Regresso à normalidade

A indigitação de António Costa como primeiro-ministro constitui, numa democracia europeia consolidada, uma sequência normal dos resultados eleitorais. O facto de só se ter concretizado um mês e meio depois das eleições é, porém, criticado por muitos. Em democracia, no entanto, a aplicação de procedimentos requer tempos próprios que, por vezes, parecendo excessivos, têm plena justificação. Admito que a duração de todo este processo foi o tempo necessário para que todos se adaptassem à novidade que constituiu o entendimento político entre o PS e os partidos à sua esquerda. Acredito que uma parte da turbulência a que assistimos resultou da surpresa com a mudança de atitude dos dirigentes do BE e do PCP. Gostava também de acreditar que, gradualmente, PSD e CDS, tão inconformados com a perda de poder, encontrarão um modo normal de ser oposição.

Contudo, ouvindo hoje Marco António Costa, concluo que os dirigentes do PSD ainda não compreenderam o que se passou nas eleições e depois delas. As reações a que assistimos são reveladoras da recusa em aceitar democraticamente a possibilidade de os partidos de esquerda se constituírem como alternativa. É como se um terramoto cognitivo impedisse o PSD e o CDS de ver com clareza e os levasse a persistir em erros de avaliação: primeiro, a dificuldade em agir de acordo com o facto de terem perdido a maioria absoluta; depois, a firme convicção de que não restaria alternativa a António Costa se não aprovar o programa de Governo da PàF; a seguir, a certeza de que os deputados do PS não respeitariam a disciplina de voto; mais recentemente, a crença de que seria possível fazer uma alteração constitucional para permitir a realização de novas eleições, ao mesmo tempo que o Presidente da República manteria em gestão o Governo chumbado na Assembleia da República; por fim, a recusa da legitimidade constitucional e política da solução encontrada pelo PS e a ideia de que Marcelo Rebelo de Sousa, eleito presidente, virá em seu socorro dissolvendo a Assembleia da República e marcando novas eleições.

Resolvido o problema da constituição de um governo, é tempo de regressar à normalidade política. Quer isto dizer, voltar ao debate sobre os problemas do país e as soluções alternativas para os resolver.

Durante o período em que toda a discussão se centrou na análise das alternativas políticas de Governo, foram divulgados três importantes relatórios sobre a situação do país nos domínios da Ciência, Ensino Superior e Educação. Habitualmente, tais relatórios suscitam aceso debate político na Assembleia da República e nos meios de comunicação. Desta vez, porém, as notícias do PÚBLICO sobre esses relatórios quase passaram despercebidas.

Em 13 de Novembro, o PÚBLICO divulgou os dados do IPCTN 2015, noticiando que o PIB gasto em Ciência voltou a cair em 2014, para 1,29%. Em 1991, ficara consagrado, em Lei, o objetivo de atingir, no ano 2000, a meta de 2,5% do PIB em investimento na Ciência (Lei 91/88 de 13 de Agosto de 1991). Em 2009, após um esforço continuado, alcançámos 1,64%, o valor mais elevado da história do sistema científico em Portugal. Quando mais precisávamos de persistir neste esforço, o governo da coligação abandonou a ambição e os objetivos.

Em 17 de Outubro, foi divulgado o Estado da Educação 2015, um relatório do Conselho Nacional de Educação que revela que, nos últimos três anos, o insucesso escolar aumentou em todos os anos de escolaridade, a taxa de cobertura do pré-escolar regrediu, pela primeira vez em 40 anos de democracia, e a educação de adultos foi praticamente extinta. No relatório, apresenta-se como facto positivo a redução em 40% da despesa com a educação de adultos. Porém, tendo sido a educação de adultos reduzida o zero, como se justificam os 60% de despesa que se mantiveram?

Hoje mesmo foi divulgado o Education at a Glance 2015, o principal relatório da OCDE sobre os impactos das políticas de educação nos diferentes países, com notícias também preocupantes. No que respeita às qualificações, a diferença entre gerações, em Portugal, é a maior da OCDE. Com o fim da educação para adultos, como vai ser possível o país cumprir os compromissos europeus da estratégia 2020?

Estes relatórios revelam bem a herança que o governo de coligação PSD/CDS nos deixou em matéria de ciência, ensino superior e educação. Chegou ao fim sem ter querido ouvir ou compreender a posição dos outros partidos nestas matérias. A troika e a crise financeira serviram de pretexto para políticas de ciência e de educação baseadas em preconceitos, para políticas disruptivas e destruidoras do que tinha sido conseguido no passado com os governos do PS e do PSD. É tempo de regressar à normalidade. Professora de políticas públicas do ISCTE-IUL

 

A autora escreve segundo as regras do novo Acordo Ortográfico

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