PCP propõe criminalizar falha na declaração de enriquecimento súbito

Projectos para travar o enriquecimento injustificado deverão ser discutidos no Parlamento em Março.

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João Oliveira Miguel Manso

A bancada comunista vai propor que os contribuintes sejam obrigados a declarar ao fisco um acréscimo de rendimentos e de património acima dos 100 mil euros. A falha consciente dessa obrigação será punida, mas se houver suspeita sobre a origem ilícita do dinheiro, será investigada no âmbito de outros crimes. Esta foi a solução jurídica que o PCP encontrou para contornar o chumbo do Tribunal Constitucional à proposta de enriquecimento ilícito.

O projecto de lei dá entrada esta terça-feira e será agendado o debate na quarta-feira, em conferência de líderes, para Março, em conjunto com os projectos do BE, do PS e da maioria PSD/CDS.

O princípio do projecto comunista assenta na obrigação de qualquer contribuinte declarar à Autoridade Tributária um acréscimo de rendimento e de património acima de cerca de 100 mil euros (o valor exacto ainda não foi divulgado), bem como a justificação da sua origem. “O que deve sancionado é a omissão de declaração e a omissão da sua origem”, explica o deputado António Filipe. A pena de prisão pode ir de um a cinco anos, agravada até oito anos no caso de funcionários e titulares de cargos políticos e titulares de cargos públicos.

No caso de o contribuinte se esquecer de fazer essa actualização, a Autoridade Tributária comunica ao Ministério Público, que solicita a correção da declaração de rendimentos. Se o fizer, a situação fica regularizada e tem isenção de pena.

A origem do dinheiro e do património tem de ser justificada, mas se houver suspeitas sobre a sua proveniência, a investigação é feita à luz de outros crimes. “Já não tem a ver com esta lei”, afirmou António Filipe. Esta alteração leva a que o crime agora proposto para ser tipificado no Código Penal seja o de enriquecimento injustificado e não o de enriquecimento ilícito, chumbado pelo Tribunal Constitucional (TC).

No diploma declarado inconstitucional em 2012 (aprovado com os votos a favor de todas as bancadas à excepção do PS), o TC considerou que existia inversão do ónus da prova - que obrigava o cidadão a ter que provar a origem do dinheiro perante a justiça e não o contrário - e que era indefinido o bem jurídico a proteger.

Desde então, os partidos procuraram fórmulas jurídicas alternativas. “Era preciso encontrar soluções para não incorrer em novas inconstitucionalidades”, esclareceu o deputado comunista.

Tudo menos inverter a prova
A proposta do BE apresenta outra solução. O bem jurídico a proteger é também o da transparência, mas a punição de quem falhar a obrigação de declaração de acréscimo de rendimentos é outra. No projecto bloquista, a Autoridade Tributária é obrigada a notificar o contribuinte quando regista um desvio igual ou superior a 20% entre os rendimentos declarados e os acréscimos patrimoniais, sempre que o rendimento for superior a 25 mil euros. O contribuinte tem um tem um prazo máximo de 60 dias para justificar o enriquecimento. Caso não o faça, é tributado autonomamente a 100%.

O projecto de lei estabelece também um agravamento de penas sempre que se provar que existiram falsas declarações sobre a situação patrimonial, omissões e recusa em colaborar com as autoridades.

Na maioria, as duas bancadas mantêm conversações para apresentarem um projecto comum. O CDS sempre foi resistente a tipificar o crime de enriquecimento ilícito. O PÚBLICO sabe que a bancada centrista tem preferência pelo modelo francês que regista, pela via fiscal, incompatibilidades entre os rendimentos e o modo de vida.

Já o PS deverá insistir no projecto de lei de 2011, que visava "manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados e não declarados" e que foi chumbado pela maioria parlamentar. O líder da bancada socialista, Ferro Rodrigues, disse estar disponível para viabilizar projectos de outros partidos, mas que a iniciativa própria apontará para que a penalização do enriquecimento injustificado seja feita pela via fiscal.

Nas próximas semanas, o combate à corrupção na classe política voltará a estar na agenda parlamentar. O BE pretende apertar o controlo da obrigação de declaração de registo de interesses por parte dos titulares de cargos políticos (e alargar o âmbito de aplicação às autarquias e membros de gabinetes ministeriais). Já na próxima sexta-feira deverá ser aprovado, por unanimidade, um pacote anti-corrupção que, entre outras medidas, agrava a pena no crimes de tráfico de influências e a prevê a punição da tentativa nos crimes de corrupção activa para acto lícito e abuso de poder,  bem como o aumento das penas para o caso de crime de tráfico de influências e de crime de peculato, se for praticado por um titular de cargo político.

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