Os acordos estão em aberto no futuro do PS

Se o PS ganhar as eleições mas não conseguir a maioria absoluta no Parlamento, como formará Governo? Coliga-se ou faz acordos parlamentares? Avançará para um Governo de esquerda ou reedita o Bloco Central? O PÚBLICO procura antever o que farão Seguro ou Costa.

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"Penso que Costa gostava de ser ele a tentar uma coligação com o PCP", diz António Barreto Nuno Ferreira Santos

O tipo de acordos ou de coligações de governo que estarão disponíveis para fazer é um dos critérios de avaliação entre António José Seguro e António Costa na qualidade de candidatos às eleições primárias de 28 de Setembro para a escolha do candidato a primeiro-ministro que o PS vai apresentar às legislativas de 2015.

Não há certezas sobre como se poderão comportar no caso de serem líderes de um PS que saia das urnas vitorioso, mas sem maioria absoluta. As opiniões divergem entre os estudiosos – António Barreto, André Freire e Marco Lisi – e os dirigentes do PS – Alberto Martins e Ferro Rodrigues – ouvidos pelo PÚBLICO.

Marco Lisi, professor de Ciência Política da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, salienta que, “em geral, todos os líderes do PS têm tido a postura de tentarem a maioria absoluta e governarem sozinhos”, mesmo quando não o assumem explicitamente. Mas frisa que “o cenário de um partido ter a maioria absoluta é cada vez mais improvável”.

Uma dificuldade que se agrava no PS, prossegue este especialista em PS. “É importante reter que, no segundo Governo de José Sócrates, confirmou-se uma realidade que era já perceptível com António Guterres, a de que os governos sem maioria absoluta não chegam ao fim”. E Lisi advoga que “o PS tem de ponderar o cenário de não ter maioria absoluta” e de, por isso, ter de entrar em entendimentos.

Neste caso, há vários tipos de estratégias a seguir, recorda Lisi. “Os acordos de coligação ou de cooperação não são apenas os que levam a incluir membros de outro partido no Governo”. Acrescenta assim que “podem fazer-se acordos parlamentares, sectoriais ou de viabilização de lei a lei”.

Ambas as situações foram seguidas no passado pelo PS. Os dois Governos minoritários de António Guterres (1995-1999 e 1999-2002) foram navegando à vista de acordos parlamentares de ocasião: revisão constitucional negociada com o PSD, reforma da segurança social com a abstenção do PCP e até os famosos Orçamentos do Estado com o voto limiano, ou seja, com o voto do deputado do CDS Daniel Campelo, antigo presidente da Câmara de Ponte de Lima.

Também José Sócrates, depois da sua maioria absoluta (2005-2009) teve de governar com entendimentos sectoriais no seu segundo mandato (2009-2011). Isto depois de, em 1978, o PS liderado por Mário Soares ter-se aliado ao CDS, que sentou no Conselho de Ministros Álvaro Sá Machado, Basílio Horta e Rui Pena. E de, em 1983, o mesmo Soares ter feito o Governo do Bloco Central com o PSD de Carlos Mota Pinto, que cairá em 1985, após a ascensão de Cavaco Silva à presidência do PSD.

PS é centrista
Analisando a tendência que é mostrada pela tradição dos socialistas, André Freire, investigador e professor de Ciência Política do ISCTE, sublinha que “o PS é muito centrista, é obrigado a manter a sua governação com o apoio da direita”. O investigador considera que “o problema não é só do PS”, mas a realidade é que “o seu histórico é esse”.

Freire advoga que “este é um problema de vontade”. E defende que “o PS tem mais responsabilidade pois tem mais peso, pode obrigar a compromissos, fazendo cedências”. Admite ainda que “os pequenos partidos têm peso político maior do que o seu peso eleitoral”. Exemplo disso, diz, “é o caso do CDS, se sair do Governo a coligação desaparece”. Mas conclui: “Não são os pequenos que vão ao leme. Os partidos devem dar sinais se quiserem coligar-se.”

Quanto a saber quem será o ou os parceiros que o PS virá a privilegiar e quais as diferenças a este nível que existem entre Seguro e Costa, Lisi antevê que o PS fará acordos à sua direita. “No cenário actual, não há dúvida que aliança à esquerda é inviável. Os partidos têm posição sobre questões sociais e económicas tão diferentes que tal não é viável.”

