Os privilegiados que vivem entre a política e os negócios

Este mês de Setembro tem sido uma fartura de notícias de titulares ou ex-titulares de cargos políticos que foram condenados, acusados ou são suspeitos de negócios ou comportamentos menos claros envolvendo a política e negócios.

O primeiro caso foi o de Armando Vara. Condenado a cinco anos de prisão por três crimes de tráfico de influência. Os juízes deram como provado que o ex-ministro adjunto recebeu 25 mil euros de um sucateiro como compensação pelas diligências por si empreendidas a favor das suas empresas.

O segundo caso foi o de Maria de Lurdes Rodrigues. Condenada a uma pena suspensa de prisão de três anos e meio e ainda a pagar ao Estado 30 mil euros por ter violado a lei, ao contratar por ajuste directo, quando era ministra da Educação, o irmão do dirigente socialista Paulo Pedroso. Os juízes consideraram provado que a não existência de concurso público foi motivada por afinidades pessoais e político-partidárias.

O terceiro caso foi o de Luís Filipe Menezes. Não foi condenado e nem é acusado. Mas a Visão diz que a Justiça está a investigar várias alegadas irregularidades nas estruturas locais e nacionais do PSD, nomeadamente em Gaia, no tempo em que Menezes era o presidente da câmara. Um caso onde alegadamente há de tudo: ajustes directos e concursos para campanhas do PSD, contas e facturas que não batem certo, contratações de agências de comunicação e empresas, e transferências bancárias pouco transparentes.

O quarto caso é o de Passos Coelho. Também não foi acusado e muito menos condenado. Mas ao longo da semana avolumaram-se suspeitas, já que o primeiro-ministro continua sem esclarecer se recebeu ou não dinheiro da Tecnoforma numa altura em que era deputado, aparentemente em regime de exclusividade. E a existir esses pagamentos se foram ou não declarados ao Fisco, partindo do princípio que deveriam ter sido.

Confrontado pelos jornalistas, Passos limitou-se a dizer que não se recordava. Disse aquilo que os advogados aconselham os seus clientes a dizer para não se comprometerem, nem com a verdade, nem com a mentira. E não vale a pena argumentar, como fazia ontem Teresa Leal Coelho na TSF, que o primeiro-ministro não tem de dar explicações porque isso seria inverter o ónus da prova. Em política, quando os eleitos estabelecem um contrato de confiança com os eleitores, os crimes não prescrevem e a inversão do ónus da prova é uma obrigação moral.

Este caso até é relativamente simples de resolver. Se o primeiro-ministro cometeu alguma ilegalidade no passado, demite-se. Aliás, como o próprio sugeriu que faria caso se viesse a detectar alguma ilegalidade. Muitos no passado nem sequer tiveram coragem de dizer isso. E depois desencadeia-se o processo político normal para empossar um novo primeiro-ministro. Se o país sobreviveu a três anos de troika, à queda de um grande banco e à demissão irrevogável de Paulo Portas também sobreviverá à queda de Passos Coelho. Caso haja uma explicação lógica, legal e convincente para as suspeitas, dada pelo próprio, pela Tecnoforma, pelo Fisco ou pelo Parlamento, o primeiro-ministro cumprirá o mandato para o qual foi eleito. E quem se precipitou em acusá-lo de alguma coisa deverá retractar-se.

Quer Armando Vara, quer Maria de Lurdes Rodrigues têm direito a recorrer das decisões dos tribunais. E quer Luís Filipe Menezes, quer Passos Coelho têm direito a defender o seu bom-nome. Mas entre todas estas condenações, investigações e suspeitas há um denominador comum; uma aparente promiscuidade entre negócios e política. Como dizia há dias o próprio Passos Coelho na Festa do Pontal, na altura a propósito do caso BES, "vamo-nos apercebendo bem dos privilégios – para não dizer da falta de ética – de muita gente que vivia entre a política e os negócios e os negócios e a política”.

Hoje em dia todos nós estamos bastante menos tolerantes para situações de promiscuidades, de cunhas, de favores, de esquemas, de privilégios, de chico-espertismo. E ainda bem que estamos. Mas não chega. É preciso apertar a malha legal. Um bom ponto de partida seria olhar para o projecto de lei que foi apresentado na semana passada por António José Seguro para alterar o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos. Pode gostar-se mais ou menos de Seguro, e até se pode questionar o timing da proposta; mas é incontestável o valor de algumas delas.

Se proibirmos os deputados de exercer funções de peritos, consultores ou árbitros em qualquer processo em que o Estado seja parte; se obrigarmos os titulares de cargos políticos a revelar a origem dos seus rendimentos, com a indicação das entidades pagadoras; ou se garantirmos que através de um cruzamento de dados se pode fiscalizar a veracidade das declarações de património e rendimentos; então muito provavelmente o caso Tecnoforma – ou aquilo que alguns pensam ser o caso Tecnoforma – não existiria. Aliás, a questão da fiscalização é vital. Como dizia este fim-de-semana Luís de Sousa, presidente da Transparência e Integridade, “há várias entidades que fiscalizam em teoria estas questões, o Tribunal Constitucional, a PGR, a Comissão de Ética do Parlamento, mas a verdade é que não fiscalizam na prática”. Enquanto não dermos este passo vamos continuar a suspeitar, a acusar, a condenar e a lamentar aqueles que vivem entre a política e os negócios.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários