Parlamento Europeu aprovou avaliação crítica das troikas. E isso muda o quê?

Dois relatórios que criticam a actuação das troikas na implementação dos programas de ajuda externa foram aprovados em Estrasburgo. Eurodeputados portugueses divididos entre o apoio e as vaias.

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Reuters

Foram aprovados esta quinta-feira no Parlamento Europeu, com uma votação massiva da direita e também um número expressivo de abstenções, os relatórios sobre a actividade das troikas durante os programas de ajustamento em Portugal, Irlanda, Grécia e Chipre. Os problemas são assumidos, mas a sua resolução ainda não é para já. E por isso nada mudará.

O relatório de investigação sobre o papel e as operações da troika – composta pelo Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional – nos países sob assistência financeira foi elaborado pelo eurodeputado austríaco Othmar Karas, do PPE (democrata-cristão), e pelo francês Liem Hoang Ngoc, socialista do S&D, e debruça-se sobre a situação económica e financeira dos países no início da crise, o conteúdo dos memorandos de entendimento e o impacto das políticas prosseguidas na evolução económica e social.

O segundo, elaborado no âmbito da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais pelo espanhol Alejandro Cercas, também do S&D, centra-se nas questões do emprego e nas consequências sociais dos vários programas de ajustamento. Os documentos são muito críticos da actuação das equipas representantes dos credores e deixam diversas recomendações à União Europeia. Que os três relatores desejam que sejam tidas em conta pela nova composição do Parlamento e da Comissão, que resultem das eleições de Maio.

Contabilizados os prós e os contras, as críticas e os elogios, decorridos quatro meses de audições e discussões sobre os programas das troikas, estes relatórios servirão exactamente para quê? Uns dizem que serão para guardar na gaveta, outros gostariam que fossem uma espécie de farol para preparar os mecanismos para habilitar a União Europeia a lidar com uma realidade que não conhecia e guiar futuros processos de ajuda.

Certo é que a apenas dois meses das eleições que ditarão um novo Parlamento e depois uma nova Comissão, o futuro das recomendações deixadas pelos três eurodeputados será ditado pela vontade dos novos protagonistas que se sentarem nas cadeiras em Bruxelas e Estrasburgo a partir de Julho. Um dos argumentos dos críticos da iniciativa da investigação à acção da troika era precisamente o de o processo poder servir interesses eleitoralistas.

O relatório propõe medidas concretas como a criação de um Fundo Monetário Europeu entre outros mecanismos financeiros e bancários de ajuda, e a aprovação de um plano de recuperação social para os países intervencionados. E pede que não se aplique a mesma receita a países e realidades diferentes – ou seja, a cada corpo, o seu fato.

Acima de tudo, estes são documentos políticos a que as novas equipas, independentemente de quem liderar, não poderão ficar indiferentes, salientam alguns eurodeputados portugueses contactados pelo PÚBLICO. Já na discussão, os relatores tinham avisado que os diplomas abrem o caminho para uma forma de actuação totalmente diferente. Mas a verdade é que a curto ou a médio prazo, os documentos não terão implicação prática para os quatro países intervencionados – a menos que a situação grega se continue a arrastar e o país ainda demore os tais quatro anos a terminar o programa, como prevê Othmar Karas.

Um Fundo Monetário Europeu no futuro?
O independente Rui Tavares realça que foi deixada cair uma das emendas sobre o envolvimento do mecanismo europeu de estabilidade (MEE) nos processos de assistência, que poderia ser o gancho a utilizar no futuro pelo Parlamento Europeu para poder levar os processos da troika a tribunal. Votou a favor do relatório por considerar que é um princípio que se admita a existência de erros, nomeadamente a falta de legitimidade política da troika, por ter actuado de forma completamente autónoma. Ainda que não acredite que no concreto vá acontecer muita coisa para além do apressar dos mecanismos financeiros para que a União Europeia se baste a si própria em caso de novos problemas do género.

A criação de um Fundo Monetário Europeu implica, no entanto, a revisão dos tratados, lembra o social-democrata José Manuel Fernandes que destaca o “equilíbrio” do relatório, entre o retrato do antes e o do pós intervenção. “É importante que a troika preste contas, e se prestasse aos parlamentos nacionais e europeu, não haveria a cacofonia perturbadora que existiu com o FMI”, aponta. Tal como o eurodeputado do PSD, também o centrista Nuno Melo recusa que o relatório não tenha aplicação prática e acredita que serve para “tirar ilações sobre o que fazer numa intervenção futura – é um instrumento para a gestão de crises”.

Ainda que seja um “balanço político de reflexão”, a socialista Elisa Ferreira acredita que a médio prazo dará frutos. Porque coloca é uma “tomada de consciência colectiva” de problemas reais e coloca na agenda europeia alguns temas como o mau funcionamento de competências e instrumentos vitais da União e a falta de respostas adequedas. Questões a que os próximos Parlamento e Comissão, por serem co-legisladores, não podem ficar indiferentes, adverte a eurodeputada.

Inês Zuber lamenta que o relatório reconheça que o processo não correu bem e se limite a fazer uma avaliação política quando deveria dar respostas concretas para os problemas que a própria troika exponenciou. “Fala em aspectos que podem melhorar a acção da troika, quando o que correu mal foi a própria troika”, realça a eurodeputada comunista. E critica a manobra eleitoral dos dois grupos parlamentares que querem “desresponsabilizar e branquear quem provocou a crise – eles próprios”. O grupo parlamentar votou contra o relatório e o mesmo fizeram os eurodeputados do BE. Marisa Matias diz que é um “mau relatório com uma boa ideia – confirma que a troika não tem legitimidade democrática”, e “abre a porta para que nada mude”. A eurodeputada afirma que o relatório “acaba por ser um instrumento que legitima a continuidade das políticas da troika no período além da troika” ao legitimar a austeridade.

Elisa Ferreira e Ana Gomes preferem mutualização da dívida
As eurodeputadas socialistas Elisa Ferreira e Ana Gomes não assinaram o manifesto da dívida e dizem que o documento tem um problema de semântica: em vez de se falar em “reestruturação” da dívida deveria discutir-se a mutualização ou chamar-lhe “renegociação”.

Ambas concordam com a análise sobre a insustentabilidade da dívida feita pelo manifesto que defende a reestruturação, e Elisa Ferreira até diz que se “deve estudar como se pode, no futuro, pagá-la, e não recusar pagar”, porque os países intervencionados viram a dívida soberana passar de 60% para 90% e não têm condições para a suportar nas condições e prazos acordados.

Mas foi por uma questão de “coerência terminológica” que Elisa Ferreira preferiu não juntar o seu nome aos outros 74 subscritores. Enquanto relatora de documentos ao nível da União Europeia, a eurodeputada socialista tem defendido que a solução para os países em dificuldades “passa pela mutualização da dívida” e pela criação de mecanismos como o lançamento de dívida conjunta de curto prazo e um fundo de redenção. Além disso, o termo reestruturação, a nível europeu, é o haircut (ou perdão de parte da dívida) como se fez à Grégia. “Seria incoerente dizer uma coisa na Europa e outra em Portugal”, justifica.

Ana Gomes não terá sido contactada pelos promotores e diz que talvez assinasse porque “tudo o que ali está é o que o PS vem defendendo – descida dos juros, alargamento dos prazos de maturidade e mutualização acima dos 60%. Mas antes proporia a mudança do termo por razões “tácticas de diplomacia: reestruturação permite a especulação da recusa de pagamento”.

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