Os sinais de Marcelo

Marcelo está a dar a corda a Costa, na expectativa de ver se ele se enforca nela. E com ele o país.

Há uma expressão popular que diz que se pode “dar corda a alguém para esse alguém se enforcar”. Ela serve que nem uma luva de pelica à forma como o Presidente da República se tem posicionado em relação ao primeiro-ministro. Marcelo Rebelo de Sousa tem dado todo o espaço e todas as condições possíveis para que António Costa aja e oriente a governação do país de acordo com os seus pressupostos e objectivos, de modo a que o chefe do Governo não possa vir a queixar-se de que não teve apoio e suporte institucionais para levar a sua gestão do Estado até onde deseja e de acordo com a sua vontade e projecto.

A bonomia com que o Presidente tem conduzido os primeiros meses de mandato não deve ser confundida com distração, nem com falta de exigência e muito menos com cumplicidade. É verdade que Marcelo tem feito questão de manter e até acentuar o seu lado afável e emocional, na tentativa de acalmar e afagar o ego de uma população que estava cansada de ser maltratada e olhava – e ainda olha – com desconfiança para as instituições. Tem procurado simbolizar o que um Presidente da República tem de “pai da pátria” e através disso criar um elo emocional e afectivo com a população. Uma atitude que surpreende tanto mais que contrasta com a memória do anterior Presidente, Aníbal Cavaco Silva.

Só alguns se lembram de como Mário Soares foi um Presidente presente e criou ligação afectiva directa, revolucionando o exercício do mandato de Presidente da República. Ainda que como meio de exercer o seu contrapoder a Cavaco Silva, Mário Soares abriu a sua presidência ao povo, passeando o poder da mais alta figura da hierarquia do Estado pelo país, num exercício que procurava recriar na actualidade o que eram os antigos poderes taumatúrgicos dos reis e as saídas reais. Uma fórmula que foi continuada por Jorge Sampaio, de acordo com o seu perfil menos histriônico. E que agora é recriada por Marcelo Rebelo de Sousa.

Mas que não se confunda o estilo Marcelo com conivência e muito menos estupidez. O actual Presidente foi eleito com o comboio do poder executivo em curso e tendo de conviver institucionalmente com um perfil de Governo e de maioria parlamentar que estava também a estrear-se e a romper novas fronteiras para a implantação de um novo modelo institucional e político em Portugal. Isto é, a primeira experiência de um Governo do PS assente numa estratégia de alianças à esquerda e apoiando parlamentarmente no BE, no PCP e no PEV.

Ora, sendo um político experiente e tendo capacidades de análise e de leitura políticas pouco comuns e muito acima da média dos políticos e dos observadores políticos, Marcelo sabia que não podia afrontar Costa. E teve mesmo a inteligência de dar ao primeiro-ministro todo o espaço e toda a solidariedade institucional e até pessoal que podia. Agora isso não significa que Marcelo seja “banana” ou “parvo”. Pelo contrário. A prova de que não “está a dormir na forma” ou que está cego por uma aparente boa relação pessoal com Costa – que conhece desde a altura em que foi seu professor -, tem sido visível para quem quiser ler os sinais que o Presidente vai soltando com parcimónia, bom-senso e alguma discrição.

Esses sinais voltaram a ser visíveis esta semana quando na terça-feira o Presidente alertou para a necessidade de o primeiro-ministro estar atento à evolução dos indicadores económicos e à impossibilidade de falhar enquanto autor, executor e líder de uma proposta política para o país. Isto é, chamar a atenção para que Costa e o seu modelo de governação não venham a falhar. Até porque o falhanço do projecto de Costa significa o fracasso da recuperação que o país tem feito desde 2011.

Como o PÚBLICO noticiou, o Presidente da República fez questão de avisar o primeiro-ministro de que “2016 e 2017 não são e nunca poderão ser 2011”. Didático e para que restassem dúvida a ninguém tratou de explicar o que queria dizer ao explicitar que em relação ao investimento há que ter o cuidado de “não o retrair”. Não poupando explicações defendeu: “Fomentar exportações e atrair investimento é essencial para evitar os problemas das contas externas. Controlar o défice no Orçamento do Estado é fundamental para evitar os contratempos das contas internas.” E alertou o primeiro-ministro para os riscos: “Não tem sido evidente que a evolução do investimento, das exportações e do próprio consumo interno permita antever o crescimento.”

Com a mesma lisura com que a 24 de Maio declarou que estava disponível a dar tempo para Costa exercer o Governo sem impedimentos: “Desiludam-se aqueles que pensam que o Presidente da República vai dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas.”

Só não percebe quem não quer. Marcelo está a dar a corda a Costa, na expectativa de ver se ele se enforca nela. E com ele o país.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários