que tem acontecido com os actuais responsáveis políticos do nosso país, em diversas circunstâncias do passado recente. Basta lembrar a fuga às responsabilidades dos governantes nos casos da colocação de professores, no bloqueio informático na justiça e, agora, na famigerada “lista VIP”. Como resultado destas falhas, os responsáveis políticos escapam à responsabilidade do Estado e parecem ficar satisfeitos com a demissão de funcionários que, dando provas de dignidade pessoal e respeito pelo serviço público, se demitem sem pôr em causa o sistema.

A verdade é que nem sempre foi assim. Existiram políticos que se demitiram por problemas pessoais ou que se sentiram responsáveis por erros dos seus serviços. Walter Rosa, ministro da Indústria e Tecnologia do I Governo Constitucional, demitiu-se (1976) na sequência de um problema familiar, num gesto de grande dignidade pessoal; o mesmo aconteceu em 1983 com Francisco Sousa Tavares, ministro da Qualidade de Vida no IX Governo Constitucional, que se demitiu por não se encontrar totalmente esclarecida uma questão jurídica que o envolvia; e o mesmo se passou com António Vitorino, que se demitiu do Governo (1976) por alegadas (e não provadas) omissões nas declarações fiscais. A outro nível, piadas de mau gosto ou gestos grosseiros causaram a saída de Carlos Borrego, ministro do Ambiente (1993), e de Manuel Pinho, ministro da Economia (2009). No entanto, o gesto que, para mim, simbolizou de forma exemplar o assumir de responsabilidades foi o pedido de demissão de Jorge Coelho, na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios (2001). Na altura, essa demissão causou alguma surpresa: por que razão se demitia um ministro na sequência da queda de uma ponte, mesmo que tenham morrido 59 pessoas? Com a citação que fez — “A culpa não pode morrer solteira” —, Jorge Coelho assumiu a responsabilidade do desastre, porque entendeu que o seu cargo significava a obrigação de ser responsável por tudo o que estivesse sob a sua tutela. Todos estes políticos foram responsáveis por situações que ensombravam o seu trabalho, ou por erros e omissões dos seus serviços: para eles, a saída era o único caminho possível.

Não pensam assim os governantes de agora, o que já não surpreende. Passam por cima de erros, não cuidam de definir limites éticos nos serviços que tutelam e permanecem nos cargos. Até às próximas eleições, esperemos.

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