Primárias do PS: liderança e soluções para defrontar os problemas do país?

Caso António Costa vença as eleições primárias, como espero, faço votos que não abuse da tática da ilusão e ambiguidade pré-eleitoral.

1. A disputa no PS, que se resolverá com as eleições do próximo domingo, vai solucionar uma das questões que o dividem: a liderança; mas não vai resolver o problema essencial da crise do partido: a identidade programática de um partido social-democrata no mundo globalizado, num país que irá crescer pouco e que vai envelhecer significativamente. Colaborei tecnicamente com o PS na feitura de um modelo de financiamento para as regiões administrativas (Guterres), na Lei das Finanças Locais de 2007, e na reforma do Estado – PRACE – com Sócrates (I). Tenho tido com o PS a mesma relação que com o Benfica, desilude-me, frequentemente, mas mantenho sempre a esperança de que me surpreenda.

2. Portugal tem um problema económico: como se desenvolver no seio do euro; um problema político: como fazer que a democracia promova as atividades produtivas e não as de procura de rendas; e um financeiro: como ultrapassar a crise de sobre-endividamento. O que se espera de um candidato a primeiro-ministro, de qualquer partido, é que tenha algumas respostas credíveis sobre estes problemas e uma estratégia de médio prazo para os solucionar. PS, PSD e CDS, que governaram nas últimas décadas, são os principais responsáveis pela situação atual (com a ajuda das oposições despesistas à esquerda e da crise financeira internacional) e têm de reganhar a confiança dos cidadãos dando resposta a esses problemas. Se não o fizerem, reforçar-se-á a emergência de líderes populistas, aumentará em demasia a fragmentação parlamentar e a democracia correrá sérios riscos.     

3. A abertura e renovação dos partidos e a reforma do sistema político podem acontecer por choque político “externo” (o que aconteceu com o MPT nas europeias e poderá acontecer com novas formações), por choque económico (um segundo resgate que acontecerá inevitavelmente na ausência de compromisso político pós-eleitoral, se e quando os juros subirem novamente) ou por renovação dos grandes partidos. Os eleitores não votam apenas em função do espectro ideológico, mas também da sua perceção da honestidade dos candidatos e na expectativa de que possam alterar regras essenciais do sistema político (incompatibilidades, enriquecimento ilícito, sistema eleitoral, etc.).
Não se pode construir o futuro sem perceber os erros do passado. Já em 2002, antes das eleições, referi aqui (PÚBLICO, 11/03/2002) que Durão Barroso anunciava descidas de impostos antes das legislativas, mas que os iria posteriormente aumentar (o que veio a acontecer), e que Ferro Rodrigues dizia que queria controlar as finanças públicas, mas não o faria dada a tendência endémica da esquerda em desvalorizar as finanças públicas. Dez anos volvidos, em 2011, a história repete-se: um candidato, Passos Coelho, faz no governo o contrário do que disse em campanha eleitoral. Chamemos-lhe a tática da ilusão pré-eleitoral. Em 2014 repete-se o mesmo discurso, agora liderado pelo CDS, na ânsia de conquistar uns quantos votos incautos.   

4. O passado recente do PS não deve ser por si ignorado e deve-o assumir sem ambiguidades, nas coisas boas e nas coisas erradas. Deve orgulhar-se do combate às desigualdades e pobreza (RMG/RSI, CSI) da defesa de um Estado de qualidade, da promoção da cultura e da investigação, da defesa dos direitos humanos (casamento entre pessoas do mesmo sexo), mas deve reconhecer os erros, nomeadamente de várias inúteis PPP (iniciadas pelo PSD), a atitude laxista orçamental, e algumas más práticas de governação do sector público empresarial. Do passado mais recente importa também distinguir: Sócrates I até fim de 2008 – reformador, com governo sólido, atacando alguns interesses instalados, progressista; Sócrates II, de 2009 a 2011 – da manutenção do poder pelo poder, do alheamento em relação aos apelos da sociedade civil que já então se pronunciava contra o despesismo das PPP, do TGV, a favor da necessidade do controlo da despesa, etc.      

5. António José Seguro (ASJ) iniciou há três anos um processo na direção correta: a preparação dos conteúdos programáticos para um programa de governo.  Porém, o certo é que o PS não tem ainda as linhas gerais de uma estratégia de governação sólida para 2015-2019, não tem uma estratégia orçamental nem para a dívida, diferente da do governo de Passos, embora tenha recebido contributos de várias pessoas, nomeadamente nas iniciativas públicas "Novo Rumo". Se a tivesse, Seguro não teria cometido o erro crasso de se abster no OE 2012, o mais duro e o mais recessivo de todos os orçamentos, muito para além do memorando com a troika; nem, em debate direto com Costa, afirmaria que se demitiria se aumentasse impostos. Ao longo destes anos tive ocasião de expressar aqui o que penso que deveria ser o papel do PS na oposição (“PS: que oposição?” a 08/04/12; “Os cânticos de Sereia do PS” a 24/08/12) e que não se tem satisfatoriamente cumprido. No que toca à reforma do sistema político, AJS já percebeu a sua importância. Porém, os seus avanços nesta matéria foram tardios, ambíguos, erróneos (a diminuição do número de deputados para 181) e não fundamentados tecnicamente.

6. O posicionamento ideológico dos candidatos tem sido debatido no PÚBLICO em perspetivas diversas (Ana Rita Ferreira, André Freire, João Cardoso Rosas). É importante para o conteúdo das políticas públicas, mas é apenas marginalmente relevante para a política de alianças pós-eleitoral. As alianças do PS, à esquerda ou à direita, dependerão sempre dos resultados eleitorais, e das possíveis maiorias políticas. Não vejo o PS a aliar-se ao PCP, nem ao Bloco, porque nenhum dos três está interessado ou tem grandes afinidades em temas importantes como a Europa ou o euro. A menos que haja significativa renovação dos grandes partidos é expectável uma maior fragmentação política no parlamento pós-2015. A escolha nas primárias do PS será, sobretudo, entre quem tem maior capacidade de liderança, de entender os problemas do país, e de gerar a mobilização de vontades e os compromissos políticos necessários e inevitáveis, pois provavelmente não haverá maioria absoluta em 2015. 

7. Não tenho dúvidas de que António Costa tem maiores competências para liderar um futuro governo, caso o PS vença as próximas eleições. Mas para que isso aconteça é necessário que o PS proponha ao país uma estratégia de crescimento, emprego e orçamental (há vida para além do défice, mas não há tranquilidade com esta dívida); ou seja, que proponha  uma estratégia de preservação da soberania nacional e de reforma do sistema político. Essa estratégia tem de assentar em bases sólidas e em previsões macroeconómicas e demográficas realistas. É preciso que, humildemente, o PS mostre que aprendeu com o que correu menos bem no passado, melhorando as instituições para que certas coisas não voltem a acontecer. Caso António Costa vença as eleições primárias, como espero, faço votos que não abuse da tática da ilusão e ambiguidade pré-eleitoral, tão recorrente em política, e que saiba, paulatina, mas determinadamente, fazer a clarificação programática de que o PS necessita, abrir o PS à sociedade civil, renovar parcialmente as elites, promover a democracia interna, a transparência, a formação de quadros, e incentivar a participação das novas gerações (de idade ou de espírito). Reconheço que são grandes desafios, mas esta deverá ser a ambição de uma nova liderança e só assim se encontrarão soluções alternativas para o país.

Professor do ISEG/UTL

Os artigos do PÚBLICO referidos podem ser consultados em www.iseg.utl.pt/~ppereira/finpub

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