PS desconfortável com primárias para deputados

Proposta de António Costa no Congresso está a causar desconforto em algumas estruturas.

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António Costa Daniel Rocha

Estatutos, combate ao Governo, debate programático e extinção do Departamento das Mulheres. A agenda para as reuniões internas do PS – que se vão realizar nos próximos dias – é extensa e tem material polémico.

O PS vai reunir sábado, pela primeira vez, a nova Comissão Nacional (CN) saída do congresso de Lisboa e nela serão discutidas e votadas as alterações estatutárias que foram apresentadas durante a reunião magna dos socialistas, que decorreu em Novembro. Mas já hoje realiza-se, no Largo do Rato, a primeira reunião da comissão política nacional, o órgão de direcção alargada, que acontece na véspera de mais um debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento.

O XX Congresso Nacional do PS apenas aprovou as propostas de revisão estatutária consideradas mais urgentes, como a consagração das eleições primárias abertas a cidadãos independentes ou do regresso aos mandatos políticos de dois anos em todos os órgãos do partido, deixando as restantes para ser debatidas na CN, o órgão máximo partidário entre congressos.

A proposta de alteração dos estatutos subscrita pelo secretário-geral, António Costa, que consagra, entre outras mudanças, a possibilidade de os simpatizantes poderem votar nas eleições primárias e directas, foi aprovada no congresso por “larga maioria”. A reunião magna aprovou também o regresso dos poderes electivos para os congressos extraordinários e o cenário de o secretário-geral ser derrubado em Comissão Nacional por moção de censura aprovada com maioria absoluta dos votos.

Mas a proposta que maior expectativa está a gerar prende-se com as eleições primárias para a escolha dos candidatos a deputados à Assembleia da República e a presidente de câmara.

Um dirigente partidário reconheceu existirem alguns receios em relação a esta alteração. “Tenho recebido informações de que o PS não se sente confortável”, admitia ontem esse quadro socialista ao PÚBLICO. A razão para tal é que a proposta retira poder de decisão às estruturas internas do partido na escolha de candidatos à Assembleia da República e às câmaras.

“Entendo que se deve estender as primárias à escolha dos candidatos a deputados e dos presidentes de câmara. Considero uma solução razoável”, disse ao PÚBLICO Tiago Barbosa Ribeiro, da concelhia do PS-Porto, especificando que no caso das eleições para deputados apenas devem votar os militantes. Já em relação aos candidatos a presidente de câmaras, as primárias devem ser abertas também a simpatizantes, defende. No entanto, Tiago Barbosa Ribeiro salvaguarda que as primárias para a escolha dos candidatos às câmaras só deve acontecer “em concelhos onde haja massa crítica”.

Mas o actual secretário-geral, António Costa, poderá também ter de lidar com as primeiras críticas à sua liderança. No seio do principal partido da oposição já há quem se impaciente com o facto do PS não descolar da direita nas sondagens. “Isto está a correr mais ou menos bem, mas falta alguma clareza, faltam propostas concretas que galvanizem”, avaliava um dirigente socialista que admitia vir a levantar a questão mas reuniões desta semana.

Capoulas Santos, apoiante de Costa e presidente da distrital de Évora, desvaloriza as críticas por entender que é em 2015 que “verdadeiramente se inicia o ciclo político”. Mas reconhece que a paragem do Natal e a “turbulência às volta de José Sócrates” também não ajudaram o PS nas últimas semanas.

Outra matéria que estava em cima da mesa prendia-se com uma das estruturas criadas por António José Seguro. A nova direcção assumiu a intenção de reformular o Laboratório de Ideias para Portugal (Lipp). Esses grupos de trabalho sectoriais, abertos aos militantes e simpatizantes para debater propostas a incluir num programa de governo, estão parados desde que se disputou a liderança do partido. As reuniões da Comissão Política e da Nacional deveriam servir para que o ex-secretário de Estado João Tiago Silveira apresentasse essa reorganização. Ao que o PÚBLICO apurou, a estrutura deverá ser rebaptizada, embora mantendo a lógica anterior. 

Mulheres ao rubro
Fora da agenda da reunião da CN acabou por ficar a proposta de alteração estatutária que mandata a Comissão Nacional para rever “todo” o artigo relativo ao Departamento Nacional das Mulheres Socialistas (DNMS), que foi retirada por iniciativa do presidente do partido.

Ao que o PÚBLICO apurou, Carlos César considera que a questão suscita dúvidas e decidiu, por isso, remeter a proposta para a Comissão Nacional de Jurisdição (CNJ), presidida por José Manuel Mesquita, que terá agora de dar um parecer sobre se deve haver ou não eleições para o departamento das mulheres socialistas.

Isabel Coutinho, que preside ao DNMS, tem estado debaixo de fogo por não se ter demitido depois do antigo secretário-geral, António José Seguro, ter perdido as eleições primárias para António Costa. Isabel Coutinho é acusada de ter feito campanha por Seguro envolvendo, desta forma, o Departamento, que deve ter uma postura de isenção.

O secretário-geral não quis que a polémica no DNMS contaminasse o congresso do PS, mas algum tempo depois Costa deu sinais de que queria que o departamento das mulheres fosse a votos em Março, tentando por um ponto final na polémica. Mas Isabel Coutinho sempre disse que não se demite e que o seu mandato só termina depois das eleições legislativas deste ano.

Em declarações ao PÚBLICO, a ex-assessora do grupo parlamentar do PS aplaudiu a posição do presidente do partido de retirar a proposta que mandatava a CN para rever “todo” o artigo relativo ao DNMS, afirmando que a solução encontrada não era a “mais correcta”. ”O primeiro passo é chamar o departamento das mulheres socialistas e nós cá estamos para discutir o que for necessário. Congratulo-me que tenha havido bom senso”, declarou Isabel Coutinho, sublinhando que “o que é importante é que o departamento continue a defender intransigentemente a sua autonomia, a sua legitimidade e a sua história”.

Mas há no PS quem discorde profundamente da forma como Isabel Coutinho tem reagido à polémica, acusando-a de não perceber a importância que o departamento das mulheres tem do ponto de vista político. “O departamento foi criado para apoiar e fortalecer a capacidade das mulheres na política, pelo que não pode estar à mercê das disputas internas no partido, nem ficar refém do que acontece na lógica do poder do PS”, disse ao PÚBLICO fonte do PS. O SNMS tem de ter um discurso e uma estratégia de poder e não há uma estratégia de poder quando se entrega a estrutura ao serviço das disputas internas”.

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