O último Presidente

Desde o final do seu primeiro mandato que o Professor Cavaco Silva se empenhou, com persistência e método, na erosão da função presidencial.

O Professor Cavaco Silva foi o político que ocupou, durante mais tempo, os mais altos cargos do regime democrático em Portugal: 4 maiorias absolutas, 10 anos Primeiro Ministro e 10 anos Presidente da República.

Não foi um protagonista da transição para a democracia nem sequer da consolidação democrática. Mas,  governou na década de ouro da convergência europeia e foi Presidente durante a crise mais grave do Portugal democrático.

Porque sai com os níveis mais baixos de popularidade de todos os Presidentes eleitos da Democracia? E porque deixa a função presidencial, política e institucionalmente, vazia?

Precisamente, por razões de natureza política e institucional. A Constituição define os poderes presidenciais, mas confere ao Presidente uma larga margem de manobra e é essa que deixa a marca do seu exercício. Ora, em boa verdade, a função presidencial foi sendo construída ao longo do mandato dos três Presidentes anteriores. E construída, sobretudo, nos momentos de crise. Foi nas crises que Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, foram construindo a função presidencial. Sabendo constituir-se como o árbitro acima dos jogadores, sabendo ter  a palavra certa no momento certo.  Isto é, construindo a magistratura de influência, essa versão republicana do poder moderador do Rei, que é, no fundo, onde reside a “Auctoritas” do Presidente.

Ora, desde o final do seu primeiro mandato que o Professor Cavaco Silva se empenhou, com persistência e método, na erosão da função presidencial. Economista reconhecido e político experiente, sabia a gravidade da crise que se aproximava e sabia, certamente, que a estabilidade política e um governo forte eram condições essenciais para enfrentar a crise.  Pois o que fez o Presidente Cavaco Silva? Nas eleições legislativas de 2009 – quiçá preocupado com a reeleição – em vez de procurar um compromisso político alargado, dá posse a um governo minoritário do PS. Em 2011, no pico da crise, quando a Troika entra em Portugal e era evidente que era preciso muito mais que a maioria  governamental PSD/CDS, deixa o PS excluído. E, em 2013, quando o erro era já  de tal modo evidente faz, então, um apelo desesperado aos partidos para encontrarem um consenso. Em menos de uma semana, num gesto inédito, os três partidos, PSD, CDS e PS, apresentam solenemente, um rotundo NÃO ao Presidente. Se é que ainda existia, terminou aí a magistratura de influência.

Quando era preciso silêncio, o Presidente falou. Quando era preciso falar o Presidente fez silêncio. E quando, finalmente, se dispôs a fazê-lo, era tarde demais. Tinha perdido toda a sua “Auctoritas”. Já não era árbitro. E viu-se no meio do jogo, jogador como os outros, até ao fim do mandato. O processo atribulado da formação do actual governo não é mais do que isso: o fim do percurso.

A esta razão política, junta-se outra institucional. É que a última crise, sendo uma crise nacional era também, e essencialmente, uma crise europeia. E o Presidente não é um actor europeu. Não tem poder, não tem competências, nem sequer assento no Conselho Europeu. E talvez por isso, durante a crise, o Presidente não fez mais que reproduzir as posições do Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças ou do Governador do Banco de Portugal. Viu-se, assim, institucionalmente limitado, politicamente irrelevante e, por fim, co-responsável pela crise.

Como é óbvio a crise não acabou. E sem maioria parlamentar sólida e coerente, a maioria presidencial tenderá a dar ao Presidente eleito um poder cada vez maior e um papel cada vez mais importante. Eis o desafio do Professor Marcelo Rebelo de Sousa: restaurar o prestígio do Presidente e o sentido da função presidencial.

Professor universitário e ex-ministro

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