O Tribunal Constitucional e o Elogio da Loucura

Erasmo de Roterdão era um filósofo, um homem culto e inteligente. Por isso escreveu o seu Elogio da Loucura! Nele, Erasmo descreveu, em pormenor, o que designou por sua “seita”. Nesta, encaixou desde os oráculos, jogadores, teólogos, sábios e, evidentemente, além de muitos outros, os juristas.

Traçou-lhes, com ironia sagaz e mesmo satirizando, as “virtudes de carácter” mais salientes. Afagou estes últimos com uma tese profunda, escrita no séc. XVI mas, malograda e tristemente, vigente nos dias de hoje. Dizia ele que a comunidade dita jurídica, para utilizar a terminologia actual muito cara aos mesmos, se caracteriza por uma imensa vaidade, criando uma profusão de leis que não passam de um “amontoado de comentários, de glosas, de citações…”, assim fazendo “crer ao vulgo que, de todas as ciências, a sua é a que requer o mais sublime e laborioso engenho…”.

Erasmo não imaginaria quão premonitórias eram as suas palavras, afinal de um filósofo iconoclasta como era.

Vivemos um tempo em que os juristas fazedores de leis primam pela incorrecção, pela falta de qualidade do que legislam, pela confusão, pela vacuidade filosófica, pelos erros gramaticais, ao ponto de (isto é pensável?) se discutir se, na lei, deve estar um “de”, ou um “da”, daí resultando a capacidade para se ser elegível para certo cargo de exercício do poder autárquico.

Mas não ficamos por aqui.

Deparámo-nos, há uns dias para cá, com desafios governamentais e parlamentares a um tribunal, o Constitucional, a quem se pretende como que impôr uma certa leitura e interpretação da Constituição da República Portuguesa (CRP), de um diploma legal, o Orçamento do Estado (OE), precisamente aquela que agrada e se conforta na vontade do legislador. Com o farísaico argumento de que os juízes de um tal tribunal têm de ser “responsáveis” ao decidirem o que, desde o Presidente da República aos partidos políticos, lhe foi submetido a julgamento. Assim mal se dissimulando que os juízes não serão responsáveis se e quando decidirem que certa norma ou normas não se afeiçoam à CRP. Vai neste caminho sinuoso o princípio de séculos da separação de poderes!

Por seu turno, o Tribunal Constitucional debruça-se até ao âmago, há mais de 90 dias, para encontrar uma solução justa e constitucional sobra a temática que lhe foi submetida e que se resume à pronúncia sobre o juízo de constitucionalidade de meia dúzia de normas do OE. 

São assim os tribunais superiores em Portugal!

Pairam num Olimpo inatingível, olvidando as exigências da vida, o percurso da História, o apelo do Estado e seus cidadãos. Um dia, os Srs. Conselheiros, do alto da sua cátedra e do seu poder de soberania, irão publicar no Diário da República, várias páginas, dezenas de páginas, do seu saber fundamentado em citações, glosas, notas de rodapé, tratados de autores estrangeiros e nativos. Com a sua sapiente decisão, talvez imponham uma alteração profunda à nossa vida colectiva, sabe-se lá para melhor, sabe-se lá para pior. Mas não deixaram de a fabricar e publicar com atraso.

Os juízes são assim: independentes! Independentes de tudo! Mas não deviam ser, antes apenas independentes na interpretação e aplicação da lei, da CRP, dos outros poderes do Estado, que isso é que é a independência judicial.

O director do Jornal de Negócios, sintetizou tudo superiormente: “Portugal está à espera de Cavaco Silva, que está à espera do Governo, que está espera do chumbo do Tribunal Constitucional a medidas do Orçamento do Estado…”

O povo português espera por todos, pacientemente. Está espera!

Erasmo, do cimo da sua “loucura”, sorri. Ou chora?

Procurador Geral-Adjunto

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