Os cordeiros da Páscoa

Quantas cabeças rolarão para segurar a do secretário de Estado Paulo Núncio?

Ainda só estamos na Quaresma, mas já há dois cordeiros da Páscoa. Nenhum foi servido em sacrifício para limpar os pecados do mundo, como relata João, no Velho Testamento, mas por uma causa bem mais prosaica: passar uma esponja pelos pecados do Governo no caso da lista VIP. O plano é canhestro, mas até agora eficaz.

Se houver muitos cordeiros para sacrificar, com sorte as demissões não atingem o executivo. Há dois dias saiu António Brigas Afonso, director-geral da Autoridade Tributária, ontem José Maria Pires, subdirector-geral da Justiça Tributária e Aduaneira, amanhã – quem sabe? – pedirá a exoneração o subdirector-geral dos Impostos, ou o director da Segurança Informática, ou o responsável pelo departamento de Auditoria Interna, todos sob a mira do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, que os acusa de compactuar com práticas ilegais. O caso é grave. Sem rodeios, do que se trata é de o Estado assumir que só garante sigilo fiscal a um grupo restrito de cidadãos, o que, na prática, se traduz num tiro de canhão no Estado de direito democrático e num pontapé monumental na idoneidade da máquina fiscal. É por isso difícil entender que, por esta altura, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais continue a achar que tem condições para se manter em funções. Mesmo na hipótese, benigna, de Paulo Núncio ignorar que nos serviços sob a sua tutela está a ser desenvolvido um “mecanismo de alerta de determinados contribuintes e verificação da legalidade das respectivas consultas”, como diz Brigas Afonso na sua carta de demissão à ministra das Finanças, é evidente a sua responsabilidade política e óbvia a fragilidade da sua posição. Que confiança se pode ter num governante que não sabe o que se passa nos organismos sob a sua alçada? Quem garante daqui para a frente que, sob a responsabilidade máxima de Paulo Núncio, o fisco actua dentro da mais estrita legalidade?

Mas nada pode minar mais a credibilidade e a consequente autoridade de um governante do que a existência de dúvidas sobre a sua actuação. Ora essa dúvida está instalada no caso do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que teve em todo este processo uma actuação errática, contradizendo-se, dando garantias que não podia dar sobre o comportamento dos serviços e arrastando consigo o próprio primeiro-ministro e a titular das Finanças, que responderam politicamente pelo assunto baseados nas certezas de Núncio. A delicadeza da posição do governante é tal que nem o seu próprio partido, o CDS, se preocupou em assumir a sua defesa em sede do Parlamento, como aconteceu há dois dias quando o tema foi debatido no plenário. No momento em que a certeza sobre a existência de uma lista de protegidos das autoridades tributárias deixou de ser uma espécie de conto para crianças para grande parte da opinião pública, Paulo Núncio vai responder às perguntas dos deputados. Depois é esperar. Se sai ou se continuarão a rolar cabeças para segurar a sua.

 

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