Presidente quer consenso para garantir governabilidade

A ideia do entendimento atravessa todo o discurso de Cavaco Silva e é pedido em áreas como a justiça e a saúde.

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Enric Vives-Rubio
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O Presidente da República, Cavaco Silva, defendeu que o “diálogo e consenso” permitirão alcançar os compromissos “imprescindíveis” para garantir a “estabilidade política e a governabilidade do país”.

Falando na sessão solene das comemorações do 25 de Abril, no Parlamento, o chefe de Estado apelou aos deputados “desta legislatura e da que irá iniciar-se no final deste ano, a que contribuam, pela força do seu exemplo, para a elevação do debate público e para a qualidade da democracia em Portugal”. “Só deste modo, através do diálogo do consenso, será possível alcançar os compromissos imprescindíveis para garantir a estabilidade política e a governabilidade do país e para enfrentar com êxito os desafios que o futuro nos coloca”, afirmou, sem nunca se referir directamente aos partidos com assento parlamentar. 

A poucos meses das legislativas, Cavaco Silva volta a apelar ao entendimento entre os partidos, tal como o PÚBLICO noticiou no passado dia 15.

O Presidente lembrou que foi através do “compromisso” entre as forças democráticas que foi possível aprovar a Constituição da República e concretizar muitos dos sonhos de Abril.

Cavaco Silva voltou a queixar-se do nível de “crispação e de agressividade verbal que muitas vezes não hesita em extravasar da controvérsia de opiniões para os ataques e os insultos de carácter pessoal”. E considerou que essa violência verbal “afasta os cidadãos da vida da República, fomenta o desinteresse cívico, corrompe a confiança dos portugueses nas suas instituições.”

A ideia de consenso atravessa todo o discurso e é pedido em várias áreas, designadamente na justiça, no Estado social, no mar, defendendo até um “pacto de político e social para a próxima década”.

No caso da justiça, onde se referiu às alterações de fundo adoptadas, Cavaco Silva disse esperar que sejam precisos “consensos interpartidários capazes de conferir estabilidade às reformas de fundo já introduzidas ou que entretanto venham a ser apresentadas”.

Mais uma vez, o Presidente defendeu uma “atitude firme de combate à corrupção, um dos maiores inimigos das sociedades democráticas”, referindo-se até à administração pública, no momento em que são visados em processos de corrupção altos funcionários do Estado.

“A corrupção tem efeitos extremamente graves no relacionamento entre os cidadãos e o Estado, diminuindo a confiança nas instituições e criando, em particular, a falsa ideia de que a generalidade dos agentes políticos ou dos altos dirigentes da administração não desempenham as suas funções de forma transparente, ao serviço exclusivo da comunidade”, afirmou. De seguida, advertiu: “É desta falsa percepção que se alimentam os populismos e se abre a porta à demagogia”.

Defendendo “um empenho de todos no combate à corrupção” para manter a coesão social, Cavaco Silva afirmou: “Numa República de cidadãos iguais, ninguém está acima da lei”.

As reflexões que pediu para o futuro são necessárias numa altura em que terminou o programa de ajuda externa. Cavaco Silva deu uma nota de optimismo ao dizer que Portugal vive “uma nova fase da vida nacional”. “Apesar de termos um longo caminho a percorrer, a economia apresenta já sinais de crescimento e criação de emprego, as contas externas estão equilibradas e perspectiva-se a saída da situação de défice excessivo”, disse, deixando no entanto os desafios que o país te pela frente. “O controlo da despesa pública e endividamento do Estado, o financiamento das empresas, a competitividade da economia, da equidade fiscal, a que sevemos associar o apoio ao investimento produtivo e uma agenda de crescimento económico e criação de emprego”, referiu. 

Nas bancadas à direita só o PSD falou em consensos, retomando um mote que já há meses estava adormecido. Fernando Negrão falava das fragilidades da democracia e dos últimos anos em que o país viu a soberania limitada. “Temos de aprender com os nossos erros, transformando-os numa sabedoria partilhada, capaz de servir de base para os novos consensos de que o país tão urgentemente necessita”, disse, defendendo que os consensos deverão existir “principalmente por assentarem numa visão do país de médio e longo prazo”.

Sem nunca responder directamente aos apelos dos consensos, o socialista Miranda Calha afastou essa ideia de pensamento único ao defender o primado da política enquanto “primado da escolha e da decisão”. “Mas de uma escolha clarividente e informada, da escolha de uma estratégia e de ideias sólidas para o futuro e não uma escolha por entre tacticismos breves e sem conteúdo”, afirmou o deputado da Constituinte, lembrando que essa é a “substância da Constituição” que será confirmada nas legislativas e presidenciais.

Miranda Calha marcou a diferença no discurso ao carregar nas críticas à Europa e ao focar-se na construção do regime desde as primeiras eleições livres, até à actualidade. “Vemos como o desemprego marca hoje gerações, feitas esquecimento e empurradas para a emigração ou para o silêncio e para a dependência. Vemos como a submissão a uma economia especulativa e sem qualquer vontade de mudar o mundo para melhor cria pobreza à sua volta”, disse.

Ainda nem o Presidente tinha discursado – o que aconteceu pela última vez no 25 de Abril – já o bloquista Pedro Filipe Soares antecipava a “ladainha” do apelo ao consenso. “Quando tenta impor o consenso na austeridade inscrito à partida nos programas eleitorais, quer uma democracia tutelada. Na chantagem para uma maioria absoluta, qualquer que seja o veredicto popular quer uma democracia condicionada”, apontou o líder parlamentar do BE.

O Presidente da República assim como o PS também foram visados na intervenção de Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista Os Verdes. A deputada rejeitou entendimentos entre os dois maiores partidos. “É justo que se peçam consensos à volta destas políticas negadoras de uma sociedade justa? É correcto pedir acordos para se servirem elites e sacrificar o povo? (…) Não, não é justo nem correcto nem tolerável para o povo português", afirmou Heloísa Apolónia, que não poupou o PS em contraste com o BE, que ignorou o partido liderado por António Costa.

Pela voz de Carla Cruz, o PCP também colou a actual maioria ao PS com o rótulo “política de direita”, mas poupou o Presidente da República. “Disputando entre si pequenas diferenças de ritmo e intensidade, a troica [SIC] interna dos executantes da política de direita confirmou nos últimos dias não ter para oferecer aos portugueses outra coisa que não seja a continuação da mesma política de exploração, empobrecimento e declínio nacional que priva o povo português do direito de decidir de forma soberana do seu futuro colectivo”, afirmou.

Michael Seufert, um dos mais novos deputados do CDS-PP, aproveitou os 41 anos do 25 de Abril para tentar cunhar uma nova senha à direita. Aos que acusavam a direita de trair Abril considerou “legitimo” perguntar-lhes: “Onde é que tu estavas quando Portugal foi conduzido à bancarrota?”

E seguiu na mesma linha. Depois de agradecer o “legado da democracia”, falou noutra “herança que bem dispensaria. A herança da dívida pública”. Que levou o deputado do CDS a desafiar os que se queixavam da troika e reclamavam “contra a austeridade” a responder com uma pergunta: “Não devia ter sido para isso que se fez o 25 de Abril.”

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