Este orçamento é “positivo” apesar dos impostos, mas as esquerdas querem melhorá-lo

BE diz que pressão da direita junto de Bruxelas piorou o orçamento, PEV criticou “travão enormíssimo” da Comissão. PS realça que é possível obter ganhos negociando com a Europa em vez de aceitar “acriticamente” imposições. PCP não revela sentido de voto.

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João Oliveira Paulo Pimenta

PCP e BE puxaram a brasa à sua sardinha: a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2016 tem “elementos positivos” que resultam da “intervenção” dos comunistas, disse João Oliveira; o Bloco foi “central na discussão” do documento, reivindicou Mariana Mortágua. Não será à toa que o PCP escolheu reagir no Parlamento antes mesmo de Mário Centeno fazer a apresentação pública do orçamento, e que o Bloco foi o primeiro a falar quando o ministro desapareceu das televisões.

Este marcar de posições dos dois partidos promete continuar na discussão do orçamento na especialidade. Tanto BE como PCP avisaram que apesar de tudo este "não é" o seu orçamento, que não desistem das suas bandeiras e que irão fazer propostas durante a discussão na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa. 

A proposta do Governo tem aprovação praticamente garantida apesar de o PCP insistir em manter António Costa alerta ao passo que o BE é mais comedido no aperto ao PS. Mariana Mortágua rejeita choques com os socialistas porque o Bloco "respeita o compromisso do Governo com Bruxelas", mas avisa que o partido vai apresentar "propostas honestas" que não ponham esse compromisso em causa. "Mas não nos peçam para não lutarmos pelas nossas bandeiras", adverte, acrescentando que as propostas bloquistas poderão aumentar um pouco a despesa, por um lado, mas também fazer subir a receita, por outro.

O líder parlamento comunista, João Oliveira, assumiu haver “distanciamento” e "preocupação" face a medidas como o aumento dos impostos sobre os combustíveis e a falta de resposta sobre a dívida, recusando-se a comprometer com qualquer sentido de voto.

Em declarações aos jornalistas no Parlamento, o líder da bancada comunista congratulou-se com algumas medidas que considerou serem a concretização do acordo entre o PCP e o PS. Entre elas está o alívio das restrições na contratação da Administração Pública, o fim das isenções de IMI para fundos imobiliários, o aumento da contribuição do sector bancário, medidas para uma mais “justa” tributação dos lucros, introdução de deduções fiscais por filhos e ascendentes no IRS, o alargamento da dedução das despesas de saúde e de educação no IRS, e a introdução da cláusula de salvaguarda do IMI.

João Oliveira salientou ainda como “elementos positivos” a reposição de salários na função pública, o descongelamento das pensões e o aumento das prestações sociais. Mas garantiu que a bancada irá “continuar a trabalhar” para conseguir outras medidas que não estão plasmadas no documento, como o congelamento do valor das propinas e a melhoria do subsídio social de desemprego.

O deputado disse não iludir “limitações e insuficiências” da proposta de OE. Entre elas está o aumento de impostos indirectos, “que recaem de forma mais generalizada sobre os portugueses”, nomeadamente sobre os combustíveis, a inexistência de resposta sobre a reestruturação da dívida, e a não consideração do aumento do valor real das pensões. “Este não é o orçamento do PCP”, disse o comunista, assumindo que estes são elementos que “marcam preocupações” e “distanciam” das opções.

Quanto à descida da TSU para os trabalhadores com salários até os 600 euros – que foi adiada até 2017 – João Oliveira lembrou que o PCP nunca acompanhou essa medida, preferindo a sua proposta de aumento do salário mínimo para 600 euros. O líder da bancada comunista aproveitou para reiterar a crítica ao “quadro de chantagem e ingerência exercido” pela União Europeia durante o processo orçamental.

Questionado sobre o sentido de voto do grupo parlamentar, João Oliveira admitiu haver um “conjunto de matérias que resultam da intervenção do PCP”. “Foi possível confirmar que são matérias que constam do OE, a apreciação integral é exigente e terá de ficar para mais à frente”, acrescentou.

