PS outra vez à espera de Costa... ou de César… ou de nada

Soares marcou reunião na sua Fundação para falar do futuro do partido. Um líder distrital começou a preparar eleições internas. César espera pelas explicações de Seguro. Pelo meio, os telemóveis socialistas gastaram muita bateria.

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António Costa e Carlos César Rui Gaudêncio
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Seguro está a enfrentar uma agitação subterrânea no partido Enric Vives-Rubio

No espaço de poucas horas, o PS parece ter recuado no tempo mais de um ano. Àquelas semanas do início de 2013 em que Seguro se viu na iminência de defender a sua liderança contra os que não o consideram fadado para primeiro-ministro e que teve em António Costa o desejado que acabou por recuar.

Ontem, as hostes socialistas viviam o período pós-eleitoral numa efervescência subterrânea que conjugava contactos telefónicos, declarações sibilinas de desafio encapotado e disfarçados jogos do empurra.

A causa foi a vitória minguada nas eleições europeias. O culpado – intuiu-se de algumas declarações – é o actual secretário-geral. A consequência poderá vir a ser uma disputa interna. Ou não.

As declarações veladas sucederam-se com o passar das horas. Apelos à “reflexão” à conta de uma votação que soube a pouco. O telemóvel de António Costa terá tido um fluxo de circulação semelhante ao aeroporto de Lisboa por alturas da final da Liga dos Campeões.

Mensagens e tentativas de contacto para sondar e até pressionar. O nome de António Costa, que há cerca de um ano esteve prestes a desafiar a liderança de António José Seguro, voltou a pairar como a solução. Muita gente à espera de um sinal, mas ninguém para dar o primeiro passo. “Não faço nada enquanto ele não se chegar à frente”, assumia um dirigente socialista.

Afinal, como reconhecia outro dirigente socialista, no PS há ainda muita gente traumatizada com António Costa pelo facto de não ter avançado para a liderança do partido. “Estou em reflexão expectante ”, admitia ontem uma terceira fonte socialista, afirmando ser preciso quem queira ir a jogo para depois se mobilizarem as tropas.

Certo é que os telefones socialistas gastaram muita bateria ontem. Cruzaram-se leituras, sondaram-se apoios, analisaram-se declarações. E marcaram-se reuniões. Como a que está marcada para a Fundação Mário Soares, para esta terça-feira.

No Porto foram mais rápidos. Os resultados foram ontem discutidos num almoço, que reuniu num restaurante um grupo de militantes que censurou o líder da distrital, José Luís Carneiro, por ter ido para Lisboa, deixando sós os socialistas portuenses. Ao que o PÚBLICO apurou, também se falou muito de António Costa.

Para emendar a mão, José Luís Carneiro, enviou uma carta aos militantes do distrito, na qual agradece “toda a disponibilidade e apoio” dado à candidatura. Uma missiva com um claro “objectivo” eleitoral, alertaram fontes socialistas que o acusam de estar a pedir o apoio dos militantes a uma recandidatura sua à liderança da federação distrital do PS/Porto, a maior estrutura do partido.

Distritais fora de prazo
Afinal, as lideranças distritais já estão fora de prazo. Os mandatos de dois anos já foram ultrapassados, não tendo havido ainda eleições agendadas devido à proximidade das europeias e à alteração dos estatutos, que colaram o escrutínio interno ao processo eleitoral nacional.

O problema é que um desafio à liderança pode tornar mais apetecível a disputa federativa. Seguro controla actualmente o aparelho. Eleições distritais poderiam transformar esse cenário. E para se avançar com um congresso extraordinário – a solução mais plausível para desafiar a liderança – é necessária a aquiescência de 50% das federações.

Como pano de fundo, surgiram algumas análises críticas ao resultado do partido. O mais prolixo foi Carlos César. Depois de escrever no Facebook que via nos resultados a comprovação de que os eleitores “têm dúvidas muito significativas sobre se lhe devem confiar para o futuro o exclusivo de execução desse novo rumo”, voltou à rede social para denunciar um telefonema de um “apparatchik de serviço”.

Ao PÚBLICO, César confirmou que tencionava no sábado ir ao Vimeiro – reunião da Comissão Nacional do PS - para ouvir com "interesse a análise que António José Seguro fará na reunião da Comissão Nacional". "E, naturalmente, o que pretende fazer para ampliar a confiança dos portugueses que ainda não alcançámos. Veremos então", acrescentou. A última frase soou a ameaça.

Carlos César não foi o único socialista a fazer uma avaliação menos positiva dos 31 por cento arrecadados nas europeias. "O país rejeita o Governo e deseja uma alternativa. Mas ainda não acredita que essa alternativa exista", escreveu o deputado João Galamba no site do Expresso. "Parece evidente que o PS ainda não está em posição de liderar essa grande maioria", concluiu.

Ferro afasta intervenção de Cavaco
Até mesmo um ex-secretário-geral do PS veio a público reconhecer que a votação ficou curta para as expectativas socialistas. “Não há dúvida nenhuma que o Governo teve uma derrota profunda. No entanto, não houve um resultado do PS suficientemente impressionante para permitir que seja claro aquilo que o Presidente da República vai fazer a partir de agora”, disse Ferro Rodrigues aos microfones da TSF.

O aparente tiro de partida fôra dado pelo principal adversário interno de Seguro. No dia das eleições, o presidente da Câmara de Lisboa fez soar os alarmes. Os resultados deviam “levar os socialistas a reflectir sobre o que é preciso fazer para chegar às legislativas e ganhá-las em condições de governar”, defendeu António Costa num canal televisivo. 

O autarca, que esteve prestes a desafiar a liderança de Seguro há cerca de um ano, sustentou ainda que o PS teria de trabalhar mais para que a próxima vitória “não saiba a pouco”. Nas legislativas de 2015, reforçou, para ganhar, “não basta ter mais um voto”. “Uma derrota da direita saberá a pouco, se a ela não corresponder uma vitória substancial do PS”, desenvolveu.

Também Manuel Alegre reconheceu ao PÚBLICO que as eleições exigiam “uma profunda reflexão”. Mas não a que outros afirmavam sibilinamente. O candidato derrotado à Presidência defendeu a disponibilidade do PS para dialogar, à sua esquerda, uma vez que a reedição de um “bloco central” seria, na sua opinião, “a machadada final no sistema político”. “Temos de perguntar ao PCP o que quer. Será que o PCP prefere a direita no poder?”, questiona o histórico socialista.

Mas também entre os pequenos partidos que obtiveram votações expressivas no domingo e o PS “deve haver debate, público e reservado” sobre o futuro: “O Livre, a Renovação Comunista, até Marinho Pinto, que tem preocupações democráticas, devem ser desafiados” para aquilo que Alegre considera ser a “dupla ruptura” essencial. “É preciso romper com estas instituições europeias dominadas pelo capital financeiro e também com a sujeição interna às políticas de austeridade”.

A verdade é que a expectativa da madrugada pós-eleitoral começou a dar lugar à frustração nalguns sectores. “São três da tarde e não tivemos nenhuma declaração a assumir que temos um problema de liderança”, desabafava um dos dirigentes ao PÚBLICO. O fantasma da indefinição de Costa paira ainda nas hostes socialistas. Porque, mesmo com tanta agitação, pode ser que a montanha socialista volte a dar à luz uma “Declaração de Coimbra”.

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