O que falta?

Uma jornalista da Catalunya Ràdio perguntou-me recentemente se em 2015 em Portugal estávamos, tal como a Espanha, o Reino Unido ou a Grécia à beira de uma mudança radical. Respondi-lhe que não.

Gostava de lhe ter respondido que sim. Que passados três anos e após um resgate, mais forçado pela conjugação da pressão de tesouraria do sector bancário e pelo calculismo de um sistema político fragilizado, do que pela necessidade de impedir a catástrofe, tudo estaria a caminho de ser diferente. Mas não está.

O ano de 2015 em Portugal não será, tanto quanto um exercício de prospectiva assente em leitura de sinais fracos deixa antecipar, um ano de mudança radical.

Poderá sempre surgir um evento solto que espolete um dominó de outros eventos, mas tal está ainda na esfera da imprevisibilidade.

As legislativas parecem não oferecer grandes mudanças, apenas apresentam rearranjos de equilíbrios. No geral as sondagens mais recentes mostram que os que desistiram até hoje de votar em partidos continuam convencidos que nada aconteceu ainda que os faça mudar de opinião e regressar.

E sem o regresso deles (os abstencionistas e os votantes em branco) ao jogo eleitoral tudo continuará em Portugal a resumir-se à legitimidade dos que votam porque decidem ainda tentar acreditar no sistema e decidir a vida dos restantes. 

Ou seja, em 2015 continuaremos o longo caminho da erosão da credibilidade da democracia portuguesa, até que um líder partidário ou um partido declarem que se nessas eleições votarem menos de 50% dos potenciais eleitores não formarão governo.

Obviamente esse cenário é uma quase impossibilidade no quadro do exercício do poder neste ano de 2015 em Portugal (e em geral é-o em todas as democracias europeias), mas seria um cenário que, pelo menos, teria o condão de dizer "basta" e contribuir para reanimar uma república em letargia democrática.

O quadro de não mudança em Portugal, pelo menos com base nas sondagens de Janeiro de 2015, mostra-nos um quase empate virtual entre PS vs. PSD+CDS (a diferença e os intervalos de confiança para aí apontam a tendência).

Por sua vez, a CDU mostra a tradicional estabilidade e continuamos a manter a habitual percentagem (12%-15%) daqueles que votam para se posicionarem em alternativa face aos restantes - desta vez repartida por três partidos, o BE, o PDR e o LIVRE. Portanto nada parece, por agora, indicar que 2015 traga uma mudança radical e sustentada em Portugal.

Se quisermos procurar a mudança radical, ou seja, aquela que nos leva a pensar ter iniciado um ciclo diferente e que surge quando uma rotina se quebra, teremos de olhar para as tendências noutros locais. Por exemplo, se o Podemos ganhar eleições legislativas em Espanha será uma rotina de 40 anos que se quebrará.

Se os conservadores britânicos tiverem de se coligar com o UKIP para governar será o fim do "tripardismo" do sistema legislativo do Reino Unido.

Se a Esquerda Republicana Catalã substituir o Partido Socialista Catalão como a segunda força política na Catalunha, e houver uma maioria de forças nacionalistas no parlamento catalão, será uma rotina de quase 70 anos que se quebrará.

E se o Syriza ganhar será o epílogo de um ciclo, que não é o dos últimos três anos de miséria e experimentação impostos pela troika e pelo anterior Governo alemão à Grécia, mas sim do pós-guerra civil grega de há 60 anos.

Tudo parece indicar que na Europa a mudança em 2015 será, ao contrário dos últimos sete anos de crise, de origem política e não económica. E assim também o impacto que essa mudança externa possa ter internamente em Portugal terá origem nesse contexto.

Para pensarmos na não probabilidade de a mudança em Portugal ter origem económica bastará pensar no programa de compra de dívida por parte do Banco Central Europeu.

Quando tal acontecer (ou se acontecer esta semana) gerar-se-à maior liquidez na zona euro. No entanto, como a capacidade produtiva e de recursos humanos, que poderia ser utilizada na recuperação económica dos países do Sul, foi arrasada nos últimos três anos, alterar a política monetária do BCE será apenas um assumir que o que se fez estava mal, mas essa alteração não será, por enquanto, promotora de mudança, pelo menos em Portugal.