Bloco e PEV criticam pressões de Bruxelas que pioraram orçamento
Não é o orçamento perfeito; é apenas o orçamento possível tendo em conta as pressões dos partidos da direita junto das instituições europeias, vieram dizer o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista Os Verdes na reacção ao documento. O PS preferiu conter a crítica afirmando que é possível obter “ganhos de causa negociando” nas instituições europeias mais do que “assumindo acriticamente” aquilo que estas pretendem impor.

“O orçamento que hoje foi entregue é pior do que a primeira versão entregue a Bruxelas. As pressões da Comissão Europeia, activamente auxiliadas pelos argumentos do PSD e do CDS em Portugal, pioraram este orçamento, prejudicaram o objectivo de repor rendimentos e tornaram a vida das pessoas mais difícil”, criticou a bloquista Mariana Mortágua em declarações aos jornalistas.

A deputada afirmou que se se pode dizer que há uma “excessiva carga de impostos – muito óbvia no caso dos combustíveis -, isso deve-se às pressões da Comissão e da direita, que não aceitaram a proposta de um orçamento que rompesse com a política de austeridade”.

Heloísa Apolónia seguiu o mesmo raciocínio de crítica à actuação de Bruxelas. A deputada ecologista lamentou o “travão enormíssimo” que representou a actuação da Comissão sobre o primeiro esboço do orçamento. Aquela instituição “trabalha muito para os números”. Ainda assim, Heloísa Apolónica considera que o documento do Governo socialista consegue dar um “sinal muito relevante no combate ao empobrecimento do país”. Mas há temas que os ecologistas querem explorar com o Governo, nomeadamente a mobilidade (em especial o sector ferroviário), a conservação da natureza e a educação.

PS seguro com o "equilíbrio de posições" com Bruxelas
Já o vice-presidente da bancada socialista, Pedro Delgado Alves, fugiu a criticar de forma tão directa as instituições europeias, mas lá foi dizendo que este processo negocial mostrou que “é possível, efectivamente, obter ganhos de causa negociando nas instituições europeias mais do que assumindo acriticamente” aquilo que elas pretendem impor. Daí que se tenha acabado por conseguir um “equilíbrio de posições” entre a comissão e o Governo português.

Sobre as alegadas pressões da oposição de que falou o Bloco, o deputado socialista disse que houve partidos políticos nacionais que “procuraram resolver em Bruxelas aquilo que os eleitores não lhes resolveram no plano nacional, tentando tornar o orçamento mais austeritário”.

Pedro Delgado Alves congratulou-se perante os jornalistas com o que chamou de “exercício orçamental responsável” por “acautelar crescimento, criação de emprego e repor prestações sociais”. É um orçamento que cumpre todos os compromissos internos e externos do PS e do país e baseia-se num cenário macro-económico “prudente”, descreveu o deputado. Que realçou as medidas para acelerar os fundos estruturais, o Simplex para estimular a competitividade da economia, a “equidade na distribuição da carga fiscal, a diminuição de impostos directos”, as “apostas” na saúde e educação.

O vice-presidente do grupo parlamentar socialista defendeu que esta proposta de orçamento “demonstra que é efectivamente possível uma política orçamental simultaneamente sustentável, empenhada na correcção dos problemas, que melhora os resultados do défice e da dívida, que não vira as costas à Constituição e é capaz de oferecer melhores políticas sociais”. Pedro Delgado Alves não tem dúvidas: “Este OE foi aprovado em Bruxelas e seguramente será também aprovado aqui na Assembleia da República”, rematou.

A discussão e votação na generalidade do Orçamento de Estado está marcada para os dias 22 e 23 de Fevereiro. Segue-se depois o debate na especialidade, em comissão, entre 24 de Fevereiro e 4 de Março. O documento regressa ao plenário para a votação final global a 16 de Março, seguindo depois para Belém, sendo já analisado pelo novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que toma posse a 9 de Março. Se todos os prazos forem cumpridos e se o Chefe de Estado decidir com alguma rapidez, o orçamento poderá entrar em vigor a 1 de Abril.

 

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