Pagamentos declarados a amigo de Sócrates desde 1996 não chegam a 4,7 milhões

Se se descontarem as retenções feitas na fonte, Santos Silva não terá recebido mais de 3,6 milhões. Mas o seu património imobiliário ultrapassa este valor.

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Edifício Heron Castilho; Sócrates vendeu apartamento e arrecadação por 675 mil euros

O total dos rendimentos pagos a Carlos Santos Silva e declarados ao fisco pelas entidades que lhe fizeram pagamentos nos últimos 18 anos não atinge os 4,7 milhões de euros. Admitindo que o próprio, como é normal suceder, não tenha declarado muito mais em sede de IRS, os rendimentos declarados pelo empresário e amigo de José Sócrates, actualmente preso, deverão estar muito longe de explicar o património imobiliário que detém e os saldos bancários que lhe são atribuídos.

Só em imóveis, Santos Silva investiu nos últimos anos um valor próximo daquele total e as notícias que têm sido divulgadas apontam montantes superiores a vinte milhões de euros para as contas de que seria titular. O PÚBLICO pediu ao empresário, através da sua mandatária, a advogada Paula Lourenço, que explicasse o diferencial existente entre o valor dos seus activos e as declarações de pagamento apresentadas ao fisco em seu nome desde 1996, mas não obteve resposta.

De acordo com a lei, todas entidadas pagadoras de rendimentos são obrigadas a entregar anualmente à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao final de Fevereiro, uma declaração preenchida nos termos do Modelo 10 de Rendimentos e Retenções (antigo Anexo J da declaração anual). Nessa declaração tem de constar a identificação de todas as pessoas a quem foram pagos rendimentos de trabalho dependente, rendimentos empresariais e profissionais, de capitais e prediais, com os totais pagos a cada uma delas no ano anterior e as correspondentes retenções na fonte.

A criação do actual Modelo 10 destinou-se, segundo a portaria que o aprovou em 2004, a “conferir maior eficácia ao controlo cruzado da informação respeitante aos rendimentos declarados” por quem os recebe e por quem os paga. É através dessas declarações emitidas pelas entidades pagadoras que a Autoridade Tributária procede ao prenchimento automático, nas declarações de IRS de cada contribuinte, dos rendimentos que lhe foram pagos por aquelas entidades. A estes rendimentos, os contribuintes podem acrescentar aqueles que, por um qualquer motivo execpcional, não tenham sido incluídos nos modelos 10, ou pedir a correcção dos dados que considerem incorrectos.

No caso de Carlos Manuel Santos Silva, o histórico resultante das declarações (primeiro Anexo J e depois Modelo 10) das empresas para as quais trabalhou e daquelas que lhe pagaram rendimentos de outro género mostra que, desde 1996, lhe foi pago um total de 4,606 milhões de euros. Por razões que o PÚBLICO não conseguiu esclarecer, desse histórico não consta qualquer rendimento relativo 2001.

Nesse ano, além da actividade que desenvolvia nas suas empresas de projectos de engenharia e de construção civil, o empresário de Belmonte era um dos responsáveis pelo grupo HLC, que estava a terminar a construção do aterro da Cova da Beira.

O melhor ano foi o de 2009
Ao longo dos 18 anos em causa, aquele que se mostrou mais rentável para Santos Silva foi o de 2009. Pelo menos foi nesse ano que foram declarados por terceiros mais pagamentos em seu nome. No total foram-lhe pagos cerca de 865 mil euros, sendo a maior fatia, 325 mil, declarada pela empresa Lena, Engenharia e Construção SA, a título de rendimentos empresarias e profissionais (recibos verdes).

