Pedirei demissão dos meus cargos directivos no PS, se o partido não viabilizar comissão de inquérito

José Maria Costa, autarca de Viana do Castelo, vai exigir do Governo um plano de industrialização e de fixação de empresas para Viana do Castelo, com 70 milhões de euros de incentivos, caso os tribunais não travem a subconcessão dos Estaleiros à Martifer.

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Nelson Garrido

O autarca e dirigente nacional do PS José Maria Costa, que acusa o actual Governo de ter cometido o "erro mais decisivo" nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, não poupa o seu próprio partido. Exorta-o a “defender a verdade” por “obrigação moral", confessa que tem "andado muito só", mas não pensa sair do PS.

Que administradores considera terem feito um bom trabalho nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC)?
Tivemos bons administradores nos ENVC, alguns deles quiseram fazer trabalho mas não foram apoiados. Recordo uma pessoa que está no coração dos vianenses e dos trabalhadores dos estaleiros que é o engenheiro Duarte Silva. Mas tivemos grandes pessoas como os engenheiros Óscar Mota e Carlos Pimpão. 

Esta administração em particular é uma administração de boys, do PS ao PSD. Estão há dois anos e meio provavelmente a jogar às cartas como os trabalhadores. Está tudo dito. Alguns nunca viram um navio na vida.

Quando se apercebeu que os ENVC estavam a afundar-se?
Desde que fui eleito presidente da autarquia em 2009. Posso mostrar a correspondência dos contactos contínuos que fiz, quer com o Governo anterior, na pessoa do secretário de Estado Marcos Perestrelo quer com este novo Governo. Tenho a consciência tranquila de que lutei até à exaustão para o processo fosse bem tratado.

Qual foi o erro mais decisivo para a actual situação? Foi a rejeição do navio Atlântida pelos Açores, como defende a Empordef?
O erro mais decisivo foi a decisão deste Governo [subconcessionar]. O caso do Atlântida é mais um episódio de vários.

Havia sinergias entre os estaleiros galegos e Viana que nunca foram exploradas?
Naturalmente que sim. A especialização na construção de navios militares é mais uma oportunidade perdida.

Tem um plano pós-subconcessão para amortecer o salto do desemprego que vai haver na região?
Se o Governo continuar neste processo de se afundar no lodo da subconcessão, fica em dívida para com o Alto Minho e o que vou exigir é que seja lançado um plano especial de industrialização e de fixação de empresas para Viana do Castelo.

Vou pedir o que os trabalhadores dos estaleiros têm pedido. É trabalho e o trabalho faz-se com empresas e faz-se com a canalização prioritária de uma linha de fundos para Viana. Um plano especial de atractividade económica de apoio ao empreendedorismo, à internacionalização e à captação de investimento estrangeiro para Viana.

Vou pedir ao Governo que tenha um dossier, chamado “Indústria do Alto Minho”, debaixo do braço e por onde andarem os seus ministros, na promoção de Portugal lá fora, o primeiro lugar que apresentem seja Viana do Castelo para a captação de empresas, indústrias equipamentos hoteleiros, tudo isso. É o mínimo que se pode pedir. Quem delapida uma empresa e cria condições de insustentabilidade para 4000 postos de trabalho tem que criar rapidamente alternativas. Portanto, vou pedir empresas, trabalho e investimento.

Qual seria o montante para esse plano?
Temos agora o novo quadro comunitário de apoio. É importante que o Governo destine um envelope financeiro no montante de 70 milhões de euros para apoiar o Alto Minho. Eu estou a preparar um dossier nesta matéria.

Quer pormenorizar?
Para apoiar um sistema de incentivos à modernização das empresas locais, ao empreendedorismo empresarial e à inovação, apoios financeiros para estruturas de acolhimento empresarial, modernização do porto de mar de Viana e, por último, apoio à internacionalização das empresas do distrito.

Acredita no despedimento colectivo?
Essa é uma matéria muito sensível e não devo interferir na vontade dos trabalhadores.

Os ENVC compraram aço, depois venderam a preço de sucata à Martifer por menos de um milhão e depois voltam a comprar por 3,7 milhões de euros. O que tem a dizer sobre este caso?
É uma das coisas esquisitas, no pior sentido da palavra, que temos neste processo. Agora compete às entidades com competência na matéria investigar.

José Manuel Godinho foi o sucateiro que entrou no negócio?
Não sei quem é o sucateiro nem quero saber. Sei que foi vendido aço abaixo do valor como aço de sucata, que era classificado, que foi decapado e pintado para ser entregue a um sucateiro e que depois apareceu nos estaleiros da Nalvaria da Martifer.

O negócio dos asfalteiros foi feito Estado a Estado. Agora o Estado português está a convencer a Venezuela a transferi-lo para um privado. O que tem a dizer sobre isto?
Aí está a demonstração da forma como a coisa pública é gerida neste país. É gerida ao desbarato. Duvido que o senhor ministro gira o seu gabinete desta maneira senão já tinha ido à falência há muito tempo.

Foi anunciada uma acção popular acompanhada de uma providência cautelar [a ser entregue esta segunda-feira] que visa a suspensão do procedimento concursal dos estaleiros. Qual é a posição da Câmara?
Estamos disponíveis para pagar todos os custos desse procedimento. É preciso pagar um advogado, é preciso pagar as custas. Essa é a nossa função. Está ferido de morte por estar viciado, ser pouco transparente e conter ilegalidades processuais e administrativas. Foi tão mal conduzido por parte deste Governo que qualquer aluno do terceiro ano de Direito faria uma providência cautelar para impugnar a miserável condução que teve.

