Os documentos que podem explicar o fim do BES

Mariana Mortágua, deputada do BE, quer ter acesso à correspondência trocada entre o banco, os auditores, os reguladores, as autoridades europeias e o Governo. Comissão de inquérito deve reunir-se na próxima semana.

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Ricardo Salgado apresentou resultados Rui Gaudêncio

É no início que se tomam muitas das decisões importantes para um inquérito parlamentar. O que é, desde logo, difícil. Numa fase inicial, como esta, em que os deputados ainda não ouviram um só depoimento, têm à frente um alvo desfocado, gigantesco. Criada no dia 9 de Outubro, e ainda sem se ter reunido uma só vez, a comissão parlamentar que investiga a gestão do BES e do Grupo Espírito Santo tem à sua frente dúvidas a mais.

Mariana Mortágua é, aos 28 anos, uma das deputadas mais novas do Parlamento. Deixou, em Londres, um doutoramento em Economia a meio, para se sentar em São Bento. E agora tem de escolher bem as suas dúvidas. Já enviou uma lista com 24 pedidos de documentação, diversa. Mas já a foi acrescentando. Por exemplo: tinha pedido “toda a correspondência trocada, incluindo a electrónica” entre os auditores da KPMG, o Banco de Portugal (BdP), a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), as instituições europeias e o Governo. Mas entretanto acrescentou ao pedido outros destinatários das conversas. “Pedimos também a correspondência trocada entre o Ministério das Finanças e a Presidência do Conselho de Ministros”, adianta. E ainda as trocas de mensagens entre o BdP e o BES.

Porque os detalhes são muito importantes, os deputados têm de se certificar que as suas dúvidas podem ter uma resposta, por mais difícil que seja encontrá-la. E, neste caso, a principal dúvida da deputada é: “Quando é que este problema no GES começou a ser identificado?” 

A correspondência que agora requereu deve ser pedida, formalmente, às várias entidades que a guardam, quando a comissão se reunir pela primeira vez, talvez na próxima quinta-feira, 23, data em que se esgotam os 10 dias úteis que todos os grupos parlamentares têm ao ser dispor para propor audições e requerer documentação.

Fernando Negrão, PSD, é o presidente da comissão e confirmou ao PÚBLICO que, até agora, apenas o PCP (partido que propôs o inquérito) e o BE apresentaram propostas de depoentes e pedidos de acesso a documentos. PSD, PS e CDS ainda não o fizeram, e dispõem ainda de seis dias para o fazer. O PCP apresentou uma lista com 56 testemunhas a ouvir.

O normal é que, nesta fase, todas as propostas sejam aprovadas. Muitas serão, aliás, repetidas, entre os cinco partidos. É natural que todos queiram ouvir Ricardo Salgado, que era o homem-forte do grupo e do banco quando o império Espírito Santo ruiu.

Mas é, também, natural que os partidos da oposição se queiram centrar, mais do que a maioria, no apuramento de responsabilidades políticas recentes. Mariana Mortágua aponta outra dúvida: “Porque não houve uma intervenção mais cedo? O BdP parece ter esperado que a situação se resolvesse por si…”

E nestes último ano há, ainda para mais, vários momentos distintos a analisar: as primeiras notícias de dificuldades sérias no GES, há um ano, e “os três dias”, entre 28 de Julho e 2 de Agosto, que ditaram o processo de “resolução” do banco, e a sua separação em Novo Banco e “banco mau”. Mariana Mortágua requer, também, as listas de “activos/passivos” dos dois ramos do antigo BES. Bem como o “detalhe da exposição actual do Grupo CGD ao BES e ao Novo Banco”. E todas as operações de crédito da Caixa ao BES desde 2000. O pedido estende-se, também, ao universo off-shore do GES. E, como seria de esperar, às auditorias à PT que revelaram a exposição da empresa de telecomunicações ao grupo financeiro. Mas é natural que ainda falte consultar muito mais documentos. "Não ponho de parte a hipótese de que tenhamos de ir recuando no tempo", assegura Mariana Mortágua.

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