Por que não há políticos gays?

Nenhum político revelou até hoje a sua homossexualidade porque ele acha que isso vai afectar a sua vida pública.

O livro de José António Saraiva tem sido justamente criticado por inúmeros motivos, entre os quais a promoção do outing. Como é evidente — e deixem-me desde já sublinhar isto para que não restem dúvidas na cabeça de ninguém —, revelar as preferências sexuais de quem quer que seja compete exclusivamente ao próprio, a não ser em casos de contradição chocante entre aquilo que se diz e aquilo que se pratica. Se eu tivesse um discurso público homofóbico e depois fosse apanhado a frequentar saunas gay no Bairro Alto, aí seria admissível que a minha homossexualidade fosse revelada — fora disso, não. E este “fora” inclui ser gay e estar contra o casamento de homossexuais, ou ser gay e estar contra a adopção de crianças por casais homossexuais. Nada obriga um gay a ter de lutar pelos chamados direitos dos gays. Donde, nada disso justifica um outing.

Tal não significa, contudo, que não mereça ser discutido uma característica bizarra da vida política portuguesa: a ausência quase total de homossexuais assumidos. Aliás, o “quase” só aqui está por simpatia. É verdade que Alexandre Quintanilha foi eleito nas listas do PS nas últimas legislativas, tal como em 2009 já havia acontecido com Miguel Vale de Almeida. Mas em ambos os casos estamos a falar de intelectuais destacados entre a comunidade LGBT muito antes de terem sido eleitos — são, digamos assim, gays que decidiram ser políticos, e não políticos gays. O caso de Vale de Almeida é exemplar, porque renunciou ao mandato de deputado (mal, a meu ver) pouco mais de um ano após ter sido eleito, argumentando que a “tarefa” que o tinha levado ao Parlamento — a aprovação do casamento gay e da lei de identidade de género – estava “cumprida”.

Fora disso, o vazio é total. Dir-me-ão: mas alguém tem de ser obrigado a declarar se é homossexual, heterossexual ou bissexual? Claro que não. Só que a questão é outra — é que ninguém revela. Ninguém. Não é o Pedro, o Joaquim ou a Maria que não falam disso porque são particularmente ciosos da sua privacidade. São todos. E é por serem todos que eu considero uma mentira descarada o argumento de que nenhum político revelou até hoje a sua homossexualidade porque isso diz respeito à sua vida privada. É o oposto: nenhum político revelou até hoje a sua homossexualidade porque ele acha que isso vai afectar a sua vida pública. No Portugal de 2016, os políticos gays não assumem as suas preferências sexuais com medo de que sair do armário à vista de todos prejudique a ascensão no partido ou tenha um impacto significativo na sua popularidade. E dá-se este absurdo: hoje em dia, Portugal faz parte dos países mais progressistas em termos da legislação que reconhece os direitos dos gays, ao mesmo tempo que é dos países mais retrógrados no número de políticos gays que reconhecem que o são.

Não podendo ser um acidente estatístico, então este silêncio só pode ser uma questão social e cultural — sair do armário continua a ser um passo difícil de dar em Portugal. As leis mudaram mais depressa do que as mentalidades. E é precisamente por isso que políticos e deputados, pelos cargos que ocupam, deveriam contribuir para a mudança não só através de leis, mas do seu próprio exemplo. Um dia, quero acreditar, saber se alguém é gay será tão natural como perguntarem-me quantos filhos tenho. Mas enquanto for difícil assumir, é importante que alguém assuma. Se os gays portugueses seguissem o exemplo dos seus políticos, ainda estavam todos fechados no armário.     

Jornalista

jmtavares@outlook.com

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