Portas rejeita utopias, Albuquerque mantém aperto das contas e Costa adia promessas

Governo insiste que "Portugal não é a Grécia". Costa diz que a estratégia nacional não pode ser feita ao arrepio da europeia.

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Daniel Rocha

Com uma escassa diferença de horas, a plateia ouviu dois retratos dissonantes do mesmo país, da mesma Europa, do mesmo momento político. Paulo Portas, vice-primeiro-ministro, escolheu o palco da conferência Lisbon Summit, organizada pela revista The Economist num hotel em Cascais, para fazer o balanço da governação, distanciar Portugal da Grécia e traçar uma linha entre o “pragmatismo” e a “utopia”.

Os gestores, economistas e empresários que tinham ouvido Portas fazer um contraponto com as posições de Atenas ouviram, depois, o secretário-geral do PS reclamar que o Governo português altere a sua política europeia e abandone o “radicalismo ideológico”.

Portas começou por fazer alusões implícitas à Grécia. “A acção política é uma escolha entre alternativas viáveis e uma lide permanente com o realismo e com a realidade. Não acho desejável para o bom governo das nações que a acção política seja baseada na utopia”, alfinetou, defendendo que há “grande diferença” entre o tempo em que Portugal ia de “mão estendida aos credores” e o tempo em que lida com eles “de cabeça erguida”.

Depois, vieram as farpas. E as comparações continuaram. Numa clara alusão à semântica usada pelo Governo grego para falar do fim da troika, Portas chegou a referir-se ironicamente às “instituições formalmente conhecidas como troika”. Mais tarde, numa conversa descontraída com John Andrews, editor da The Economist, lembraria que sempre criticou o “excesso de poder” dos “burocratas” da missão externa. Foi aí, entre perguntas e respostas, que a Grécia veio à mesa de forma explícita. “Portugal não é a Grécia. São situações diferentes”, insistiu o vice-primeiro-ministro, exemplificando com o facto de Portugal ter tido apenas um resgate e de já ir ao mercado financiar-se.

Sobre as negociações entre a Grécia e a zona euro, Portas rejeitou a ideia de o Governo estar a isolar aquele parceiro da moeda única. O seu lugar é na zona euro, afirmou, garantindo que Portugal foi parte do consenso que resultou no acordo no Eurogrupo. E dizendo estar a defender os interesses de Portugal, ironizou: “Não sou grego, não sou alemão, sou português e europeu”. A ouvi-lo estava a ministra das Finanças que, à saída, falaria sobre a Grécia, dizendo que o seu compromisso é “manter o caminho das reformas com algum ajustamento que é sempre possível obter dentro dos programas. Não vou comentar medidas específicas.”

Na conferência, Maria Luís Albuquerque continuou o discurso de Portas. Defendeu a estratégia do Governo durante o período da troika, dizendo que se cumpriram as medidas para receber financiamento. E reafirmou a necessidade de assegurar o controlo orçamental nos próximos anos.

Sem nomear o destinatário das críticas, a ministra falou do “sistema político” para acusar de falta de responsabilidade quem governou sem conseguir evitar que Portugal recorresse a três programas externos em “40 anos de democracia”.

À espera da UE
Se Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque fizeram um balanço positivo dos últimos anos, António Costa usou da palavra no Lisbon Summit para contrapor a necessidade de uma “agenda para a década” que promova o crescimento, o emprego, a confiança. “Temos que olhar menos para os cem dias e mais para o trabalho de fundo que há a fazer. E um dos principais problemas é que temos de romper as tentações das últimas legislaturas de achar que com um choque fiscal, um choque tecnológico ou de empobrecimento se resolve os problemas estruturais”.

O desenho de uma estratégia nacional, defendeu Costa, não pode ser feita ao arrepio da europeia, nem basear-se numa só solução. O exemplo foi dado com os olhos postos na UE, mas servirá como uma explicação indirecta para as escusas do líder do PS de fazer promessas concretas. “Como se tem visto nas últimas duas semanas, é um erro definir uma estratégia nacional que ignore a incerteza negocial e se bloqueie numa e só numa solução”, defendeu o líder socialista.

“Numa União a 28, não é possível prometer um resultado que depende de negociações com várias instituições, múltiplos governos, de orientações diversas”, afirmou Costa, rejeitando que os “desequilíbrios” da zona euro “possam ser resolvidos unicamente do lado dos países deficitários”. O secretário-geral socialista defendeu que as negociações entre a Grécia e os parceiros europeus sejam uma oportunidade para a Europa alterar o rumo dos últimos anos. “As eleições na Grécia são mesmo um bom sinal do que é necessário mudar na política europeia para evitar que multipliquemos esta fragilização no conjunto do sistema político.”

Quem convoca todos os europeus a participarem numa solução para a Europa é o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, que nesta terça-feira se mostrou preocupado com a crise de confiança que a Europa atravessa. No final da sessão de doutoramento Honoris Causa na Universidade do Porto, Sampaio defendeu que a União Europeia precisa de encontrar soluções para dar resposta ao “colete-de-forças” em que se encontra, de forma a “crescer económica e socialmente, mantendo a Europa  com o sentido que ela sempre teve desde a sua fundação”.  com Margarida Gomes

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