Orçamento aprovado, Governo e PS de costas voltadas

No encerramento do debate sobre o Orçamento do Estado, a ministra das Finanças sublinhou o carácter transitório da redução dos salários na função pública e pensões.

No dia em que a maioria PSD-CDS aprovou sozinha a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2014, ficou ainda mais claro que o Governo e o PS estão de costas voltadas. O PSD atirou directamente a António José Seguro, acusando-o de estar à sombra de Sócrates e de Soares. O líder dos socialistas falou em "farsa do consenso" e considerou o Orçamento uma "provocação constitucional". Do Governo já não se ouviu nenhum apelo ao diálogo.

Em frente ao Parlamento milhares de pessoas protestavam contra o OE, numa iniciativa da CGTP. Nas galerias sentava-se uma delegação da direcção da UGT, liderada por Carlos Silva, secretário-geral desta central sindical.

A oposição em bloco votou contra o OE para 2014. Nas bancadas da maioria só o deputado do CDS eleito pela Madeira, Rui Barreto, alinhou ao lado da oposição, pelo segundo ano consecutivo, por causa de receitas que deveriam reverter para a Madeira e por considerar a sobretaxa do IRS inconstitucional.

No discurso do encerramento do debate, o secretário-geral do PS justificou as razões que levaram a bancada a votar contra o OE: "Este Orçamento transporta consigo a marca do empobrecimento e da desigualdade social. Mas há mais quatro marcas que não podemos deixar passar em claro: a marca da provocação constitucional, a marca da farsa dos consensos, a marca do preconceito contra tudo o que é público e a marca da hipoteca do nosso futuro."

Seguro criticou directamente as pressões que têm sido exercidas sobre o Tribunal Constitucional (TC). "Este OE ficará conhecido por ser o Orçamento da provocação constitucional, e não apenas por conter normas de duvidosa constitucionalidade, mas pela narrativa de constante provocação ao Tribunal Constitucional", afirmou. "Essa clara afronta a um órgão de soberania é ilegítima num Estado de direito", defendeu.

Mas a farpa não era apenas para o Governo e Seguro lembrou intervenções vindas da Europa, em especial de Durão Barroso: "Nunca em Portugal se tinha visto, e esperamos não voltar a ver, um primeiro-ministro assistir sem reacção a uma ameaça do presidente da Comissão Europeia sobre o TC."

Para o secretário-geral do PS, "se Portugal não regressar aos mercados de modo independente, a responsabilidade nunca poderá ser atribuída a quem cumpre a Constituição. O Governo que assuma as suas responsabilidades e não se esconda atrás do TC", defendeu.

Seguro afirmou depois que o debate do OE fez cair "a máscara do consenso", pois, apesar de o PS ter apresentado 26 propostas de alteração, o Governo recusou praticamente todas as sugestões do PS, como o pagamento do IVA às empresas, a redução do IVA na restauração, o aumento do subsídio social do desemprego, o aumento de verbas para o ensino superior, uma taxa sobre as PPP e o fim da isenção do IMI para os fundos imobiliários.

Se dúvidas havia sobre o clima entre o PS e o PSD, desfizeram-se com o discurso do líder da bancada social-democrata. Luís Montenegro afirmou que o líder do PS só terá vontade para o diálogo "quando se libertar de uma liderança ensombrada pelo ex-líder [José Sócrates] e pelo fundador [Mário Soares] alternadamente".

Montenegro questionou: "Afinal quem faz hoje a agenda do PS? O seu secretário-geral?" E de seguida deu a resposta em forma de pergunta: "Ou essa ala magna que instiga a quebra de urbanidade e do respeito democrático que exige, de uma assentada e cumulativamente, a queda do Governo, a queda do Parlamento e a queda do Presidente da República?"

Montenegro referia-se ao encontro das esquerdas, realizado na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, na passada quinta-feira, onde Mário Soares exigiu a demissão do Governo e do Presidente da República. "Onde está a defesa do Estado de direito e a defesa da Constituição da República?", interrogou-se o social-democrata, tendo sido aplaudido pela bancada do PSD. Um discurso muito agressivo para com o PS, em contraste com o do CDS, que poupou os socialistas.

Na ala mais à esquerda do Parlamento, a contestação ao OE andou muito à volta das promessas quebradas do Governo, das críticas às novas medidas de austeridade que o documento preconiza para o próximo ano e da ideia de que o executivo tem uma imagem errada do país real.

O PCP, pela voz de António Filipe, lembrou que o anterior ministro das Finanças deixou a "carruagem" do Governo admitindo o falhanço das suas políticas de austeridade, mas afinal as suas teses continuaram a ser aplicadas "a todo o galope" pelo executivo.

Mas se este Governo tem muitas culpas pela situação actual, não é só de Passos Coelho que os portugueses se devem queixar, realçou. Os socialistas, vincou, também assinaram o memorando com a troika, que acabou por tornar o país no que é hoje. "Nenhum dos três partidos que governaram o país nas últimas décadas pode ser isento de responsabilidades pela grave crise em que o mergulharam, mas um governo que se prepara para fazer aprovar o seu terceiro Orçamento do Estado não pode apresentar-se perante esta Assembleia e perante o país no papel da vítima indefesa, como se fosse inimputável", avisou António Filipe.

A coordenadora do BE Catarina Martins enumerou as metas previstas e falhadas pelo executivo – o desemprego seria em 2014 de 12%, mas está nos 17,7%; o crescimento seria de 2,5%, mas agora já se prevê de 0,4%, a que se soma o crescimento da dívida em 20 mil milhões de euros acima das estimativas. Perante tal cenário, diz o BE, a única solução do Governo é "demitir-se". "Para que com renovada e reforçada legitimidade interna e externa se resgate o Estado e a economia da tirania da dívida e do directório europeu", argumentou.

Heloísa Apolónia, de Os Verdes, definiu o OE2014 "como um dos instrumentos mais macabros para os portugueses e para o país" e apelou a que o Presidente peça ao TC a fiscalização preventiva, porque "não pode valer tudo a qualquer preço".

Momentos antes da votação, e depois de ser interrompida por gritos de manifestantes nas galerias a pedir a demissão do Governo, a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, deu um recado ao TC quando reforçou o carácter transitório dos cortes, incluindo os que estão previstos no diploma da convergência das pensões. "Os mais críticos defendem que a repetição das mesmas, em anos consecutivos, as caracteriza como permanentes. Assim, quero aproveitar esta oportunidade para recordar que transitoriedade não significa anualidade", afirmou, citando o acórdão do TC de 2011 sobre os cortes salariais na função pública.

"Esta interpretação aplica-se de forma directa à alteração da política remuneratória proposta para 2014 [corte salarial entre 2,5% e 12% a partir dos 675 euros na função pública e empresas públicas], quer pela igualdade das circunstâncias, quer por se tratar de uma medida de natureza idêntica", afirmou, acrescentando que também se aplica aos mecanismos de convergência de pensões entre a Caixa Geral de Aposentações e a Segurança Social. "Com efeito, embora esta iniciativa legislativa tenha como objectivo global corrigir desequilíbrios estruturais do sistema de pensões, a alteração retrospectiva nela contida justifica-se, tal como a redução remuneratória, pela excepcionalidade das condições actuais", afirmou.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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