Passos nega convite. Sócrates insiste que o desafiou a governar em coligação

O actual chefe de Governo não se pronuncia sobre a questão essencial e limitou-se a recusar ter sido convidado para vice-primeiro-ministro do anterior Governo PS.

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Passos Coelho em Bruxelas THIERRY CHARLIER/AFP

Pedro Passos Coelho veio nesta sexta-feira negar ter sido convidado por José Sócrates para ser vice-primeiro-ministro do seu segundo Governo, uma informação revelada pelo PÚBLICO na quinta-feira. Mas o ex-primeiro-ministro reafirmou ao PÚBLICO ter, por mais de uma vez, desafiado Passos para um Governo de coligação, o que implicaria uma negociação sobre "a substância e o poder".

Com aquela declaração, tomada 24 horas depois de o PÚBLICO a ter noticiado, Passos optou por não se pronunciar sobre a questão essencial, que seria confirmar se foi ou não convidado para fazer uma aliança governamental com o ex-primeiro-ministro, refugiando-se num detalhe formal, o título do cargo.

Já depois da declaração de Passos Coelho, esta sexta-feira de manhã, em Bruxelas, José Sócrates reafirmou ao PÚBLICO os convites feitos ao então líder da oposição para integrar o Governo. "Mantenho o que disse à TSF e à Antena 1: falei duas ou três vezes com Passos Coelho sobre a necessidade de formar um Governo de coligação, sem falar em cargos específicos".

Sócrates admite, no entanto, que qualquer Governo de coligação implica negociações sobre "a substância" e a partilha do "poder". Nesse contexto, o ex-primeiro-ministro nunca poderia deixar de o convidar para ser número dois do Governo (vice-primeiro-ministro, ministro de Estado ou outro título) integrado pelos dois partidos do bloco central. Algo que várias fontes do PS e do PSD consideraram ao PÚBLICO não poder deixar de ter sido abordado pelas cúpulas dos dois partidos nessa fase.

No entanto, Passos Coelho sempre afastou a possibilidade de aliança, justificando – segundo Sócrates admitiu à Antena 1 – que um Governo de bloco central faria subir os extremos. E, como tal, os cargos concretos nunca terão chegado a ser negociados.

A possibilidade de um Governo de bloco central esteve por mais de uma vez em cima da mesa, depois de o actual primeiro-ministro ter substituído Manuela Ferreira Leite na presidência do PSD, em Março de 2010. Estava-se então no auge da crise das dívidas públicas excessivas, quando o Governo socialista já sentia dificuldades de financiamento, e se acentuaram com a ameaça de extensão a Portugal das crises grega (Maio de 2010) e irlandesa (Novembro de 2010).

Na altura, Sócrates terá mesmo dado garantias a Passos de que não se recandidataria às eleições seguintes, se este aceitasse formar Governo com o PS.

Antes de escrever o texto, publicado quinta-feira, o PÚBLICO procurou obter um comentário do gabinete de Passos Coelho sobre o tema, deixando recado telefónico, mas não houve resposta. Nem houve nenhum desmentido nas 24 horas que se seguiram.

Apesar de os contactos entre os dois e de o convite de Sócrates a Passos para ser o número dois do seu Governo serem um dado adquirido em certos círculos, tanto socialistas como sociais-democratas, que voltaram a confirmar ao PÚBLICO a informação, alegando que Passos está a usar "formalismos", o chefe de Governo escolheu falar do tema em Bruxelas.

E, ao ser inquirido sobre a razão por que recusou o convite de Sócrates para ser vice-primeiro-ministro no anterior Governo, respondeu: "Tal convite nunca me foi dirigido, mas não vou sequer fazer nenhuma observação sobre essas matérias do passado e muito menos aqui." Assim, sobre a substância do que está em causa, se teve ou não contactos com Sócrates, e se foi convidado para fazer coligação com o PS, não deu qualquer informação, preferindo negar apenas o título do cargo noticiado pelo PÚBLICO. 

Conversas com Amado e Ângelo Correia
As conversas entre os dois, o actual primeiro-ministro e o anterior, não só existiram (Sócrates já confirmou que falou "duas ou três vezes com o então líder da oposição para entrar no Governo", que recusou, pois "queria ser primeiro-ministro"), como até foram antecedidas de ligações telefónicas entre o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e o dirigente social-democrata Ângelo Correia, que presidia à Fomentinvest, onde, na altura, Passos trabalhava.

Amado pediu então a Ângelo Correia que sondasse Passos Coelho, para saber se o presidente do PSD estava disponível para apoiar um Governo de unidade nacional ou fazer uma coligação com o PS, uma iniciativa que culminou nas conversas entre os dois líderes partidários. 

Ângelo Correia confirmou ao PÚBLICO, na quarta-feira, que, a dada altura, recebeu um telefonema de Amado, que estava em Nova Iorque: "Recebi um telefonema de uma pessoa muito importante do Governo do PS [2010/2011], que queria inteirar-se se eu estava disponível para saber se o dr. Passos Coelho estava receptivo a apoiar um Governo de unidade nacional ou a poder vir a entrar num Governo formado com o PS". Relatou que transmitiu "o recado" a Passos: "Sei que ele [Passos Coelho], pouco depois, falou com o eng. Sócrates, mas desconheço qual o sentido da conversa que mantiveram."

Ângelo Correia lembrou que "algumas pessoas do PSD eram a favor de que o dr. Passos Coelho deixasse o eng. Sócrates governar por mais algum tempo, pois tínhamos a consciência de que há reformas estruturais que necessitam da revisão constitucional e para as quais o PS é indispensável." E observou que, "embora o PEC IV [cujo chumbo, em Março de 2011, ditou o pedido de ajuda externa] fosse necessário, não permitiria concretizar um conjunto de reformas estruturais que nele não estavam incluídas".

Para além de Passos, Sócrates, em Setembro de 2009, na sequência da sua eleição sem maioria absoluta, também sondou Manuela Ferreira Leite, na altura presidente do PSD, para integrar o executivo como número dois. A economista e ex-ministra das Finanças de Durão Barroso respondeu-lhe que foi nomeada para ser oposição e não para entrar no Governo.

Em declarações ao PÚBLICO, ao início da noite de quarta-feira, Ferreira Leite confirmou a informação, mas notou "que ele [José Sócrates] convidou toda gente para formar Governo, desde o Bloco de Esquerda ao CDS." E rematou: "Um gesto que não passou de uma mera performance, nada de sério, sem qualquer significado."

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