PS, uma nova fase sem revoluções à vista

Enganam-se os que se aprestam a declarar a morte política de Seguro. Enganam-se sempre, ainda que por razões diferentes, os cínicos e os ingénuos.

1. Em política todas as auroras são radiosas e todos os ocasos são tristes. António Costa ganhou as primárias do Partido Socialista com grande vantagem. Para esse sucesso terão confluído múltiplos factores: a solidez do seu percurso político, a fortíssima presença no espaço comunicacional e os seus inegáveis dotes no campo da liderança. Inicia-se assim uma nova fase na vida do maior partido da oposição.

Contrariamente ao que alguns apressados e estouvados analistas se precipitaram em concluir, não creio que se esteja perante a iminência de uma revolução no programa, no discurso ou na estratégia do PS. António Costa é genuinamente um homem de centro-esquerda, comprometido com o projecto europeu, indisponível para radicalismos aventureiros, impróprios de um grande partido com vocação governativa. Foi o que deixou claro ao abster-se de propor compromissos demasiado concretos na campanha que agora findou. Nada na sua biografia política aponta para outro tipo de interpretação. Nessa perspectiva, as suas ideias são claras e dificilmente se poderiam contrapor em absoluto ao modelo discursivo prevalecente na última fase da vida do Partido Socialista. O Presidente da Câmara de Lisboa é, no melhor dos sentidos que o conceito comporta, um político pragmático. Significa isso que jamais se deixará aprisionar por qualquer tipo de rigidez ideológica, e tampouco se deixará entusiasmar por projectos encantatórios mas irrealistas.

De António Costa haverá ainda a dizer que desempenhou sempre bem as diversas funções que lhe foram cometidas. Projecta uma ideia de profissionalismo, rigor e competência. Estou certo de que o seu sucesso eleitoral recente também resultou desse reconhecimento. É claro que será a partir de agora submetido a outro tipo de escrutínio. Cada gesto, cada palavra, cada decisão sua será objecto de avaliação pormenorizada quer por parte da comunicação social quer por parte dos seus adversários políticos, escrutínio que ele obviamente não ignora. Talvez por isso mesmo tenha sido tão rápido a escolher o novo líder parlamentar. Fez, aliás, uma boa opção. Ferro Rodrigues tem prestígio, densidade e independência. Isso confere-lhe uma autoridade especial, imprescindível para a gestão de um grupo parlamentar onde não deixarão de emergir novas frustrações e ressentimentos. A vida política é assim mesmo, de há muitos séculos a esta parte. Basta ver a forma indecorosa como algumas pessoas se colaram a António Costa nos últimos dias para anteciparmos o descontentamento que poderá resultar da não satisfação das ambições que notoriamente as percorrem. Ferro vai ter ainda uma incumbência especialmente exigente: a de travar os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro. A sua inegável preparação nas áreas económicas confere-lhe uma vantagem que certamente não deixará de sobressair no areópago parlamentar. É certo que outras soluções poderiam ter sido equacionadas, nomeadamente as que passassem por uma renovação geracional da liderança parlamentar do PS. Não faltando candidatos mais jovens com atributos intelectuais indiscutíveis, a verdade é que a todos faltava um suplemento de prestígio imprescindível para a confrontação directa com o Primeiro-Ministro. Por uma razão ou por outra, nenhum deles adquiriu ainda a gravitas apropriada ao desempenho da função. Têm agora tempo e oportunidade para mostrarem o que verdadeiramente valem.

Outra indicação importante, no imediato, consistirá na escolha do novo Vice-Presidente da Assembleia da República indicado pelo Partido Socialista. Também nessa opção estará em causa a imagem projectada deste novo ciclo da vida partidária. Então se poderá constatar se o novo líder opta por recolocar o PS um pouco mais à esquerda ou, pelo contrário, prefere manter uma forte ligação com o centro político. Com Ferro na liderança parlamentar é natural que emerja uma personalidade reconhecidamente mais próxima desse centro para o exercício do cargo em questão. Se prevalecer essa orientação, há no grupo parlamentar soluções óbvias e inquestionáveis. Aguardemos. Uma coisa António Costa já demonstrou: não quer perder tempo. Ainda bem.

2. António José Seguro abandonou com dignidade a liderança do Partido Socialista. O País fica a dever-lhe uma forma assaz responsável de exercício de liderança da oposição. Foi firme sem soçobrar no sectarismo, revelou sentido do compromisso sem resvalar para o oportunismo, optou pelo interesse geral em prejuízo das suas ambições particulares. Não era fácil a sua tarefa: estava incumbido de dirigir a oposição democrática num país sob assistência financeira. Essa circunstância obrigava-o a um difícil equilíbrio que, no essencial, conseguiu assegurar. Numa época de radicalismos, simplismos e exibicionismos, um político crente nas virtudes da moderação corre sérios riscos de fracasso. Foi o que aconteceu. Porém, António José Seguro tinha razão no fundamental. Fez bem em não votar contra o primeiro orçamento da responsabilidade da actual maioria; privilegiou os princípios do compromisso europeu quando apoiou o Tratado Orçamental, esteve à altura das suas responsabilidades no momento em que rejeitou a proposta presidencial de um entendimento iníquo com a actual maioria. Enganam-se os que se aprestam a declarar a sua morte política. Enganam-se sempre, ainda que por razões diferentes, os cínicos e os ingénuos.

3. Com a dignidade que sempre caracterizou o seu percurso público, Alberto Martins apresentou a demissão do cargo de líder parlamentar do PS na própria noite eleitoral. Merece uma palavra especial. Nele confluem as principais virtudes de um homem de esquerda, republicano e socialista. No último ano prestou um inestimável serviço ao Partido Socialista. Dada a sua condição senatorial não precisava de o ter feito. Fê-lo por generosidade e com grandeza. Merece o respeito de todos os socialistas.

4. Numa eleição há sempre aparentes derrotados que, bem vistas as coisas, acabam por se revelar vencedores improváveis. É o caso de José Luís Carneiro, o líder da Federação Socialista do Porto. Neste distrito António Seguro obteve 48% dos votos, muito acima da média nacional. É impossível não ver nisso um sinal da força política do autarca de Baião. Sem renegar o seu passado, entender-se-á muito bem com António Costa. Tem tudo para ser uma figura importante nos próximos anos. Apenas deve evitar uma tentação – a de entrar em confronto com Manuel Pizarro, que cometerá um grande erro se não colocar a sua ligação ao Porto acima das legítimas ambições de protagonismo pessoal. A cidade já demonstrou que não perdoa àqueles que a trocam com facilidade por qualquer minúscula aventura lisboeta – seja qual for o motivo, ela não o interpretará senão como ganância ou vaidade. Uma coisa é certa: se Pizarro deixar o Porto alguém preencherá esse vazio. E seria pena que assim fosse alienado o acrisolado amor que ele sempre demonstrou ter pela sua cidade. E que estou certo um dia acabará por ser correspondido.

5. Chegou o Outono ao Porto. Sente-se nos pássaros, nas árvores e no sol que as ruas reflectem. Acontece todos os anos. Nunca deixa de ser uma boa notícia.

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