Por quem os sinos votam

Isto de estar morto tem muitos inconvenientes. Um deles é não se poder votar. É uma chatice. Dizem que o direito a votar é universal, coisa que não é bem verdade. Quem está morto não pode votar. E isto não é uma lei eleitoral, é a lei da vida. A não ser que seja um “eleitor-fantasma”.

Os jornais desta semana davam conta da história de dois mortos, um de Famalicão e outro de Guimarães, que passaram a ter as quotas em dia e ficaram habilitados a votar como militantes do Partido Socialista. Imagino que os mortos gostassem muito de discutir política e que talvez um fosse apoiante de António Costa e o outro de António José Seguro. A rivalidade deveria ser tanta que os dois militantes do PS resolveram pagar as quotas para poderem votar, a 6 de Setembro, nas eleições para escolher o líder da distrital de Braga. Nestas eleições, que são uma espécie de primárias antes das primárias, concorrem Maria José Gonçalves, próxima de Seguro, e Joaquim Barreto, apoiante de Costa.

Os incrédulos dirão que esta história é mentira, porque os mortos não discutem política. Terão com certeza alguma razão. Até podemos admitir que os mortos não terão grande interesse em discutir as eleições no PS. Só que então alguém também terá de admitir que os mortos não podem ter as quotas em dia.

A história é surreal e foi denunciada esta semana por António Ramalho, que faz parte da Comissão Organizadora do Congresso Federativo do PS-Braga. E conta que foram detectadas várias outras situações de irregularidades nos cadernos eleitorais nesta estrutura federativa. No espaço de pouco tempo, cerca de 40% ou 2200 militantes regularizaram as suas quotas. Além dos ditos militantes que já faleceram, também há relatos de militantes do concelho de Amares que se encontravam acamados e que algum cacique se terá abeirado deles e dito: ‘levanta-te e anda… e já agora aproveita e vai votar’.

Há uns quantos que receberam cartas em casa a afirmar que tinham as quotas em dia, apesar de os próprios nunca terem gasto um tostão para regularizar a sua militância. Apesar dos apelos para que as eleições fossem adiadas, o actual líder da distrital de Braga desvalorizou as denúncias, dizendo que “nesta fase não há que mostrar preocupação excessiva. A seu tempo analisaremos os factos”. O meu receio é que esse tempo não chegue ou que demore tanto tempo que quando chegar já será irrelevante, judicialmente e politicamente. Até porque a direcção nacional do partido já invocou o sigilo bancário.

Confrontada com a existência de dois cidadãos mortos dados como "aptos a votar" nos cadernos eleitorais provisórios, um dos candidatos às eleições (Maria José Gonçalves) ensaiava uma justificação: "Há dez anos que não havia dois candidatos para este cargo. É normal que haja mais militantes a participarem e que as candidaturas também se mobilizem. É natural".

Não, não é natural que os mortos se mobilizem. A serem verdadeiras as denúncias, ou estamos perante um milagre da ressurreição ou perante um caso de falsificação e fraude eleitoral.

Estabilidade no emprego aos 70 anos

Imaginemos que alguém chega a casa eufórico a gritar: “Consegui entrar nos quadros!”. Pensaríamos nós que se trataria de um jovem ou de um estagiário que deixou de estar a recibos verdes ou que deixou de pular de contrato em contrato para passar a fazer parte dos quadros de uma empresa. Não. Trata-se tão-só de alguém com 70 anos e com 25 anos de serviço a contrato e que esta semana soube que passará a integrar os quadros do Ministério da Educação. Isto numa altura em que a lei já o obriga a reformar-se.

Sendo este um caso verdadeiro, é uma autêntica caricatura do que se passou com os professores contratados nos últimos anos. O Ministério da Educação anunciou esta semana os resultados do processo de vinculação extraordinária de educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário. A este concurso tinham concorrido 26.573 docentes, mas só 1954 conseguiram lugares.

Os que conseguiram entrar no quadro têm, em média, 14 anos de serviço a contrato. O que já é um exagero. Mas há casos de docentes que já estão há 30 anos (três quartos da sua carreira contributiva) a dar aulas sem um vínculo estável à função pública. O que já não é um exagero, é uma vergonha.

Bruxelas avisou Portugal várias vezes para o facto de o país estar a violar uma directiva de 1999 sobre contratos a termo, discriminando os professores contratados. Estamos a falar de professores que, ano após ano, exercem tarefas que correspondem a necessidades permanentes das escolas, mas que, ano após ano, são contratados de forma precária.

Nuno Crato já prometeu para 2015 uma norma-travão que vai implicar que um professor ingresse nos quadros se for contratado mais do que cinco anos, com horário completo e anual. Cá estaremos para ver. Até lá, só nos resta partilhar a alegria de quem aos 70 anos conseguiu, nem que seja por alguns breves dias, ter alguma estabilidade no emprego.

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