Referendar a “esquerdização” governativa do PS

Que garantias conseguirá um Governo do PS de que, à mínima dificuldade, na exigência de medidas antipopulares, o BE e o PCP não repetirão o mesmo de 2011?

Depois do naufrágio eleitoral do PS, Costa, ao seu bom estilo, aproveita o deslize de Cavaco Silva, que, em vez de indigitar um primeiro-ministro para formar governo, indigita Passos Coelho para negociar a formação de um Governo maioritário, que o PS viabilize ou participe.

Cavaco Silva parece ser “a bóia de salvação” do náufrago António Costa. Mesmo perdendo as eleições, espreita a possibilidade de formação de um Governo maioritário com o BE e o PCP e, na oportunidade, aproveita e parte para a negociação com os partidos da esquerda. Uma coisa teria sido a vitória do PS a liderar legitimamente o Governo e a procurar negociar a estabilidade governativa com os partidos da esquerda ou da direita, que o Presidente publicamente pediu, outra é a sujeição às exigências irrealistas da esquerda.

Porque será que o PS liderou governos minoritários e teve sempre a oposição da esquerda e agora esta aparentemente é tão solícita nas suas cedências? Não será porque eleitoralmente o PS deixou de ser uma ameaça? E que, depois de tudo isto, futuramente a perda de votos será ainda maior? O PS sempre foi eleitoralmente, para a esquerda radical, o grande problema. Na campanha eleitoral, a esquerda foi implacável com o PS, a momentos até de esqueceram a direita.

O BE e o PCP, entre um Governo da direita e um Governo que deles dependa, como não poderia deixar de ser, imediatamente acolheu a iniciativa do náufrago, que, no desespero, não vê o risco do abrigo.

Os socialistas conhecedores do património histórico do PS, conscientes do elevado risco, mas no cheiro do poder, que cola, apressam-se a fazer como Pilatos e pedem um referendo interno no PS. Uma estratégia que mais não é do que referendar e legitimar a “esquerdização” governativa do PS. Esquecem que os votos conseguidos nas legislativas foram muito para além dos militantes e muitos deles foram de cidadãos do centro. É óbvio, para quem conhece o partido, que o sucesso do referendo está garantido e se for realizado vencerá por mais de 90%. Os militantes querem o PS no Governo. Mas o problema é outro, vai ser a alienação da credibilidade histórica do PS enquanto partido responsável e de confiança.

O PS alienará um capital de confiança política conseguido ao longo dos 40 anos de democracia. O centro-esquerda que deu vitórias ao PS, futuramente, afastar-se-á. E muitos cidadãos que votaram no PS nas legislativas de 4 de Outubro desejavam a vitória do PS e um Governo constituído por quem ganhasse as eleições. O PS não as venceu.

Na campanha eleitoral, as promessas foram muitas e boas, tivemos desde a reposição salarial na função pública à redução de impostos, promessas de mais emprego e de mais crescimento económico. Promessas de tudo e para todos. Porém, entre promessas e a realidade vai infelizmente uma grande distância. Num país que ainda tem défices orçamentais acima dos 3%, uma dívida pública de 129% do PIB e um défice externo significativo, com dificuldades de financiamento da sua economia, o cumprimento das promessas e a cedência às exigências do BE e PCP irá agravar inevitavelmente a situação e, mais cedo do que tarde, regressaremos a uma política de austeridade ou contenção. A expectativa de crescimento do produto depende muito do investimento externo e os investidores muito sensíveis às expectativas tenderão a adiar as suas decisões. Nas últimas horas é já visível nos mercados a sensibilidade dos investidores ao impasse político do país.

Regresso a 2011 e ao PEC IV, recordo como o Governo do PS caiu na Assembleia com os votos do BE e do PCP. Que garantias conseguirá um Governo do PS de que, à mínima dificuldade, na exigência de medidas antipopulares, o BE e o PCP não repetirão o mesmo de 2011? O cumprimento dos compromissos assumidos com a Comunidade Europeia, exigentes, não facilita uma política expansionista tão ao agrado da extrema-esquerda. Daí que um Governo do PS com apoio parlamentar do BE e do PCP seja um Governo condenado a não cumprir a legislatura, tendo uma vida muito curta.

Tudo indiciará que o Presidente da República irá agora fazer o que já deveria ter feito: indigitará Passos Coelho para formar Governo, minoritário, e este, com o seu programa, sujeitar-se-á a uma moção de censura dos partidos da extrema-esquerda. O PS terá de votar favoravelmente a moção de censura para que o Governo caia. E, na impossibilidade de dissolução da Assembleia da República, chegará a oportunidade de António Costa. Resta saber se teremos um Governo em gestão até à eleição do próximo Presidente da República ou se teremos um Governo de coligação ou do PS com apoio parlamentar. Um Governo, ainda que constitucional e com apoio parlamentar, a começar desde logo muito mal.

Entretanto, Maria de Belém, candidata a Presidente da República, que com gosto apoiarei, às dificuldades existentes vê acrescer mais problemas, consequência desta estratégia política, que aparentemente se limita à sobrevivência política do actual líder, por não assumir a decisão que a outros exigiu.

Economista, ex-deputado do PS

Sugerir correcção
Ler 19 comentários