Há um Tratado de Tordesilhas na imprensa da Madeira, diz CDS

O CDS-Madeira acusa o governo regional e autarquia do Funchal de dividirem o espaço editorial do principal jornal do arquipélago à custa de investimento em publicidade. Um ‘Tratado de Tordesilhas’ que, em dois anos, representou contratos superiores a meio milhão de euros.

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Diário de Notícias da Madeira é o novo Jornal da Madeira, acusa CDS local PAULO PIMENTA / PUBLICO

Depois do Jornal da Madeira, que durante anos foi subsidiado por Alberto João Jardim para desespero do outro matutino local, o Diário de Notícias da Madeira, agora é a vez de este último estar debaixo das críticas. Na semana passada, o deputado do CDS local, Ricardo Vieira, acusou a Câmara Municipal do Funchal (CMF), liderada por Paulo Cafôfo, um independente eleito por uma coligação encabeçada pelo PS, de estar a gastar milhares de euros do erário público no DN Madeira em busca de mediatismo. A acusação estende-se à Associação de Municípios da Madeira (AMRAM) também liderada por Paulo Cafôfo e ao governo regional do social-democrata Miguel Albuquerque.

“Há uma espécie de Tratado de Tordesilhas na paginação desse diário que gere o seu espaço noticioso consoante a fabricação, venha da Quinta Vigia [sede do governo] ou do Palácio do Conde Carvalhal [morada da autarquia]”, disse o deputado, durante um debate no parlamento regional.

O PCP e o deputado independente Gil Canha aplaudiram a intervenção, mas o restante hemiciclo ficou em silêncio. O PSD é governo na Madeira, e à esquerda, PS e Bloco estão juntos na coligação que apoia Cafôfo na autarquia funchalense.

“É uma perversão o que está a acontecer, porque não está em causa publicidade institucional mas sim mera propaganda”, acusou ao PÚBLICO o parlamentar, que desafiou o executivo regional e a autarquia a revelarem os valores gastos em suplementos e parcerias no DN-Madeira, sempre por ajuste directo.

O PÚBLICO fez as contas. Só nos últimos dois anos, e de acordo com os contratos que constam do portal público de contratações, em conjunto a câmara do Funchal, a Associação de Municípios, da qual Cafôfo é presidente do conselho executivo, e o governo regional gastaram na Empresa Diário de Notícias (EDN) perto de 600 mil euros.

Um valor que Ricardo Vieira admite que possa ser mais elevado, já que nem todos os contratos são de publicação obrigatória. “Estamos a falar de publicidade institucional ou propaganda oficializada num só jornal, o que é um claro favorecimento a uma empresa de comunicação social com dinheiros públicos”, considera o deputado.

Nesse mesmo período, o JM recebeu menos de 60 mil euros, em publicidade paga pelo executivo regional ficando de fora do radar tanto da câmara como da AMRAM, em termos de publicidade.

A face mais visível da EDN é o diário, que este mês assinalou 140 anos de existência, mas o grupo conta ainda com a SDIM, que distribui na região autónoma as publicações periódicas nacionais, e a Imprinews, a gráfica onde os dois jornais diários regionais são impressos. Foi por estas duas empresas do grupo que entrou o grosso do investimento da associação de municípios na EDN. Em Maio deste ano, a AMRAM contratualizou por três anos a distribuição, concepção e publicidade dos cartões do Jogo Instantâneo, similar à Raspadinha. O valor do contrato: 101.250 euros mais IVA. Três meses depois, a AMRAM assinava outro contrato agora com a Imprinews, no valor de 38 mil euros, para a produção de uma revista sobre os concelhos regionais.

Têm sido a AMRAM e a CMF, em conjunto, a investir mais dinheiro na Empresa Diário de Notícias. Dos quase 600 mil euros de dinheiros públicos que entraram nestes dois anos naquele grupo media, perto de 400 mil saíram dos cofres destes dois organismos. Paulo Cafôfo desvaloriza. “A câmara tem vários contratos com várias empresas regionais. O Diário de Notícias é só mais uma”, disse ao PÚBLICO, negando estar a favorecer ou a procurar favorecimentos junto de algum grupo económico.

As críticas relacionadas com as parcerias estabelecidas pela CMF e AMRAM com o DN Madeira para a realização e promoção de provas desportivas, não fazem “sentido” para o autarca. “Existe um grupo de comunicação que também organiza eventos. Tudo tem sido feito e aprovado com total transparência”, garante.

Também o executivo de Albuquerque reagiu a Ricardo Vieira. O secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus Sérgio Marques, que tutela a comunicação social, nega a existência de favorecimentos a algum órgão e acrescenta que, a existir, essa prática deve ser “assacada” a outros, numa referência implícita à autarquia funchalense e à AMRAM.

Sérgio Marques, em nota enviada às redacções, refere que o actual Governo aprovou nova legislação para o sector. “As verbas aplicadas a todos os órgãos de comunicação social, de acordo com o diploma, serão menos de um terço do que anteriores governos regionais direccionavam apenas para o Jornal da Madeira”, sublinha, realçando que o presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Carlos Magno, disse recentemente que a situação do sector na região estava normalizada.

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