"O PS tenta esconder das pessoas os seus verdadeiros compromissos"

João Oliveira, líder parlamentar do PCP, defende em entrevista a saída do euro e perdão de parte da dívida canalizado para investimento.

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João Oliveira Nuno Ferreira Santos

O PCP organiza este sábado um encontro nacional em Loures onde são esperados cerca de 2000 comunistas para procurar “soluções para o país” e travar o “declínio nacional”, numa maratona de três dezenas de discursos. João Oliveira, líder da bancada parlamentar, quer que Portugal estude e prepare a saída do euro mas sem adiantar cenários ou prazos. Sobre uma convergência à esquerda compromete-se ainda menos e acusa o PS de “esconder” as suas políticas.

Qual é o objectivo do encontro de hoje? É o tiro de partida do PCP para as legislativas?
Este encontro tem uma perspectiva mais ampla e pretende reflectir sobre o caminho que Portugal tem seguido e aquele que é preciso seguir para lá das eleições. A batalha eleitoral para a Assembleia da República é um momento muito importante nesse percurso, mas não é o destino, o caminho não começa aí nem acaba aí. Queremos reflectir de forma alargada sobre a situação que o país atravessa nas suas várias dimensões, económica, social e política, e afirmar linhas de solução para os problemas.

Que soluções são essas?
Passam por uma política alternativa à que tem sido executada há décadas, com eixos de natureza económica, social, questões relacionadas com a produção nacional, com a recuperação dos sectores produtivos, a valorização de salários e de pensões, a defesa das funções públicas e sociais do Estado.

Esses argumentos não são novos no discurso do PCP. Vão apresentar propostas concretas?
As propostas concretas surgirão no programa eleitoral, trabalho que vamos fazer de forma tão alargada quanto possível. Com todos os que, não sendo comunistas, se afirmam numa perspectiva patriótica, de preocupação com o país e que estão disponíveis para as soluções que é preciso construir.

Isso é o PCP a abrir-se à sociedade e a contributos que não o dos militantes e simpatizantes?
Dificilmente se encontrará um partido que de forma tão aberta construa soluções políticas. O facto de integrarmos coligações eleitorais com outros partidos e milhares de independentes é um exemplo da forma aberta como nos posicionamos.

Que condições é preciso então construir?
Renegociar a dívida, romper os condicionamentos que nos são impostos pela União Europeia para encontrar uma resposta para a situação económica que parta da criação de emprego e o controlo público dos sectores estratégicos são aspectos essenciais.

É hoje em dia técnica e financeiramente exequível reverter o controlo público nesses sectores?
É tão mais exequível quanto se torna insustentável manter estes sectores nas mãos dos privados. O exemplo mais flagrante é a banca. Quando há uns meses apresentámos na AR uma proposta para recuperar o controlo público da banca não houve uma única intervenção contra esta proposta [mas acabou chumbada]. Isto só confirma que hoje em dia já ninguém se atreve a defender a gestão privada da banca, sobretudo perante os exemplos do que tem dado.

Isso pode significar que o cenário das nacionalizações de há 40 anos volta a fazer hoje sentido na cabeça de muita gente?
Muita gente percebe que, se continuássemos a ter um controlo público da banca, os episódios a que temos assistido com o BES, BPN, BPP, BCP dificilmente aconteceriam. Há um desconforto na sociedade portuguesa sobre a forma como funciona a banca.

O PCP defende ou não uma saída de Portugal do euro?
Nós defendemos que o país se deve preparar para isso. Defendemos que Portugal deve libertar-se dos condicionamentos do euro e que deve preparar-se para a saída do euro.

Isso é defender a saída. Para a preparar terá que desenhar cenários. Quais são?
Temos que fazer o levantamento, estudar todos os cenários que se podem colocar. Um cenário em que sejamos empurrados, outro em que decidimos sair, ou até numa saída negociada.

A preparação e a saída seriam em que horizonte temporal?
Depende do estudo que for feito e dos cenários.

O que poderia levar a UE a empurrar-nos para fora do euro?
Essa pergunta não sou eu quem pode responder; são as instituições da UE e os governos que a integram. Há dois anos houve governos que sugeriram a possibilidade de um conjunto de países do Sul poderem ser empurrados para fora do euro ou, em alternativa, que um grupo de países mais poderosos que saísse do euro e criasse uma moeda mais forte. Empurrarem-nos depende dos outros.

