Passos Coelho não nega ter recebido dinheiro da Tecnoforma quando era deputado em exclusividade

Denúncia diz que Passos recebeu cinco mil euros por mês, durante dois anos, quando estava em exclusividade na Assembleia da República. Inquérito sobre os financiamentos para formar técnicos de aeroportos municipais foi arquivado em Junho.

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Passos Coelho salientou que está em Bratislava a defender os interesses do país Laurent Dubrule/Reuters/arquivo

O primeiro-ministro afirmou nesta quinta-feira, através do seu gabinete, que “não foi contactado no âmbito de qualquer investigação” e que, “se isso vier a acontecer, colaborará naturalmente”.

A declaração, divulgada através da agência Lusa, prende-se com uma notícia da revista Sábado, segundo a qual o Ministério Público está a investigar uma denúncia de recebimento ilegal, por Passos Coelho, de perto de 150 mil euros, entre 1997 e 1999. 

O valor em causa terá sido pago pela empresa Tecnoforma, quando o então deputado estava legalmente impedido de desenvolver qualquer actividade remunerada, por beneficiar do regime de exclusividade na Assembleia da República.

O gabinete do primeiro-ministro não diz, porém, que Passos Coelho não recebeu qualquer pagamento da Tecnoforma durante esse período. Limita-se a dizer que ele colaborará, caso seja contactado no âmbito de qualquer investigação, “mantendo a convicção de que sempre cumpriu as suas obrigações legais”.

Já em Novembro de 2012, num email em que respondia a várias perguntas do PÚBLICO, Passos Coelho deixou sem resposta aquela que o questionava expressamente sobre se a Tecnoforma “alguma vez remunerou” os serviços por ele prestados enquanto presidente do Conselho de Fundadores do Centro Português para a Cooperação (CPPC) — uma organização não governamental criada pela Tecnoforma com o objectivo de facilitar a captação de contratos de formação profissional para a empresa. 

Apesar das múltiplas insistências feitas, essa pergunta nunca obteve resposta.

De acordo com a Sábado, a denúncia que está a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) terá sido acompanhada de vários documentos e refere que o então deputado receberia cerca de cinco mil euros mensais através do Banco Totta & Açores.

A confirmar-se a existência de tais pagamentos, Passos Coelho estaria perante dois problemas: não ter declarado esses rendimentos (como resulta das suas declarações ao Tribunal Constitucional), fugindo assim ao fisco, e ter violado o regime de exclusividade que o impedia de auferir tais rendimentos. 

Empresário convencido de que Passos "recebia qualquer coisa"
Contactado nesta quinta-feira pelo PÚBLICO, o fundador e então principal accionista da Tecnoforma, Fernando Madeira, que em 2012 não quis prestar quaisquer declarações sobre a existência de pagamentos a Passos Coelho naquele período, afirmou: “Estou convencido de que ele recebia qualquer coisa, mas não posso falar em valores porque não posso provar nada. Agora se era para pagar deslocações, telefonemas ou coisas parecidas, não sei.”

O empresário, com 70 anos, repetiu várias vezes que esta é a sua convicção e acrescentou: “O senhor não foi para ali [para o CPPC] pelos meus lindos olhos.” Fernando Madeira insistiu em que não pode provar nada, “porque o administrador que tratava da parte financeira era o dr. Manuel Castro e o contabilista, que já morreu”.

O fundador da Tecnoforma, que já foi ouvido no DCIAP no âmbito do inquérito que ali decorre desde o início de 2013, mostra-se muito afectado por este processo e diz que só quer “esquecer tudo o que se passou”.
 
Fernando Madeira vendeu as suas acções na empresa em 2001 a João Luís Gonçalves, um advogado que foi secretário-geral da JSD quando Passos Coelho era presidente, a Manuel Castro e a Sérgio Porfírio, um antigo empregado da casa. Segundo garante, os compradores nunca lhe pagaram os valores negociados, razão pela qual pôs o caso em tribunal há vários anos. A Tecnoforma foi declarada insolvente pelo tribunal há cerca de dois anos.

PGR apenas confirma investigação à Tecnoforma
Reagindo à notícia da Sábado, a Procuradoria-Geral da República divulgou um esclarecimento em que diz apenas que em 2013 foram instaurados dois inquéritos relacionados com a actividade da Tecnoforma, um dos quais, o do DCIAP, “se encontra em investigação e sujeito a segredo de justiça”. 

O outro – que visava os financiamentos concedidos à empresa para formar centenas de técnicos de aeródromos e heliportos municipais da região centro e correu no Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra – “foi objecto de despacho de arquivamento, nos termos do artigo 277, n.º 2 do Código de Processo Penal, em Junho de 2014”.

O artigo em questão determina que o inquérito é arquivado, “se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes”. 

A terceira investigação aberta acerca dos financiamentos públicos à Tecnoforma, no período em que Passos Coelho foi seu consultor e administrador, está a correr no OLAF (gabinete de luta antifraude da Comissão Europeia), em articulação com o DCIAP. Segundo um porta-voz deste organismo, o inquérito ainda não foi concluído e mantém-se em segredo de justiça.

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