PS propõe que condenação por homicídio impeça automaticamente herança

Parecer da Ordem dos Advogados diz que solução dos socialistas viola a Constituição. PSD e CDS preparam-se para avançar com outra proposta.

Foto
Deputada socialista Elza Pais é a primeira autora do projecto de lei Rui Gaudêncio

O PS apresentou um projecto de lei que prevê que no momento da condenação pelo crime de homicídio por violência doméstica seja declarado o impedimento de herdar como efeito da pena. Até agora, era necessário que após a sentença penal alguém viesse pedir a indignidade sucessória do condenado, ou seja, a sua incapacidade para herdar do cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado.

A chamada indignidade sucessória já está prevista na lei, mas nos casos em que ninguém propõe a acção judicial, o homicida pode “enriquecer” com a herança da sua própria vítima, “o que parece manifestamente injusto”, alega a iniciativa legislativa apresentada por um grupo de deputados do PS, em Julho, e que irá a debate no Parlamento na próxima semana.

Ao PÚBLICO, a deputada socialista Elza Pais defende que “o homicida tem de ficar inibido da herança” e explica que, no nosso ordenamento jurídico, no momento da “sentença penal não é automaticamente promovida a indignidade sucessória”.

Para reforçar a importância do projecto, os parlamentares do PS citam o relatório anual da segurança interna para 2013, que apresenta um acréscimo de participações por violência doméstica às autoridades policiais, nomeadamente a violência doméstica contra cônjuges. Segundo o mesmo relatório, registaram-se mais 40 homicídios "conjugais/passionais" no ano passado do que em comparação com o ano anterior.

A socialista, que é a primeira do grupo de 11 deputados autores do projecto de lei, questiona “como é que uma pessoa que mata outra pode ser a sua legítima herdeira”. Elza Pais acredita que “os partidos de esquerda serão mais sensíveis do que a maioria”, manifestando prudência sobre o sentido de voto do PSD e do CDS. “Todas as propostas apresentadas pelo PS no âmbito da igualdade de género têm sido inviabilizadas pela maioria. Por exemplo, a regulação provisória da parentalidade e pensão de alimentos, que manifestamente contribuem para a protecção das vítimas”, afirma Elza Pais.

PSD e CDS já fizeram saber que irão apresentar iniciativas legislativas sobre a mesma matéria no dia 24 de Setembro. O PÚBLICO tentou falar com estes partidos, mas não teve sucesso. No entanto, no que foi possível apurar, o sentido de voto dos sociais-democratas ao projecto do PS poderá depender da forma como os socialistas votarão a iniciativa sobre a mesma matéria apresentada pelos partidos da coligação.

“Vamos ver qual será o ovo de Colombo dos partidos da maioria”, afirma Elza Pais, que manifesta a disponibilidade do PS para receber contributos nesta matéria. Caso decidam inviabilizar o projecto de lei, “os partidos da maioria ficarão com o ónus social e cívico de terem chumbado esta proposta”, afirma a parlamentar.

Porém, o assunto é sensível e os deputados da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias já dispõem de dois pareceres contraditórios sobre a matéria. O Conselho Superior de Magistratura defende que “a solução proposta parece ser razoável e merece concordância genérica”, uma vez que a acção civil, que até agora tinha que ser interposta após sentença, “além do desdobramento de custos, implica demoras e acaba por fazer revisitar acontecimentos dolorosos e violentos, com um rebate emocional previsivelmente intenso”. O Conselho Superior de Magistratura reconhece que “a proposta representa um corte com o sistema vigente”, que deixa de ficar refém do "impulso de interessados” na herança.

Mas a Ordem dos Advogados tem outra opinião e argumenta que o projecto de lei ao introduzir “um efeito directo e automático” da condenação pelo crime de homicídio viola a Constituição e não é admissível à luz dos princípios do Código Penal. “Não é a solução legislativa adequada e constitucional à resolução do problema”, refere o parecer.

A Ordem dos Advogados reconhece que a moldura jurídica actual pode configurar uma "situação injusta", mas lembra que o artigo 30.º da Constituição impede efeitos penais automáticos, ao estabelecer que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Em alternativa, o parecer assinado pela bastonária Elina Fraga propõe como solução alterar a lei, mas para conferir legitimidade ao Ministério Público para instaurar a acção de indignidade nos casos em que ninguém o faça. Esta é uma solução jurídica “mais simples e não menos eficaz”.

Sugerir correcção
Comentar