Voltávamos ao escudo?
Eu acrescento: que medidas se tomam sobre a circulação da moeda? E qual a moeda de referência para os depósitos bancários? E as taxas cambiais? É tudo isso que o PCP quer ver estudado. Há opiniões muito diversas, mas é preciso que o Estado português assuma a responsabilidade de estudar todos os cenários e todas as suas implicações.

Já que o Governo não parece estar disposto a isso, em que fase é que está o PCP? Na de colocar as perguntas?
Estamos a procurar fazer isso na dimensão da responsabilidade que temos e da preocupação que esta questão nos levanta. É o Estado que dispõe de todos os elementos para que esta reflexão seja feita de forma a encontrar as respostas.

Os restantes partidos no Parlamento defendem a finalização da construção da união monetária. Não receia assustar os eleitores?
Tem circulado na net uma intervenção que Carlos Carvalhas fez em 1999 numa interpelação ao Governo de Guterres sobre as consequências para Portugal da adesão à moeda única. E tem circulado precisamente pelo acerto da previsão que era feita há 16 anos. Todos diziam que estávamos a ser alarmistas, a criar problemas onde não existiam, que isto iria ser um futuro de progresso e desenvolvimento para o país. Independentemente dos custos políticos ou eleitorais, um partido com verdadeira noção da responsabilidade e da urgência dos problemas não pode deixar de levantar essas questões.

Os países mais fortes querem mesmo que alguém saia do euro? Tiveram uma oportunidade com a Grécia e não a deixaram cair…
Depende da situação em que se encontrarem alguns países da zona euro. A Alemanha e outros mais poderosos podem chegar à conclusão de que, para defesa do seu próprio interesse, devem sair da zona euro ou empurrar outros para fora.
 
Um dos primeiros passos seria a renegociação da dívida. Em que condições? Agrada-lhe o plano grego das obrigações perpétuas e indexar o pagamento ao crescimento?
No plano internacional temos um princípio: cada país deve encontrar as soluções para os seus próprios problemas e normalmente a importação de modelos é errada e dá sempre mau resultado. Mas em relação a essa em concreto, nós apresentámo-la em Junho de 2011: a primeira proposta apresentada na AR para renegociação da dívida era do PCP, com um mecanismo semelhante, indexado ao valor das exportações. Temos vindo a evoluir nessa matéria e nas nossas propostas.

Renegociação ou reestruturação no sentido de não pagar uma parte?
A utilização dos termos tem sido variada. Renegociação quer dizer discutirmos as condições de pagamento da nossa dívida em relação aos montantes, juros e prazos.

Isso implica o perdão de uma parte da dívida?
Implica todas estas dimensões, incluindo os montantes, sim. A dívida portuguesa hoje cifra-se à volta dos 210 mil milhões de euros. Esta situação não é sustentável durante muito mais tempo. Já não somos só nos que o dizemos, é o próprio FMI que diz. A dívida, mais cedo que tarde, vai tornar-se impagável. O que propomos é a renegociação para libertar recursos financeiros e canalizá-los para uma outra política económica que diversifique as fontes de financiamento e assegure o crescimento do país. Propomos a indexação do serviço da dívida ao valor das exportações.

O que representou a vitória do Syriza em Janeiro e o que representa agora depois do processo com o Eurogrupo?
O relevante no processo é a afirmação que o povo grego fez de exigência de ruptura com as políticas que vinham a ser seguidas no quadro da troika.

Enquanto político que defende parte das mesmas ideias anti-troika, não se sentiu frustrado pelos recuos do Syriza?
Para ser inteiramente sincero: essa avaliação e esse pedido de contas, com propriedade, só os gregos a podem fazer. Como se viu nestes dias, estarmos hoje a falar da Grécia desconsiderando o que pode ser o desenvolvimento da situação nos próximos quatro meses é arriscadíssimo.

Achou que a Grécia iria esticar a corda até ao limite de ter que sair do euro?
O que é mais chocante nisto tudo é a atitude de ameaça e de chantagem da União Europeia ao Governo grego. E num momento em que, para resolver os seus problemas, avançaram soluções no Eurogrupo, o Governo português, em vez de procurar encontrar as convergências possíveis, resolveu alinhar com a Alemanha, num quadro de chantagem, pressão e ameaça. Uma posição verdadeiramente inaceitável.

A saída da Grécia poderia ser um balão de ensaio para Portugal?
As posições assumidas pelo Syriza antes das eleições não apontavam nesse sentido. Apontavam na manutenção na zona euro.

Voltemos a Portugal. Porque há tanta iniciativa política à esquerda e não se consegue mais entendimento?
Não há um problema com a fragmentação da posição política. O que é importante é discutir o que cada um quer do país, quais os compromissos que queremos assumir. É a partir dos compromissos que cada um traz que devemos discutir se há condições ou não para um entendimento.

