“Os meus heróis e os meus cowboys eram as personagens da Bidonville

O realizador Christophe Fonseca nasceu em 1977 em Champigny, cinco anos depois de o bairro de lata que ficou conhecido como Bidonville ter sido extinto. Mas foi este lugar que acabou por definir o rumo da sua vida.

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"Toda a minha vida é marcada pela história da Bidonville de Champigny", diz Christophe Fonseca Daniel Rocha

Autor do documentário Amadeo de Souza Cardoso: o último segredo da Arte Moderna, feito a propósito da exposição internacional do pintor no Grand-Palais e já exibido pela RTP em Abril, o realizador Christophe Fonseca nasceu em 1977, em Champigny, nos arredores de Paris. Nasceu cinco anos depois de o bairro de lata que ficou conhecido como Bidonville ter sido extinto. Mas foi este lugar, visitado neste sábado pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro de Portugal, que acabou por definir o rumo da vida de Christophe Fonseca, como ele conta aqui na primeira pessoa.

“Toda a minha vida é marcada pela história da Bidonville de Champigny, pelo exemplo na família de pessoas que fugiram de uma ditadura… O meu pai fugiu de Portugal aos 17 anos, passou a pé pelas fronteiras de dois países em ditadura e chegou aqui a um bairro de lata sem quase nada…O meu avô também, os meus tios, os meus primos…

Se tenho hoje uma paixão pelos documentários foi porque desde muito jovem ouvi contar essas histórias. Fui tentar encontrar imagens, andei em videotecas, queria perceber o que era. A primeira vez que vi essas imagens, chorei. Chorei porque nunca imaginei que eles tinham passado por condições daquelas.

Quando eu os vi cheios de ranho e fuligem, do fumo do carvão com que eles se aqueciam, sem água, no meio da lama, tive muitas emoções ao mesmo tempo. Vergonha e orgulho ao mesmo tempo, porque vi o caminho deles, de onde vieram, aonde chegaram. Acho que nunca se fez nada de igual. Como é que este povo veio para um país distante, sem falar a língua, sem condições nenhumas, sem condições sociais, debaixo de neve – no Brasil, ao menos, os bairros de lata têm sol.

Isto foi algo que sempre me deu muita força. Eu nunca desisti de nada. Quando quis ser realizador, sabia que era uma área muito fechada, que era preciso ter cunhas – que eu não tinha –, sabia que ia ter de lutar muito.  Cada vez que ia pousar um pé em terreno difícil, achando que nunca ia conseguir, lembrava-me deles: eles passaram por coisas mil vezes piores. Nunca posso abandonar isto. Tenho de continuar. É daí que vem a minha força, mesmo aquela que me faz promover Portugal além-fronteiras.

Eu cresci a ouvir o meu pai, os meus tios, a contar estas histórias, os meus heróis e os meus cowboys eram as personagens do Bidonville. Todos os meus filmes [Second plan (2005), Des femmes en blanc (2008) e Sem Ela (2003)], que já atingiram milhões de pessoas, é para eles que eu os faço. Foram eles que me transmitiram esse amor por Portugal.

Para quando um documentário sobre a Bidonville? Estamos a prepará-lo, é difícil, mas estamos a prepará-lo. Se eu tivesse que fazer só um, era este. É o projecto da minha vida”.

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