O que tem de ser…

Quando as coisas se complicam, a discrição paga.

Quem ler, ou reler, hoje As Farpas de Eça de Queiroz, publicadas depois com o título de Uma Campanha Alegre, nota imediatamente que ele quase só trata dos grandes problemas da política portuguesa: a questão da Fazenda (das Finanças, como se diria agora), ou seja, da dívida e do défice, e a questão dos partidos, da sua legitimidade, vacuidade e semelhança.

A “questão da Fazenda” passa de Governo para Governo e de legislatura para legislatura, sem nunca se resolver e piorando sempre. Os partidos têm ostensivamente os mesmos princípios, mas dizem e fazem uma coisa na oposição e outra no poder. Nós rimos, mas vamos percebendo que a “questão da Fazenda” está para ficar e determina tudo; e que os partidos se confundem e repetem exactamente por causa da sua irremediável impotência.

Isto em 1871-2. Em 2015, entrámos no mesmo caminho, que de certeza irá durar umas dezenas de anos. Basta olhar para o caso exemplar do supostamente brilhante António Costa. Aclamado há três meses como salvador da Pátria, já anda, pobre homem, pelas notórias ruas da amargura. Porquê? Primeiro, porque se recusou a prometer fosse o que fosse de preciso e concreto, com o argumento que Portugal dependia dos credores e que não valia a pena decidir nada sem o acordo prévio dos credores (o Syriza acabava de lhe dar uma lição ardente). E, segundo, porque explicou a um grupo de investidores chineses que Portugal melhorara de 2011 para cá, compreendendo a tempo que, no essencial, será obrigado a copiar Passos Coelho. Ainda na véspera, a Comissão Europeia, embora com um elogio prévio à obediência indígena, anunciara que Portugal continuava com “desequilíbrios macroeconómicos” que impunham uma “vigilância” apertada.

Claro que, nestas circunstâncias, o PS de António Costa não subiu nas sondagens muito mais do que o PS de Seguro; e que não conseguiu abrir entre si e a coligação Portas-Passos Coelho uma distância significativa. O bom do eleitor, não sendo tão admiravelmente estúpido como os radicais da esquerda, não voltará a acreditar em parlapatices. Nem é de esperar que se deixe comover pela indignação “moral” da classe “dirigente” (que não vive mal) com as várias manifestações da sua miséria. Pelo contrário, é de esperar que lhe repugnem as dores desavergonhadamente teatrais que por ele tomam comentadores políticos de vária pena e espécie. Quando as coisas se complicam, a discrição paga.

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