E reflecte sobre como “Portugal é um caso singular”, já que “há uma grande distância de propostas e de posições entre o PS e os partidos à sua esquerda que são do sistema e que estão no Parlamento”, para lamentar que “é pena que não haja essas alternativas de coligação à esquerda em Portugal. Devia haver esforços dos dois lados e uma troca mútua.”

Concretizando, Lisi afirma que “os dois farão mais facilmente coligações com a direita”. E garante que “António Costa é o que está mais à vontade para fazer com o PSD e o CDS, não tem compromissos atrás”. Já Seguro, acrescenta, rejeitou o ano passado e tem feito críticas e oposição activa ao Governo. Mas é normal que o PS faça com a direita.”

Opinião contrária tem o sociólogo António Barreto, até há semanas presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Defende que após as legislativas o PS não hesitará em fazer acordos à esquerda, ainda que “nunca o diga expressamente” antes das urnas. “Estou convencido que ambos os grupos, o de Costa e o de Seguro, estão preparados para dizer que não estão amarrados” aos compromissos com a política de austeridade, uma vez que “ambos disseram que se podem abrir portas à esquerda, ambos olharam já para a esquerda”.

Impor-se ao PCP
Barreto não considera que há uma experiência a fazer que passa por forçar o PCP a participar num Governo. Uma tentativa que, afirma, “surge como um paradoxo”, já que o anticomunismo é intrínseco à história do PS. “A grande fortuna de Mário Soares foi o anticomunismo. O que fez Mário Soares em 1975 foi o anticomunismo. É genético no PS e esse facto é um seguro de vida para a direita.” Isto porque, “o PSD e o CDS sabem que PS nunca fará acordo com o PCP”. Para mais quando o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, já disse que só há acordo nas condições do PCP.”

Verbalizando uma tese que é comum a algumas personalidades do PS, Barreto defende que cabe ao líder do PS que ganhe legislativas impor ao PCP e ao BE um acordo de governação, obrigá-los a vir a jogo e a participarem. “Quase que apetece dizer que uma solução para a esquerda era rever a situação dos últimos 40 anos. Isso é possível se o PS tiver a maioria absoluta. Pode chamar o PCP e impor-lhe um acordo, como fez François Mitterrand, em França, em 1981”, argumenta Barreto.

Indo mais longe, o sociólogo afirma: “Penso que Costa, no fundo, gostava de ser ele a tentar uma coligação com o PCP, mas vai ter medo de dizer.” Já sobre o actual secretário-geral, Barreto acrescenta: “Seguro não quer, ao contrário de Costa, mas será pressionado pelos barões do partido e por Mário Soares.”

A dificuldade de levar o PCP a aceitar um acordo é real e está presente no discurso de vários dirigentes do PS. E mesmo o facto de em 1989 ter havido uma coligação entre socialistas e comunistas para a Câmara de Lisboa liderada por Jorge Sampaio, que então foi eleito presidente da Câmara, o que é facto é que tal opção nunca foi bem digerida quer dentro do PCP quer dentro do PS.

A aproximação a PCP foi olhada de lado pela elite socialista vinda da clandestinidade, mas também pelos jovens dirigentes que se afirmariam no consulado de Guterres. E ainda hoje há personalidade do PS que sublinham que a época é outra e o PCP é outro hoje, bem como frisam que uma coisa é um acordo concreto para uma Câmara, outra coisa é a governação do país.

Supervisionadas por Lopes Cardoso, pelo PS, e por Domingos Abrantes, pelo PCP, as negociações foram protagonizadas pelo comunista Luís Sá e pelo socialista Eduardo Ferro Rodrigues. E é do domínio dos bastidores da política que Álvaro Cunhal – ausente na União Soviética durante as negociações para ser operado a um aneurisma – não gostou da ideia e que responsabilizou sempre esta iniciativa pela erosão eleitoral que os comunistas vieram a sofrer.

O líder parlamentar dos socialistas, Alberto Martins, é peremptório a afirmar que “o PS deve lutar por uma maioria absoluta, não deve fazer coligações pré governamentais e deve excluir o Bloco Central, com partidos responsáveis pela austeridade”. Com a mesma veemência – e sem querer particularizar diferenças de actuação entre Costa e Seguro –, defende que o PS “deve estar disponível para acordos com partidos de esquerda” que sejam de Governo ou “de incidência parlamentar”.

