Queda de Governo não mereceu muitas primeiras páginas na Europa

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PÚBLICO/Arquivo

A queda do Executivo português não chegou a muitas primeiras páginas na imprensa europeia mas uma leitura aos jornais ingleses, alemães, franceses e espanhóis permite encontrar muitos adjectivos para noticiar a sessão de terça-feira no Parlamento, em que uma moção de rejeição do programa do Governo PSD/CDS votada favoravelmente pelos partidos de esquerda o transformou no Governo mais curto de sempre. Uma sessão "sem precedentes", "histórica" ou "improvável coligação" foram apenas alguns desses adjectivos.

"O moderado Partido Socialista, de centro-esquerda, formou uma aliança sem precedentes com o mais pequeno Partido Comunista e o radical Bloco de Esquerda, ligado ao partido anti-austeridade da Grécia, Syriza, e usaram um voto parlamentar sobre políticas para forçar o Governo a demitir-se na terça-feira", lê-se no britânico Guardian. Porém, ao contrário da Grécia, onde o Syriza é o principal partido do Governo, sublinha o diário, os comunistas e os bloquistas só despenharão um papel de apoio.

O Daily Telegraph considera esta aliança "histórica" e antevê um confronto com a União Europeia, porque a posição anti-austeridade dos partidos de esquerda levou a prometer reverter algumas das políticas do Governo de centro-direita de Passos Coelho e de Paulo Portas (ligação PSD/CDS). "Apesar de ter formalmente saído do programa de assistência, a economia mantém-se sobrecarregada com a maior dívida na Europa. Os seus antigos credores em Bruxelas e o FMI avisaram que o país precisa de continuar um programa rígido de cortes da despesa e aumento de impostos para tapar o buraco nas suas finanças públicas", refere o diário. Caso o Presidente da República portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, seja "forçado a fazer uma inversão de marcha dramática" e indigitar o líder do PS, António Costa, para primeiro-ministro, acrescenta: "Portugal juntar-se-ia à Grécia e tornar-se-ia na segunda economia do sul da zona euro com forças da extrema-esquerda no poder".

O Daily Mail noticia na sua página de Internet que a "aliança inesperada" da esquerda prometeu aliviar a austeridade. "A queda do Governo foi uma derrota política para a estratégia de austeridade da zona euro de 19 países, que exigiu reformas económicas a Portugal após o resgate, que foram reflectidas nas políticas rejeitadas", afirma.

O The Times destaca o papel de Catarina Martins, do BE, que está prestes a desempenhar um papel de protagonista no poder em Portugal, depois de uma carreira de actriz.  A deputada bloquista "formou uma aliança surpresa com os partidos socialista e comunista para afastar o Governo conservador interino de Pedro Passos Coelho, que só ficou no poder 11 dias". O jornal também refere os receios manifestados de que a recuperação económica portuguesa seja posta em causa "e alguns receiam que possa ir pelo mesmo caminho que a Grécia, que precisou de três resgates desde 2010".

Na edição impressa do Financial Times, este cenário é negado por Mário Centeno, o economista que contribuiu para o programa eleitoral do PS e considerado o mais forte candidato a ministro das Finanças.  "Vamos ficar no caminho da consolidação fiscal. Não é a direcção que combatemos, mas a velocidade", vincou, em entrevista ao diário financeiro britânico.

Na imprensa alemã, as primeiras páginas foram reservadas maioritariamente às notícias sobre a morte do antigo chanceler alemão Helmut Schmidt, mas a queda da coligação CDS/PP foi amplamente noticiada

O Die Welt publicou um artigo intitulado "Oposição de esquerda derruba Governo português de centro-direita". O texto, sem chamada de capa, é ilustrado com uma foto do aperto de mão entre Costa e Passos Coelho, após a votação da moção no Parlamento português, que contou com um acordo de incidência parlamentar entre PS, PCP e BE.

O diário Bild, o jornal com maior circulação na Alemanha, destaca na primeira página "o derrube" do Governo português, escrevendo que "a oposição de partidos de esquerda derrubou o Governo de centro-direita de Passos Coelho através de uma moção de censura". O matutino faz ainda referência à "resistência contra os planos de poupança" como a razão do voto no parlamento nacional.

"Governo português derrubado depois de 11 dias" é o destaque de capa do jornal Frankfurter Allgemein. Este jornal diário refere que o futuro do Governo português está nas mãos do Presidente da República, escrevendo que "Aníbal Cavaco Silva tem de decidir se indigita o líder do PS, António Costa, para primeiro-ministro ou se Passos permanece no cargo até novas eleições". E refere ainda que as novas eleições podem acontecer no início do Verão de 2016.

A imprensa espanhola optou por dar pouco espaço nas capas à queda do Governo em Portugal, preferindo destacar o tema "quente" em Espanha, o processo de independência na Catalunha, e as exigências britânicas para permanecer na União Europeia.

O jornal El País coloca um pequeno destaque na primeira página, titulando "Esquerda portuguesa acaba com o Governo conservador". Na página cinco, o correspondente do jornal em Lisboa descreve o debate de terça-feira no Parlamento português e realça a promessa dos socialistas de "cumprirem as metas orçamentais", que interpreta como um compromisso em relação às políticas europeias.