Por aquilo que tem ouvido do Livre, das novas lideranças do BE e PS, vê o PCP num Governo de esquerda com esses partidos?
Estamos disponíveis para assumir qualquer tipo de responsabilidade que o povo nos quiser atribuir, incluindo a governativa. Não estamos é dispostos a fazer tudo para esse objectivo. Ou seja, a quebrar compromissos e a palavra dada apenas em troca de determinado número de lugares no Governo.

O PCP faz coligações sempre com os mesmos…
Na questão das coligações ou das convergências muitas vezes a soma dá menos que o resultado de cada uma das partes. Tivemos essa experiencia nas presidenciais: Manuel Alegre teve menos votos quando foi apoiado pelo PS e BE do que quando concorreu sozinho. Portanto, a soma das partes por vezes acaba por ser menos.

O que não aceitam do PS?
A questão deve ser ao contrário: com o que é que o PS está hoje comprometido? Continua comprometido com o PEC 4, com todas as medidas de corte de salários e pensões, na saúde, educação e segurança social? Com as privatizações? Porque sendo esses compromissos, antes de nós respondermos a essa pergunta, o povo português há-de responder negativamente ao PS.

Mas em que é que PCP e PS são absolutamente inconciliáveis?
Não sou muito bom em jogos de semelhanças e diferenças, mas há um ponto óbvio: a clareza com que nós assumimos as nossas posições claramente contrasta com a ambiguidade em que o PS vai tentando esconder os seus compromissos. Nem é indefinição do PS. Tem mais a ver com a intenção de esconder das pessoas os seus verdadeiros compromissos com as opções à direita.

António Costa, estando longe do debate parlamentar, tem mais tendência a esconder-se?
Vai sendo apanhado à mesma nos bastidores. As declarações a propósito do investimento feito em Portugal pelos chineses é o exemplo disso. Quando um partido procura esconder os seus compromissos mas necessariamente vai tendo que dizer alguma coisa sobre a situação política, as contradições começam a tornar-se óbvias.

Uma aproximação do PCP e do PS só será possível quando António Costa puser as cartas na mesa?
Não, quando o PS decidir fazer uma política de esquerda - que é coisa que infelizmente até hoje não tivemos oportunidade de ver.

Vê o PDR de Marinho e Pinto como um adversário à altura?
Acho muito engraçado que quando surge um movimento ou um partido novo, é concorrente do PCP. Tenho a memória ainda fresca dessa análise sobre o Bloco e afinal confirmou-se que o crescimento não foi feito à nossa custa, porque nós crescemos em todos os actos eleitorais desde que o Bloco existe. E apesar de nas últimas eleições ter perdido uma boa parte do seu eleitorado, nós continuámos a crescer. É preciso é que as pessoas tenham a noção exacta das soluções que cada apresenta para resolver os problemas do país. E é bom que cada um se defina. Mais do que frases feitas ou um discurso mais ou menos populista, mais ou menos demagógico, é bom que haja substância nas propostas políticas.

A renovação da bancada fê-la bem mais jovem, saíram vozes de peso. Por vezes parece ter perdido algum fôlego.
Acho exactamente o contrário. Este processo de renovação de organizações às vezes tem implicações que não são todas controláveis. Procurámos fazer a renovação e uma forma ordenada e sistematizada. Isso implica sempre sobressaltos no trabalho: há novas pessoas, períodos de adaptação, necessidade de integração de pessoas que não tinham experiência do trabalho parlamentar. Julgo que ainda assim tem sido feito um esforço que tem tido correspondência na manutenção do nível de trabalho e da nossa intervenção parlamentar.

Conseguem ainda ter a capacidade de antecipação que chegaram a ter?
Sim. A questão da venda das casas em processos de execução, por exemplo. Esta semana foram discutidas duas propostas do BE e do PS e em Dezembro já tinha sido discutido um projecto de lei nosso. Temos um pioneirismo na defesa da renegociação da dívida e um nível de proposta que nenhum outro grupo parlamentar tem na AR. A proposta de comissão de inquérito ao BES foi nossa.

Pode esperar-se uma quarta moção de censura do PCP esgotar os instrumentos de combate ao Governo?
Essa possibilidade existe sempre. Não apresentamos uma moção de censura para queimar foguetes. A apresentação é sempre ponderada de forma muito profunda, depende da apreciação política que fazemos. Não é por isso que não vamos continuar a insistir que o Governo tem que ser derrotado.


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