Também ao nível global as tendências presentes nos últimos anos não parecem aparentar grande impacto numa eventual mudança para Portugal. Ou seja, o crescimento económico externo, por via da baixa de receitas dos países detentores de reservas energéticas (como Brasil e Angola), reduzirá a sua alavancagem na economia portuguesa - mesmo a China tem em 2015 uma elevada probabilidade de ter o crescimento mais lento dos últimos 20 anos.

Noutros planos, igualmente económicos, como o da desigualdade, as tendências internacionais presentes no relatório da Oxfam antecipam a manutenção do agravamento das desigualdades e portanto menor pressão para mudar o status quo da desigualdade em Portugal - segundo a Oxfam em 2016 mais de 50% da riqueza global estará mas mãos de 1% enquanto 80% da população mundial tem hoje apenas 5,5% da riqueza produzida no planeta.

Se quisermos perceber quando teremos mudança em Portugal talvez precisemos também de olhar para o que foi 2014 e depois pensar se o que foi central no ano passado tem ou não probabilidade de deixar de ser notícia em 2015 e ser substituído por outras novidades indiciadoras de mudança.

O EJO (Observatório Europeu do Jornalismo), sediado em Portugal no ISCTE-IUL, produziu um ranking das notícias mais importantes na perspectiva da comunicação social portuguesa e o que se segue são as dez grandes histórias do ano passado: o caso BES; a disputa pela liderança do PS; o Mundial de futebol de 2014; a prisão e processo judicial de José Sócrates; a I Liga de futebol; a troika e a aplicação e monotorização do programa de "ajustamento"; a TAP; o tempo e as condições atmosféricas; a crise na Ucrânia; e o Orçamento do Estado de 2015.

Se retirarmos as primárias do PS e o Mundial de futebol é natural que em 2015, pelo menos neste primeiro semestre, não tenhamos muitas grandes histórias novas a nível nacional. E mesmo a nível internacional a preponderância do Estado islâmico fazia já parte do ranking - era o 13.º tema mais noticiado em Portugal em 2014.

É natural que continuemos a ter uma centralidade da nossa atenção nos grandes escândalos financeiros e políticos, mas para que a nossa raiva, face às traições dos mais poderosos para connosco, se materialize em mudança em 2015 seria necessário que os actuais partidos portugueses fossem, usando as palavras do filósofo alemão Peter Sloterdijk, percebidos por todos nós como "bons bancos para depositar a raiva individual" e promover o "investimento seguro" em propostas de mudança colectiva, mas ainda não o conseguem ser.

O que tudo isto nos indica é que precisamos de mudança política também em Portugal. Se se apostar apenas na mudança económica (independentemente do(s) partido(s) que a promoverem) podemos continuar atolados, tal como hoje estamos.

Sem promovermos nós próprios a mudança nada do que chega em termos de tendências exteriores nos poderá ajudar. Precisamos de inovar politicamente para depois poder inovar económica e culturalmente, precisamos de "pensar diferente" para escapar ao pântano onde nos encontramos actualmente atolados.

Precisamos de novos protagonistas e se não podermos ainda começar pelos partidos nas legislativas de 2015 teremos de agarrar a oportunidade que as presidenciais de 2016 nos oferecem.

Há duas formas de encarar a mudança, ou pelo menos assim gosto de pensar. Há aqueles que acham que falta algo e por isso estão disponíveis para iniciar a mudança e há os outros que apontam o que está mal e por aí se ficam, sem explicar como se passa do que está mal para como o mudar.

Precisamos rapidamente de quem queira iniciar a mudança e romper com a fragilidade e ineficácia do actual sistema político desgastado por erros acumulados ao longo de muitos anos. É simplesmente isso o que falta. Falta-nos um governo de cidadãos, um cidadão Presidente e um país menos desigual.

Gustavo Cardoso é investigador do CIES-IUL em Lisboa e investigador associado do Collège d'études mondiales da FMSH em Paris

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