Pelos novos 1º de Maio

Nada impede que a rua possa continuar a ser o lugar simbólico de celebração colectiva de quem defende e luta por direitos.

Comemorou-se no domingo mais um 1.º de Maio, uma data que celebra o Dia do Trabalhador e que simboliza e homenageia a luta pela conquista dos direitos laborais. Para muitos, esta celebração não faz sentido e está imbuída de saudosismo do PREC, passadista e desfasado, sem sentido num mundo novo, em que o trabalho mudou radicalmente. Mas o que é facto é que nesse mundo novo continua a ser uma questão central na política, na cidadania, na democracia a necessidade maior de reconhecer e de regular os direitos das pessoas, todos eles, incluindo os laborais.

É para essa prioridade que alerta o magnífico texto da autoria do ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, publicado no PÚBLICO simbolicamente no dia 25 de Abril e que assinala os 40 anos da Constituição e problematizava não tanto a actualidade da lei fundamental portuguesa, mas, sobretudo, a sua capacidade de responder às questões e às solicitações que se colocam hoje em dia em relação à resposta às reais necessidades das pessoas num mundo globalizado, que não comporta o perfil soberanista e nacional dos textos constitucionais. Esta questão era, aliás, no mesmo dia e também no PÚBLICO abordada pelo constitucionalista Joaquim Gomes Canotilho, em entrevista, que alertava igualmente para a necessidade de os legisladores e os responsáveis pela defesa do Estado de Direito estarem atentos às imposições da modernidade e às novas formas como a transnacionalidade se impõe no quotidiano. E apontava o exemplo do novo Direito Administrativo alemão.

É evidente que a defesa de direitos humanos, quer sejam os constitucionalmente reconhecidos em Portugal como fundamentais, quer sejam todos os outros. Isto é, direitos de primeira geração (políticos), os de segunda geração (económicos e sociais) quer os de terceira geração (individuais) é eficazmente defendida pela Constituição e pelos tribunais, por maioria de razão pelo Tribunal Constitucional. Isso mesmo ficou patente na última legislatura perante as medidas do Governo liderado por Passos Coelho que embatiam na teia da Constituição.

Por outro lado, não pode ser desmentido que parte dessa transição está já em curso, no que é a defesa e a salvaguarda dos direitos individuais ou dos direitos de identidade ou dos direitos de personalidade. E muito desse caminho está a ser feito de forma tão solidificada na sociedade que é possível viver situações que nos surpreendem pelo avanço que significam. Como é o caso da polémica sobre o Colégio Militar em que foi possível assistir à demissão de um responsável máximo pelo Exército sem que socialmente fosse perceptível grande comoção ou simpatia com a posição deste militar. Ouviram-se protestos de uma elite mais conservadora e respeitadora da hierarquia militar, mas não foi visível, quer no mainstream político e institucional, quer ao nível da sociedade, qualquer complacência ou conivência com a discriminação com base na orientação sexual que foi exposta neste caso. Uma nova atitude social difícil de se ter verificado há cinco anos e impossível há dez.

Mas também é verdade que as novas formas de desenvolvimento e de organização da sociedade e da economia criam novas realidades de vida que surpreendem o que é o quotidiano dos cidadãos comuns. E que essas novas realidades exigem respostas novas que estão foram do radar do que é a capacidade de prevenção do Direito actual e da própria capacidade de resposta política de elaborar e aprovar leis que satisfação às necessidades das pessoas.

Por que novas formas de regulação social passará a defesa dos direitos das pessoas numa sociedade em acelerada destruturação das instituições tradicionais, que estão em liquefacção, na feliz conceptualização de Zygmunt Bauman? Essa parece ser a pergunta cuja resposta só o futuro trará. Agora uma coisa parece certa: por muito que a modernidade traga novas realidades sociais, novas formas de relacionamento entre as pessoas, novas estruturas de representação, a defesa dos direitos e a celebração dessa defesa continuará a ser uma realidade. Incluindo até a defesa dos novos direitos que hoje ainda nem sequer são equacionados.

E ainda que a rua venha a perder significado como forma de luta no futuro, nada impede que ela possa continuar a ser o lugar simbólico de celebração colectiva de quem defende e luta por direitos. Mesmo quando surgirem novas formas de luta e novas causas para lutar, a defesa dos direitos das pessoas continuará a essência da política, logo a essência da vida em sociedade. Porque a sociedade é feita por pessoas e a política é feita por e para as pessoas. Daí que celebrar o 1.º de Maio - não sendo, como é evidente, o mesmo que o desenrolar das lutas que ele simboliza – é uma forma de proclamar essa capacidade, essa vontade, essa maturidade cívica de reivindicar direitos, isto, é de lutar pelo respeito da dignidade das pessoas.

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