Foi um dos defensores de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar responsabilidades políticas e administrativas pela situação nos ENVC. No entanto, o seu partido, o PS, manifestou reservas à constituição dessa comissão, embora depois tenha corrigido o tiro …
Ficaria profundamente consternado se soubesse que, por omissão ou por inacção, o PS não viabilizasse uma comissão de inquérito a um caso como o dos estaleiros. O PS tem a obrigação moral de defender a verdade, mesmo que haja verdades incómodas, porque precisamos de actores na vida pública que sejam actores credibilizados. O país está cansado dos chamados rodriguinhos dos corredores do poder, do faz de conta que anda e não anda. Espero sinceramente que o PS seja autêntico, porque se, por qualquer razão, a comissão de inquérito não avançar por falta de acção ou de omissão do PS, pedirei no mesmo dia a demissão de todos os meus cargos directivos do PS, porque não é este o PS em que acredito.

Não pretende deixar o PS?
Não, o PS é superior aos seus dirigentes. O PS tem alma, tem história e se houver alguma desconformidade naquilo que é o meu pensamento face à orientação do partido, não posso estar em lugares de responsabilidade política porque não estaria de bem com a minha consciência. Acredito que o PS vai estar à altura dos seus princípios fundadores da liberdade, da autenticidade e na defesa daquilo que são as causas do interesse público.

Defende uma comissão de inquérito porque considera que este é um caso de polícia, conforme afirmou?
Tem de se averiguar o que se passou nos estaleiros nestes dois últimos anos e meio. É preciso que seja avaliado neste processo que havia um plano de reestruturação em Maio de 2010, que foi abortado por este Governo, e que foi prometido ao país que ia haver uma outra opção que passava pela salvaguarda da empresa e do sector industrial de construção naval. Há actores, processos e coisas que se passaram que têm de ser avaliadas do ponto de vista jurídico e, também, do ponto de vista político por acção, por inacção, por omissão e até por conluio. Alguém tem de ser responsável por isto do ponto de vista político.

Qual é relação real do PS com este dossier? Tem sentido o apoio do seu partido?
O que lhe posso transmitir é que tenho andado muito só.

O ex-Presidente da República, Mário Soares, esteve em Viana no dia do seu aniversário, em Dezembro, para apoiar os trabalhadores dos ENVC. Não conseguiu mobilizar para esta causa o secretário-geral do PS?
Mobilizei aqueles que quiseram estar. Fiz um convite a todos os portugueses, a todas as entidades, e esteve quem acho que era importante estar.

O actual Presidente Cavaco Silva alguma vez lhe telefonou ou lhe falou dos ENVC?
Tive sempre o cuidado de manter o senhor Presidente da República a par das situações e das minhas preocupações.

Solicitou uma audiência ao primeiro-ministro, já obteve alguma resposta?
Continuamos à espera…

Como reparte as responsabilidades entre os vários governos que foram passando e nada fizeram para salvar os ENVC?
Há uma dança nas administrações públicas dos dois partidos [PS e PSD] agora com um terceiro que se tem vindo a afirmar progressivamente como uma entidade fortíssima nas administrações públicas [CDS]. O actual primeiro-ministro prometeu na campanha que todos aqueles que viessem a ocupar altos lugares do Estado seriam pessoas com forte currículo, que estariam disponíveis na Internet. Tenho procurado por alguns currículos, nomeadamente o do actual presidente da Empordef e vi-me grego, porque não consigo saber por onde é que ele passou…

Os governos do PS não estão imunes a responsabilidades no caso dos estaleiros?
Claro que não.

Concorda com o secretário-geral do PCP que diz que o processo dos estaleiros navais é “um caso escandaloso de verdadeira sabotagem económica contra o interesse nacional”?
Jerónimo de Sousa tem sido ultimamente uma das pessoas mais lúcidas deste país nesta matéria e noutras.

Na defesa dos ENVC já apelou ao DCIAP, ao Tribunal de Contas, à Provedoria de Justiça, à Polícia Judiciária. Que outros passos pode ainda dar? Admite ir a Bruxelas queixar-se à Comissão Europeia?
Este processo, independentemente do seu resultado, evidenciou na vida pública duas questões: que a gestão da coisa pública anda pelas ruas da amargura neste país, mas também evidenciou uma consciência nacional da importância de um sector da construção naval para a nossa estratégia de afirmação como país. Hoje, não há nenhum português de Norte a Sul de Leste a Oeste que não entenda que temos de ter construção naval e isto o Governo também já percebeu.

Já teve feedback da PGR relativamente às duas queixas que apresentou?
Estarão a seguir o seu curso. Mas o senhor primeiro-ministro com base nos dados subjectivos que já tem, no mínimo, por cautela, devia dar duas instruções: uma ao seu militante saltitante, Carlos Abreu Amorim, para em vez de dizer asneiras pela boca fora, como diz sobre os estaleiros, desse viabilidade à comissão parlamentar de inquérito e, em segundo lugar, devia suspender o processo até que se averiguasse se há matéria ou não de suspeição.

Se Viana do Castelo tivesse uma autoridade regional como Vigo e Ferrol têm com o Governo da Galiza, o desfecho teria sido diferente?
Sou regionalista, mas a questão não está no poder regional, a questão está na estatura moral e política dos actores. Alberto Feijó [presidente do Governo Regional da Galiza] é muito mais alto do que José Pedro Aguiar-Branco…

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