PSD ameaça forçar análise do cenário do PS no Parlamento

Marco António Costa considera que a lei permite que a UTAO escrutine documentos políticos, João Galamba e o presidente da comissão de orçamento dizem que não. Os socialistas respondem esta quarta-feira às 29 perguntas dos sociais-democratas.

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Marco António Costa Rui Gaudêncio

Ainda não foi esta terça-feira que se conheceram as respostas às 29 perguntas do PSD sobre o documento "Uma Década para Portugal" com o cenário macroeconómico que servirá de base ao programa eleitoral do PS. Mas nenhuma pergunta ficará sem resposta, garantiu logo de manhã o secretário nacional e deputado socialista João Galamba, também ele um dos 12 economistas autores do relatório.

As respostas serão conhecidas esta quarta-feira, anunciou já ao fim da tarde António Costa, depois de se reunir com as confederações patronais, na sede do PS. Mas o líder socialista não se deu ao trabalho de responder aos desafios que o vice-presidente do PSD fez na véspera. Deixou apenas uma garantia: “Nenhuma carta ficará sem resposta e essa [do PSD] também terá resposta”.

Se na missiva que Marco António Costa fez chegar ao Largo do Rato o porta-voz do PSD deixava à “consideração a possibilidade de o PS tomar a iniciativa de submeter o cenário macroeconómico” à Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e ao Conselho das Finanças Públicas (CFP), ontem mudou de tom. Depois de ter ouvido João Galamba dizer que a lei não permitia a estes organismos a análise de documentos partidários, o vice-presidente do PSD subiu a parada. “Pedimos ao PS que não tenha hesitações em submeter à UTAO o cenário macroeconómico”, disse, repetindo um desafio que a ministra das Finanças já deixara no Parlamento na semana passada. “Caso [o PS] não o faça, será a maioria a tomar a iniciativa de o pedir”, afirmou.

A questão ficou, assim, centrada na possibilidade, ou não, de auditar as propostas do PS nas mesmas instâncias em que são avaliados os documentos orçamentais do Governo, neste caso o Plano de Estabilidade, já aprovado no Parlamento.

O entendimento do PSD é que, sim, tanto o mandato da UTAO como o do CFP dão margem para avaliar o relatório de um partido, mas o PS considera que a lei deixa de fora das competências das duas entidades essa possibilidade. A UTAO presta apoio técnico ao Parlamento; e o CFP é uma “entidade administrativa independente”.

O modus operandi da UTAO
A UTAO é uma unidade que faz parte dos serviços da Assembleia da República, onde presta apoio técnico em matéria orçamental e financeira, funcionando sob orientação da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (Cofap).

Aos técnicos compete, por exemplo, elaborar estudos e documentos de trabalho sobre o Orçamento do Estado, a Conta Geral do Estado, a execução orçamental que o Ministério das Finanças publica todos os meses. Pelo crivo da UTAO podem ainda passar as “iniciativas legislativas” que o presidente da Assembleia da República” submeta à Cofap. E a análise de “outros trabalhos que lhe sejam determinados” pela Cofap. É com base nesta última atribuição que Marco António Costa diz que a maioria irá forçar a análise na UTAO.http://s.publico.pt/NOTICIA/1693880

No entanto, o deputado socialista e presidente da comissão de orçamento, Eduardo Cabrita, reagiu ao desafio do dirigente do PSD lembrando que a UTAO é “uma estrutura de apoio ao Parlamento” que “aprecia propostas legislativas, não aprecia propostas partidárias”. Sem querer ser taxativo, Cabrita afirma que apreciaria a proposta caso esta chegasse à Cofap. Resguardou uma posição mais assertiva por estar-se perante declarações de um vice-presidente partidário: “Marco António Costa não é deputado”, afirmou.

Eduardo Cabrita não deixou, no entanto, de alertar para a caracter independente da UTAO e o modus operandi definido para a definição das tarefas da entidade. O deputado frisou que a UTAO operava segundo “um plano de actividades aprovado no início da sessão legislativa”, antes de acrescentar que a unidade está sobrecarregada com as incumbências já solicitadas.

De manhã, João Galamba assegurava que o PS “responderá a todas [as perguntas], do PSD, e de outras entidades que levantem dúvidas, ou que tenham comentários a fazer sobre este documento”.

A sugestão de avaliar o relatório naquelas duas entidades “tem um problema, que é a lei”, justificou o deputado do PS, lançando uma farpa a Marco António Costa. “Eu não sei se o vice-presidente do PSD conhece a lei que rege a actuação da UTAO e do Conselho das Finanças Públicas, mas trata-se de uma instituição técnica da Assembleia da República e de um órgão do Estado que não têm como objectivo avaliar propostas partidárias apresentadas pelos partidos às eleições”. Nisto, João Galamba vê a admissão, por parte dos sociais-democratas, de que “para o PSD, o PS já é Governo”.

Apesar de a UTAO e o CFP terem “um quadro de actuação definido por lei que não se coaduna" com a proposta do PSD, o deputado afirma que o PS está “obviamente aberto a discutir este documento com o Conselho das Finanças Públicas”.

A entidade presidida por Teodora Cardoso ainda não tem uma resposta a estas dúvidas. Ontem, o CFP adiantou apenas ao PÚBLICO que “está a preparar uma orientação sobre o assunto”.

As atribuições deste organismo prevêem a análise dos “cenários macroeconómicos adoptados pelo Governo”, da “dinâmica da dívida pública”, da “evolução dos compromissos existentes, com particular incidência nos sistemas de pensões e saúde e nas parcerias público-privadas e concessões”, da “situação financeira das regiões autónomas e das autarquias locais”, do sector público empresarial, da despesa fiscal e da execução orçamental.

Obrigatoriamente, tem de emitir relatórios sobre a proposta de OE, o Programa de Estabilidade e Crescimento, o Quadro Plurianual de Programação Orçamental. E “deve igualmente produzir relatórios regulares sobre a sustentabilidade das contas públicas e outros que considere convenientes”.

Uma das dúvidas é saber se, tendo em conta a posição de independência do Conselho, prevista nos seus estatutos, pode emitir pareceres sobre relatórios que um partido queira submeter para avaliação. O PÚBLICO pediu um esclarecimento ao CFP, para saber se considera haver margem para analisar documentos partidários ou se esta hipótese está excluída. Questões que o CFO ainda está a analisar.

 

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