O El Mundo escreve sobre a situação política em Portugal na página 18 (sem destaque de capa), salientando que o discurso do líder socialista, António Costa, no Parlamento "foi intenso e marcou um momento decisivo na história política de Portugal", uma vez que pode ser a primeira vez que o país tem "um Governo apoiado pelos quatro partidos da Esquerda" (PS, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes).

Já o ABC, conotado com a direita, titula "A esquerda radical derruba Passos num pacto anti-austeridade". O jornal fala na "incerteza" que se segue – em antecipação a uma decisão do Presidente da República, Cavaco Silva – e escreve que "o momento decisivo que se vive em Portugal pede 'a gritos' a rápida designação de um primeiro-ministro". O mesmo correspondente do ABC em Lisboa salienta que "Portugal entra numa era de instabilidade" e sublinha que "o pacto [entre o PS e os partidos à sua esquerda] apenas contempla um mínimo quanto a orçamentos e que, a qualquer momento, [o BE e o PCP] poderiam voltar às andanças anti-europeias".

Outro jornal associado ainda mais à direita, o La Razón, puxa o tema para capa, com um título no mesmo estilo do ABC: "A aliança radical de esquerda derruba o Governo de Passos Coelho".

Na imprensa económica, o Expansión adianta que os mercados de valores "estão expostos à mudança de Governo em Portugal", enquanto o El Economista salienta em capa que "Os grupos de esquerdas derrubam Governo de Portugal com apenas 11 dias". O jornal escreve que a esquerda portuguesa "quer gastar mais e travar privatizações".

Feriado em França, vários jornais não chegaram aos quiosques e dos que chegaram apenas o Le Figaro publica uma breve notícia sobre Portugal, na página 6, escrita pelo correspondente em Madrid e intitulada "Portugal: A esquerda faz cair o Governo de direita". "Unidos pela primeira vez em 40 anos de democracia, os partidos da esquerda querem acabar com a política de austeridade", escreve o jornal, especificando que "os três partidos da esquerda portuguesa associaram as suas vozes na terça-feira para derrubar o Governo conservador de Pedro Passos Coelho, dez dias após o primeiro-ministro ter tomado posse".

O diário explica que "se a união da esquerda pode parecer natural aos olhos de um observador estrangeiro, é algo histórico em Portugal", adiantando que "há 40 anos os comunistas recusavam transigir ao misturar a sua voz com a dos socialistas, considerados demasiado centristas" e que "o partido vencedor das eleições legislativas sempre conseguiu governar em Portugal, por vezes em minoria".

Quanto ao Le Parisien, a edição impressa não publica artigos sobre a situação política em Portugal, mas na página internet do diário pode encontrar-se um artigo intitulado "Portugal: o Governo de direita aguentou-se menos de duas semanas", em que se lê que o executivo de Pedro Passos Coelho "entra para a história como o mais efémero de Portugal" e que "a aliança [de esquerda] é inédita em 40 anos de democracia" no país. O jornal refere que António Costa "garantiu várias vezes que o apoio da esquerda antiliberal, muito crítica quanto à União Europeia e às regras orçamentais, não vai colocar em causa o respeito pelos compromissos internacionais de Portugal".

Também a edição impressa do Libération não publica textos sobre a queda do Governo em Portugal, mas a edição online contempla o artigo "Portugal: Unida, a esquerda provoca a queda do Governo de direita". "A direita clama vitória mas poderá governar? – perguntava o Libération a 5 de Outubro, após a vitória dos conservadores nas eleições legislativas em Portugal. A resposta surgiu esta terça-feira: não. O conjunto da esquerda portuguesa, maioritária no Parlamento, votou uma moção que rejeita o programa do Governo de direita, provocando a sua demissão apenas 11 dias depois da sua entrada em funções", descreve o jornal.

O económico Les Echos não chegou aos quiosques esta manhã, mas a edição online também publica um artigo intitulado "Portugal: Queda do Governo de direita", assinado pelo correspondente em Madrid, que escreve que "o Governo de Pedro Passos Coelho durou 11 dias, o mandato mais curto da história democrática portuguesa".

"Ainda que o PS tenha sempre afirmado que respeitaria os compromissos orçamentais europeus de Portugal, os mercados estão preocupados com a chegada da esquerda ao poder. A direita rapidamente agitou, na terça-feira, o espectro de um novo resgate do país em caso de recuo do rigor", continua o artigo, descrevendo que "os analistas do Commerzbank estimam que são prováveis eleições antecipadas em 2016".

O vespertino Le Monde publica na edição online uma entrevista a Fernando Rosas, "um dos ideólogos do Bloco de Esquerda", e um artigo intitulado "Em Portugal, a esquerda provoca a queda do Governo e quer 'virar a página da austeridade'", avançando que "uma tal aliança é inédita em Portugal, onde socialistas e comunistas se guerreiam desde o fim da ditadura". Fernando Rosas afirma que "era preciso aproveitar esta oportunidade histórica da esquerda", sublinhando que "o acordo não é um programa do Bloco de Esquerda" mas que houve "compromissos" e que "será um Governo socialista" no qual os bloquistas não vão participar.

Questionado sobre a renúncia a uma renegociação da dívida e a uma mudança dos tratados orçamentais europeus, Fernando Rosas responde: "Não renunciámos, mas também não fizemos disso uma condição para negociar o programa, é verdade. Está previsto, no entanto, que haja uma comissão para debater a dívida. E vamos continuar a lutar pela melhoria das regras dos tratados".

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