Passos muito perto da saída limpa

Portugal encaminha-se para uma saída limpa apesar da quase unanimidade sobre a necessidade de um programa cautelar. A questão não é técnica, é política, e Berlim quer outra história de sucesso. Pedro Passos Coelho já virou a agulha nesse sentido.

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Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque anunciaram sexta-feira que Portugal passou na 11.ª avaliação Enric Vives_Rubio

Esqueçam os pareceres técnicos de Bruxelas ou de Washington. Esqueçam a apreensão dos ministros das Finanças do Eurogrupo, dos economistas e analistas de todos os matizes. Ou mesmo as vozes políticas mais avisadas. A decisão sobre a saída de Portugal do programa de ajustamento será política. E será tomada em Berlim e em Lisboa.

Se nada acontecer de catastrófico em Portugal ou no mundo (da evolução da situação na Ucrânia, aos resultados das eleições europeias, passando por um impulso desagregador da Catalunha ou da Escócia), a dinâmica que se está a criar na Europa nos últimos tempos vai no sentido de uma saída limpa.

A razão é simples: a Alemanha quer uma saída limpa. Como quis para a Irlanda, ameaçando vetar a insistência dos irlandeses num programa cautelar light, ou seja, uma linha de crédito do Mecanismo Europeu de Estabilidade para ser accionada em caso de necessidade. Para Angela Merkel, levar um programa cautelar ao Bundestag e correr o risco de o ver chumbado é uma experiência que não quer viver (de resto, seria catastrófico para a própria situação portuguesa se isso viesse a acontecer). Esta é a segunda razão. A primeira é que Berlim quer registar mais um caso de sucesso, que justifica plenamente a política da chanceler para salvar o euro e que pode satisfazer o eleitorado alemão, chamado às urnas em Maio para eleger o novo Parlamento Europeu. O problema passaria a ficar estritamente confinado à Grécia, em relação à qual Merkel está preparada para dar um sinal de apoio depois das eleições europeias.

Em Lisboa, a decisão de seguir o caminho que a Alemanha pretende é mais difícil de sustentar mas é, claramente, aquela que o primeiro-ministro já começou a preparar, com a ajuda dos mercados e de algum crescimento.  “Há seis meses, ainda se falava da hipótese de um segundo resgate a Portugal”, diz uma fonte altamente colocada em Bruxelas. “Há três meses, a possibilidade de uma saída limpa não era encarada por ninguém.” Hoje há uma “altíssima probabilidade” de que Portugal siga a Irlanda. O problema maior do Governo português é como gerir nos próximos dois meses esta aparente contradição entre as quase unânimes opiniões a favor de um “cautelar” e a decisão política que já está praticamente tomada. “É fundamental que haja um ambiente de consenso político interno sobre a decisão a tomar”, diz uma fonte portuguesa ligada ao programa de ajustamento. Ora, ainda estamos longe de ter chegado aí.

Oficialmente, o discurso das instituições europeias e dos credores continua a bater na mesma tecla: a decisão sobre a modalidade da saída do programa é uma escolha do Governo português. Em Lisboa, o discurso oficial continua a insistir em que é ainda muito cedo para saber qual é a saída que mais nos convém. A própria ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, declarou recentemente a sua inclinação para um programam cautelar, sem especificar em que modalidade.

Como se chegou aqui? Há dois meses, disse ao PÚBLICO uma fonte portuguesa em Bruxelas, “a doutrina que estava praticamente estabelecida pela Comissão e pelo BCE era a de que Portugal precisava de um programa cautelar”. O crescimento começava a dar um ar da sua graça, que não parecia chegar, no entanto, para tranquilizar os mercados. “Será difícil a Portugal gerir o peso da dívida enquanto as taxas de juro de longo prazo não se aproximarem dos 3%”, diz a mesma fonte. O presidente da Comissão, Durão Barroso, chegou a dizer publicamente que uma saída com rede seria a melhor solução. Não voltou a repetir estas palavras. As coisas começaram a mudar quando Bruxelas percebeu que essa não era a intenção de Berlim. “Agora, está a ser construída muito rapidamente a doutrina contrária.” Com a Comissão a chegar ao seu termo (em Junho ou Julho os líderes europeus vão decidir sobre quem será o próximo presidente da Comissão, do Conselho Europeu e da diplomacia europeia), a sua força política, que nunca foi grande, será ainda menor.

O que pode fazer o Governo? Pouco a não ser tirar o melhor proveito político da inevitabilidade. A experiência irlandesa, cujos contornos apenas agora começam a ser conhecidos na sua plenitude, mostra que não vale a pena tentar convencer Berlim. Ao contrário da percepção criada na vigésima quinta hora pelo Governo irlandês de que a opção por uma saída limpa era sua, foi o veto alemão que impediu uma linha de crédito cautelar do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Em Dublin, a opção por uma saída limpa também tinha os seus adeptos. O primeiro-ministro Enda Kenny e o ministro das Finanças Michael Noonan tinham a convicção contrária. Venceu a posição de Berlim. O caso irlandês é diferente do nosso. As taxas de juro da dívida já estavam nessa altura nos 3,5%. A economia irlandesa, que não perdeu o seu motor central para o crescimento (as multinacionais americanas), dá sinais de uma recuperação mais sólida. Mas um novo problema com a banca, na sequência da supervisão única do BCE, ainda pode vir a ter um custo para as contas públicas irlandesas.

O caso da Irlanda também é paradigmático noutro aspecto. Merkel tentou convencer Enda Kenny argumentando que ainda estava a constituir o seu governo de “grande coligação” e que isso dificultava outra posição. Na verdade, o SPD acabou por se revelar ainda mais intransigente que a chanceler. Para os sociais-democratas, uma rede de segurança para a Irlanda teria de ter como contrapartida a subida das taxas de IRC (que rondam os 12%) e a aceitação da taxa sobre as transacções financeiras.

Foi isto que Pedro Passos Coelho aprendeu e que agora se vê na contingência de aplicar ao caso português. Tem de encontrar uma narrativa que transforme uma dificuldade numa vitória. A sua linguagem em relação ao ajustamento mudou: “Não precisamos que a troika nos diga o que temos de fazer”, disse no Congresso do PSD no fim-de-semana passado. O Governo está a criar a sua própria rede de segurança, para dispensar o cautelar, através de uma almofada financeira suficientemente grande para reduzir os riscos de financiamento do país neste ano e no próximo. Esta garantia permite enfrentar com mais segurança uma taxa de juros a dez anos que se mantenha acima dos 4%. O risco está na persistência da queda dos preços na zona euro – que agrava as taxas de juro mas que ainda não é vista com preocupação pela autoridade monetária. Se alguma prova faltasse nesta mudança de agulha, ela foi dada pela forma como o vice-presidente da bancada social-democrata, Miguel Frasquilho, foi obrigado a desdizer-se, depois de ter dito, no final do encontro com a troika, que um cautelar seria a decisão mais prudente. Também o Presidente da República, que chegou a defender publicamente a necessidade de uma rede de segurança, não voltou a tocar no assunto.

Além disso, o calendário de Merkel ajusta-se bem às necessidades políticas da coligação governamental. Não tanto em relação às europeias (que ainda podem ser um risco para o Governo, se vier a sofrer uma penalização muito forte nas urnas), mas para as legislativas do próximo ano. Mas a questão que continua a pesar sobre o Governo e que lhe exige uma grande prudência mantém-se: o crescimento da economia está longe de ser suficiente. 

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