Precários satisfeitos por OE2017 responder a algumas reivindicações

ABIC e Precários Inflexíveis reconhecem que OE2017 inaugura o reconhecimento de direitos do precariado.

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Mural pintado em Abril de 2011 na zona ribeirinha de Lisboa contra a vinda da troika Nuno Ferreira Santos

Há uma década, o país foi surpreendido por um novo tipo de movimentos de representação de trabalhadores que procuravam responder à nova realidade social criada pelo desagregar dos vínculos laborais tradicionais. Era a resposta aos interesses de uma nova classe de trabalhadores, o precariado, e procuravam lutar pela defesa dos direitos dos trabalhadores precários. Hoje, as associações que representam os precários reconhecem que algumas das suas reivindicações estão pela primeira vez contempladas na proposta de Orçamento do Estado para 2017, com respostas que procuram enquadrar o trabalho precário.

Ao longo dos últimos dez anos, os movimentos de reivindicação integraram os movimentos sociais de contestação de rua e foram fazendo o seu caminho. Um caminho que passou pelo diálogo com os partidos da esquerda parlamentar e que permitiu que a agenda reivindicativa dos precários integrasse a mesa de negociações do Governo com o BE e o PCP para o OE2017.

Dos quatro grupos originais restam hoje dois: a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), que representa também os investigadores precários, e os Precários Inflexíveis. Este último assumiu-se formalmente como associação há cerca de três anos e assimilou no seu seio um outro grupo, o Fartos destes Recibos Verdes (Ferve). Já os Intermitentes do Espectáculo mudaram de natureza e evoluíram para o actual Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual.

Marco Marques, dirigente dos Precários Inflexíveis, reconhece em declarações ao PÚBLICO que parte da agenda reivindicativa dos trabalhadores precários está contemplada no Orçamento do Estado para 2017, actualmente em discussão.

"Ciclo de esperança"

"Pela primeira vez, vemos aberto um ciclo de esperança em relação a alterações do regime contributivo dos recibos verdes", afirma o dirigente dos Precários Inflexíveis.

Mas este representante dos trabalhadores precários lembra que há mais reivindicações que fazem para regularizar a sua situação laboral. A agenda de reivindicação contém assuntos como a revisão do regime contributivo da Segurança Social, a regularização dos falsos recibos verdes, o fim do recurso a estágios como emprego precário e a co-responsabilização das entidades contratantes, explica Marco Marques.

"Temos esperança de que alguma coisa vá mudar e batemo-nos por essa mudança", afirma o dirigente dos Precários Inflexíveis, admitindo mesmo que "há indicações de que alguma coisa vai mudar". E considera que em causa está "uma mudança de paradigma" entre uma visão da sociedade que "aceitava o desemprego e a expulsão de pessoas do país", em que não era possível o "diálogo dos precários com o poder" e a actual situação em que "há diálogo e capacidade do Governo de responder às exigências" dos trabalhadores precários.

Aquilo que Marco Marques caracteriza como uma mudança de paradigma é o resultado de um percurso de luta que o próprio explica ao PÚBLICO. "Nós apresentámos propostas e batemo-nos por elas", diz. E acrescenta: "Não nos reunimos com o Governo." O caminho foi mais tradicional – ou seja, antes do "actual ciclo político", realizaram o Fórum Precariedade e Desemprego, do qual resultou um documento aprovado em Maio de 2015 intitulado "Plano de Emergência de Combate à Precariedade e ao Desemprego".

Foi esse documento que foi "usado como forma de confrontação com os partidos políticos", explica Marco Marques.  "Reunimo-nos com todos, à excepção do PSD e do CDS, que se recusaram. Pensámos então que havia possibilidade de aceitação das nossas ideias pelo PS, BE e PCP", acrescenta. O texto continha o caderno reivindicativo que tem estado na base do trabalho entre os partidos da nova maioria parlamentar de esquerda.

É para cumprir

André Janeco, presidente da ABIC, congratula-se igualmente com as novidades que surgem no OE2017. "Valorizo todas as formas que possam contribuir para abrandar, travar e fazer recuar a precariedade. São bem-vindas", afirma.

Não deixa, contudo, de manifestar as suas reservas quanto aos frutos que as mudanças orçamentais trazem no âmbito do trabalho precário no domínio da investigação. E declara: "Em relação aos bolseiros há uma preocupação que mantemos, há dúvidas sobre a execução do OE2016, já que a Fundação para Ciência e Tecnologia ainda não abriu os concursos de 2016."

O presidente da ABIC explica que "há atribuição de dinheiros de 2016 que está atirada para a frente" e admite mesmo que "alguns desses dinheiros não vão ser executados". Por isso, André Janeco insiste em que "primeiro é preciso fazer a avaliação da execução de OE2016", já que "um OE pode ser muito bonito, mas tem de ser executado".

No que se refere à situação dos bolseiros, André Janeco salienta o decreto-lei aprovado pelo Governo e já em vigor que enquadra contratualmente os bolseiros e que foi chamado para apreciação parlamentar pelas bancadas do BE e do PCP.

Nessa lei, o Governo "substitui os investigadores da Fundação para a Ciência e a Tecnologia por outras situações de contratação, mas apenas para doutorados há mais de três anos". Lamentando que o passo dado pelo Governo neste domínio seja limitado, André Janeco congratula-se "pelo facto de a lei introduzir uma situação de passagem de bolsas a contratos" e conclui: "Satisfaz as nossas reivindicações de forma limitada, mas cria a novidade do mecanismo com obrigatoriedade." 

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