Governo e oposição divergem na expectativa do alívio na austeridade

Medidas do plano de estabilidade dominaram o debate quinzenal. Esquerda acusa Passos de prolongar cortes; primeiro-ministro diz que reposição gradual de salários e pensões sempre esteve prevista.

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Passos Coelho no debate quinzenal RUI GAUDêNCIO

Há um alívio na austeridade para os próximos anos ou há mais sacrifícios para os portugueses? O Governo fala em recuperação, as bancadas da oposição insistem que as expectativas dos portugueses saíram frustradas com a revelação de medidas previstas nos programas de estabilidade e de reformas. A poupança de 600 milhões nas pensões de reforma foi a mais visada durante o debate quinzenal no Parlamento, onde se criticou também a previsão da evolução da taxa de desemprego.

O PS abriu a sua interpelação acusando o Governo de "insanidade política e social" na intenção de reduzir o global das despesas com pensões em cerca de 600 milhões de euros. "O programa do Governo, para as eleições e os próximos quatro anos, é um programa de ameaça. Os pensionistas são ainda penalizados com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade em 2017. Mas em 2016 alarga penalizações para outros", afirmou Ferro Rodrigues, concluindo logo de seguida: "Maior trapalhada do que isto não é possível."

O líder da bancada socialista foi crítico da opção do Governo de colocar nos documentos – como mero exercício – a medida da taxa da sustentabilidade das pensões (acompanhada de aumento da taxa de IVA) e que já foi chumbada pelo Tribunal Constitucional. "Diz que não aprecia contos de crianças, é uma brincadeira de faz de conta. Faz de conta que o PSD/CDS ganham as eleições, que Passos é primeiro-ministro. Faz de conta que é Cavaco Silva que vai continuar como Presidente da República. Como diria Cavaco Silva, que topete, que topete!", afirmou.

Na resposta, o primeiro-ministro considerou natural a redução gradual da sobretaxa de IRS e a devolução dos cortes nos salários. "Não há trapalhada nenhuma. Todas as medidas serão gradualmente removidas. E não há nenhuma incompatibilidade em remover medidas extraordinárias com aplicar reformas estruturais", disse, desafiando o ex-ministro da Segurança Social a dizer como é que se retiram essas medidas mais rápido e como é que se financia.

Mas Ferro Rodrigues argumentou com um parecer da unidade técnica orçamental da Assembleia da República: "Sobre a Segurança Social, a UTAO disse que [o sistema] deu um contributo positivo para o défice deste ano, não quer dizer que não haja problemas para o futuro."

Anunciada em 2012 por Vítor Gaspar e incluída no pacote do "enorme aumento de impostos", a sobretaxa de IRS nunca teve um prazo para terminar – ou pelo menos o Governo nunca a revelou. Mas no relatório da quinta avaliação do FMI, ainda em Outubro de 2012, previa a sua manutenção até ao fim do programa da troika (2014) ou até que o Executivo encontrasse uma alternativa do lado da despesa.

Os dois líderes trocaram ainda acusações sobre eleitoralismo. Ferro Rodrigues acusou o executivo de fazer uma "gestão eleitoral" das medidas, ao que Passos Coelho respondeu com uma acusação de incoerência. "Acusar o Governo de ser eleitoralista e ao mesmo tempo de prosseguir as políticas de austeridade. Isso é que não me parece sanidade política", concluiu.

Dias antes de o PS apresentar o seu cenário macro-económico, o primeiro-ministro já fez as contas às propostas socialistas. "São 1700 milhões, 1% do PIB. O que é que isto significa? Que em 2016 o país regressaria em grande estilo ao défice excessivo", afirmou Passos em resposta a Luís Montenegro, líder da bancada do PSD, referindo-se à reposição dos salários (600 milhões), da cláusula de salvaguarda do IMI (150 milhões), e remoção da sobretaxa de IRS (700 milhões). A que somou a descida do IVA da restauração para 13% (175 milhões), a reposição das 35 horas na Função Pública (50 milhões), o aumento do salário mínimo para pelo menos 552 euros (40 milhões).

"Isto não tem fim?"
O líder do PCP, tal como a restante oposição, baseou a sua interpelação na acusação de um prolongamento da austeridade. "Explique lá sr. primeiro-ministro: isto não tem fim?", questionou Jerónimo de Sousa, que havia depois de dizer que o Governo "não tem credibilidade porque enganou os portugueses: anunciou [cortes] por um período concreto [de três anos] e afinal é por mais cinco anos".

Passos Coelho recusou qualquer "engodo" nas promessas do Governo, especificando que "a remoção das medidas seria feita a partir do fim do programa" da troika. Acrescentou que já este ano os cortes estão a ser removidos porque é o primeiro pós-programa.

Jerónimo de Sousa usou uma expressão recorrente nestes diálogos com o primeiro-ministro. "O Governo tem dois pesos e duas medidas": mantém cortes nos salários e a sobretaxa no IRS até 2019, corta mais 600 milhões de euros na saúde, 400 milhões nos serviços públicos; ao mesmo tempo que baixa 1% todos os anos no IRC e elimina a contribuição extraordinária do sector energético em dois anos, enumerou o líder comunista.

O primeiro-ministro reforçou que a sua equipa fez "reformas de forma estrutural", como a redução do IRC para atrair investimento ou a revisão negocial com as PPP que permite poupar 7,5 mil milhões de euros nas rodoviárias.

Referindo que o pacto de estabilidade deixou cair a palavra crescimento, Jerónimo de Sousa realçou que o documento prevê uma "redução de apenas 2% na taxa de desemprego nos próximos cinco anos", afirmando que a essa velocidade o país "demoraria 30 anos para se conseguir atingir um nível de desemprego sustentável". Aliás, a previsão da evolução do desemprego do Governo é bem mais conservadora do que a do CDS que aponta para um dígito até ao final da próxima legislatura.

Pelo Partido Ecologista Os Verdes, Heloísa Apolónia também acusou o Governo de "voltar atrás na palavra" ao prolongar os cortes e medidas extraordinárias após o programa de ajuda externa. Passos Coelho contrariou: "Essa não foi a expectativa que o Governo criou junto dos portugueses." E lembrou que em 2014 o Parlamento aprovou a devolução dos cortes de salários na função pública à razão de 20% ao ano.

Catarina Martins engrossou a lista das críticas ao Governo sobre o ritmo lento das reposições, um calendário que o líder centrista Nuno Magalhães viria a classificar como "o possível". "Então o país dos cofres cheios em que é que se distingue do país dos cofres vazios?", ironizou, lembrando as declarações da ministra das Finanças. Passos Coelho rejeitou qualquer corte nas pensões mas reafirmou que há um problema de sustentabilidade no sistema público.

Passos Coelho e Catarina Martins envolveram-se numa troca de argumentos que a bloquista classificou de "jogo de palavras". "Não venha dizer que os sacrifícios foram para todos; nem o momento do alívio dos cortes é igual para todos. A sobretaxa que é paga por quem trabalha desce 25%, mas a sobretaxa das grandes empresas de energia desce 50%. Ó sr primeiro-ministro, não vê aqui nenhuma desigualdade?", perguntou Catarina Martins.

A porta-voz bloquista foi depois directa: "O Governo tem debaixo da cartola a descida da TSU para sacar não se sabe quando. Quantos empregos são precisos criar para compensar uma medida da TSU em 2%?" Passos Coelho não respondeu. Mas Catarina Martins trazia as contas feitas: "Exige a criação de 320 mil novos postos de trabalho."

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