As outras empresas que lhe fizeram pagamentos por conta de trabalho independente foram a Constrope (295 mil euros) e a Oficina de Engenheiros (145.500), das quais era também sócio. Uma outra, a Lobege, Gestão Imobiliária e Construção Civil Ldª, de que  de que era sócio e administrador, remunerou-o com 49 mil euros por trabalho dependente. Finalmente, a Proengel, de que é o único dono, declarou ter-lhe pago 54 mil euros de rendimentos prediais, relativos ao aluguer dos escritórios de que se serve em Telheiras e que são propriedade pessoal de Santos Silva.

Um ano depois, em 2010, os registos somam pagamentos de 628 mil euros, correspondendo também a maior parte (260 mil) aos recibos verdes passados à Lena, Engenharia e Construção. Os outros pagadores foram a Constrope (200 mil) e a OZW, Estudos e Projectos Lda (65 mil), ambos contra recibos verdes. Por trabalho dependente ganhou 49 mil na Lobege, recebendo ainda 54 mil de rendas da Proengel.

Em 2011, os seus rendimentos caíram para 549 mil euros, não sendo nesse ano e nos seguintes declarado qualquer pagamento pelas empresas do grupo Lena (o primeiro, de 130 mil euros, data de 2008). Os serviços prestados à Constrope atingiram nesse ano (2011) o valor mais alto (228.571 euros), enquanto que os pagos pela OZW somaram 195 mil. Por conta de outrém continuou a trabalhar apenas para a Lobege, ganhando quase o dobro do ano anterior (86.500). A renda paga pela Proengel, por sua vez, caiu para 39 mil.

Já em 2012, quando algumas das suas empresas registavam um acentuado crescimento da facturação devido ao arranque do negócio do grupo Lena com a Venezuela, que José Sócrates desbloqueara como primeiro-ministro, os rendimentos declarados em nome do empresário cairam abruptamente para menos de um terço (178.878 euros).

Desta vez nenhuma entidade pagadora declarou qualquer recibo verde por ele emitido. Mas além da Lobege, que lhe pagou 95.350 euros, recebeu rendimentos de trabalho dependente (36.750) da  Dinope, da qual é um dos donos. Quanto a rendimentos prediais, adicionou 22 mil euros pagos por uma editora de publicações femininas, por um andar que possui no centro de Lisboa, aos 24.768 das rendas da Proengel.

As últimas declarações Modelo 10 disponíveis, relativas a 2013, indicam que esse foi, deste ponto de vista, o pior ano de sempre para Carlos Santos Silva. Os rendimentos assim calculados fazem pensar que o projectista deixou de trabalhar: ninguém declarou ter-lhe pago um cêntimo. Nem a título de trabalho dependente nem contra recibos verdes.

Só a Proengel informou as Finanças de que lhe tinha pago 24.768 euros de rendas. Isto num ano em que a Proengel II International — a empresa por ele controlada que mais factura com o programa de habitação social que o grupo Lena está a construir na Venezuela — teve um volume de negócios superior a oito milhões de euros. Os seus resultados líquidos depois de impostos ultrapassaram os três milhões, mas as contas da empresa não registam qualquer distribuição de lucros aos accionistas.

Mesmo em 1996, o primeiro ano relativamente ao qual se conhecem dados das declarações das empresas para as quais trabalhou, os seus rendimentos foram superiores aos de 2013: 34.522 euros, provenientes das suas empresas Proengel, Conegil (falida em 2003) e Enaque.

Desde 2000 até 2008, os valores que lhe foram pagos oscilaram entre os 60.763 euros do primeiro ano e os 545.775 de 2007, com 536 mil em 2008.

No tocante a rendimentos de capitais, tudo o que se encontra reportado são as declarações de vários bancos que dão conta do que lhe foi pago entre 2002 e 2007. O total anual desses rendimentos nunca ultrapassou os cerca de 2900 euros de 2005.

Descontando aos rendimentos ilíquidos declarados pelos pagadores o valor de cerca de 1 milhão de euros retidos na fonte por essas entidades, o montante global pago a Carlos Santos Silva durante estes 18 anos, antes dos acertos de contas em sede de IRS, não terá ido além dos 3,6 milhões de euros.

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