O peso dos novos
Martins lembra o que tem sido a evolução dos partidos sociais-democratas na Europa e a erosão eleitoral que têm sofrido para afirmar que “a nível europeu, vive-se um processo de mutação, uma grande evolução no sistema partidário”. Uma mudança que vai “no sentido de alterações da representação dos partidos tradicionais, fragmentação e até pulverização”. É por isso que sublinha: “A percepção dos cidadãos ao nível europeus relativamente à crise dos partidos tradicionais obriga-nos a repensar profundamente o sistema de participação dos cidadãos na vida democrática.”

As alterações na divisão parlamentar tradicional e o surgimento de novos partidos são aspectos destacados também por André Freire, para quem “as novas forças políticas podem ser coligáveis, tanto com Costa como com Seguro. O MPT e o Livre são partidos pragmáticos.” E explica que “Marinho e Pinto fará acordo com a direita e com a esquerda” e o “Livre em Lisboa, com os votos das europeias, elegeria dois, o que o torna também num potencial aliado”.

Mas Freire vê diferenças claras entre Seguro e Costa. Sobre Costa considera que ele “tem o registo e o histórico de quem já tentou e de quem já fez” acordos na Câmara de Lisboa. Mas considera que o actual secretário-geral “não tem comportamento igual ao longo do mandato”, para sublinhar que “o registo, o histórico de Seguro diz que ele mais provavelmente fara coligação ou acordos com a direita”.

E pormenoriza que “o registo de Seguro, desde 2011 até final de 2012, que é quando começa a divergir, não é de oposição, o PS absteve-se no Orçamento”. Ora, “o Governo tinha maioria absoluta, o PS podia não se abster. Foi colaborante.” Uma opinião que demonstra com números. “No Parlamento, até final de 2012, o PS votou 25% das vezes contra as propostas do Governo, 15% das vezes abstiveram-se e o restante votaram a favor de diplomas do Governo”, salienta, para defender: “Ou seja, o PS foi suporte da direita. Só após a crise da TSU, em Setembro de 2012, começam a divergir. Em 2012 quando os deputados tentaram a fiscalização sucessiva do Orçamento do Estado pelo Tribunal Constitucional, Seguro não deixou.”

Já o antigo secretário-geral, Eduardo Ferro Rodrigues, considera que o PS terá de dinamizar uma aliança ampla e diversa de partidos e de movimentos sociais, preferencialmente de esquerda, mas que deverá abranger o centro-direita. “Já escrevi que o país está numa situação tão grave que tem de ser encontrada uma plataforma de coesão política interna mais ampla do que tem sido tentado e que seja contar a política de austeridade, uma plataforma que vá do centro direita à esquerda”.

No caso de uma vitória do PS nas legislativas, “haverá também uma derrota do PSD”. Isto possibilita o entendimento. “O acordo não pode ser com este PSD, mas há no PSD muita gente que está sem expressão no seu partido, que está contra a política de Passos Coelho e esses vão emergir. Após a derrota eleitoral deste Governo e haverá uma nova realidade no PSD.” E sublinha que “o país vive uma situação do tipo do que se viveu após o 25 de Abril em que o Governo incluiu todos os partidos”.

Na opinião do antigo líder esta estratégia será melhor desempenhada por António Costa. “No plano partidário, depende dos resultados e da força do PS e da personalidade do primeiro-ministro e da vontade que este tenha de juntar aqueles que não estão nos partidos, mas que poderão agora sentir-se representados pelo Governo se este for liderado por António Costa. Um Governo que consiga a nível europeu ter capacidade de encontrar fórmula de negociar pacto orçamental.” E reforça esta ideia, argumentando: “António Costa tem demonstrado essa capacidade na Câmara, demonstrou capacidade de construir pontes na prática.

Mas alerta que a solução tem de começar por conteúdos programáticos e não por lugares na mesa do Conselho de Ministros: “É fundamental que haja acordo sobre programa de emergência para Portugal. É necessário que haja acordo sobre a economia, sobre os aspectos sociais e sobre a política europeia. É um trabalho a começar desde já, para encontrar propostas que não sejam de ruptura com o sistema, mas que respondam aos problemas nacionais Primeiro, é preciso encontrar um programa. Depois se vê se esse programa é traduzível em lugares, depende dos conteúdos.”

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