O PÚBLICO e António Costa

Cada jornal tem a sua identidade discursiva, o que, de algum modo, se inscreve num contrato de comunicação singular com o seu público.

O meu último comentário sobre rigor jornalístico e isenção partidária despertou, porventura, uma revisão da matéria por parte de alguns leitores. O leitor Fernando Moutinho escreve: “Na qualidade de leitor inveterado de PÚBLICO, desde o seu primeiro número, devo assinalar uma certa insatisfação pela isenção partidária do ‘nosso’ jornal.

Vejamos: no último domingo uma entrevista (três páginas) com uma personalidade do PS (refere-se a Porfírio da Silva, novo membro do secretariado do PS), ontem (23.03.15), mais duas páginas com ‘Os 12 alquimistas de António Costa’ e, hoje, (24.03.15), mais uma página sobre António Costa. O que se pretende?”

Por sua vez, o leitor Henrique Pereira Santos, vem dizer que “acha que o PÚBLICO tem sido muito pouco isento nesta matéria”. O leitor destaca, particularmente, o tratamento do assunto das “contribuições para a Segurança Social e os incumprimentos fiscais de Pedro Passos Coelho”. Contudo, acrescenta: “Mas, como acho, de longe, preferível escrutínio a mais ou imperfeito à ausência de escrutínio, dou isso de barato e confio na capacidade das pessoas pensarem pela sua cabeça e escolherem várias fontes da informação para tirarem as suas conclusões”. Adiante, o leitor acusa o diferente tratamento que, em sua opinião, tem tido, por parte do PÚBLICO, o líder do PS, António Costa. E o leitor dá por exemplo o silêncio que o PÚBLICO tem feito sobre notícias publicadas noutros jornais e blogues a propósito dos rendimentos de António Costa, “também com acumulações sobre exclusividades”. E conclui o leitor: “Muito mais que o que se escreve, é o que se omite que define a isenção de um jornal.”

Não é de agora que registo acusações deste teor. É justo reconhecer a espontaneidade de alguns leitores que, com os seus comentários, querem, sobretudo, salvaguardar a isenção que exigem atribuir ao “seu” jornal, como, sinceramente, me parece ser o caso dos leitores acima citados. Aliás, poderia reportar em abono dessa intenção muitos testemunhos de outros leitores, aqui, ao longo destas páginas, nomeados a manifestar discordâncias ou pedidos de esclarecimentos e que após a troca de correspondência com os jornalistas visados, ou com o próprio provedor, acabam por aceitar as explicações fornecidas. Porém, é inevitável que muitos dos casos que versam acusações sobre esta matéria (de isenção ou não isenção) surgem exactamente da leitura através do meridiano que os leitores fazem das notícias ou artigos publicados. Ou seja, consoante a sua particular opção política ou partidária e a dos actores visados. E chegados a este plano, é sempre difícil conciliar os diferentes pontos de vista. E provavelmente nem interessa essa conciliação, pois a diferença de posições faz parte e é intrínseca aos diversificados campos partidários.

Efectivamente, depois de um relativo ocaso, a coincidir com um certo navegar de rota perdida ou pelo menos cheia de nevoeiro (e, porventura até, a pagar o apeamento de José Seguro) António Costa aparece, agora, como facilmente se percebe, todo lançado em recuperar o tempo perdido, com foros de activa e aturada campanha eleitoral. Ele e o Partido Socialista, não sem o percalço de alguns “tiros nos pés”, desdobram-se em continuados actos públicos. Neste novo cenário, não admira que os media procurem cobrir os acontecimentos. É a tal “obstinação mútua” de que eu falava em artigo anterior, protocolada entre meios de comunicação e actores políticos, numa procura continuada e com interesse informativo para ambas as partes. Ora, de facto, o PÚBLICO também “arrancou” com essa cobertura mais próxima dos actos de António Costa. E às notícias ou entrevistas publicadas nestes últimos dias, para além daquelas mencionadas pelos leitores atrás citados, há ainda a registar o relevo dado às declarações pronunciadas no Museu de História Natural e da Ciência, a defesa da gestão descentralizada na visita à barragem de Alqueva no dia da Água, as acusações sobre as “listas VIP”, as visitas a Hollande (França) e a Renzi (Itália), a ida ao Papa Francisco, etc., etc. Mas nem por isso, me parece que António Costa esteja a escapar à vigilância escrutinadora do PÚBLICO. Posso, desde já, citar alguns editoriais, como o do dia 12.03.15, “Quando o PS não incomoda Passos”, os textos críticos de Nuno Sá Lourenço e Leonete Botelho “Socialistas desesperam com a “inabilidade política” de Costa”, (28.02.15) ou de José António Cerejo, sobre a utilização durante dois anos num dúplex na Avenida da Liberdade, texto aliás onde se referia a questão dos rendimentos de António Costa, publicado em 11.03.15 – ao contrário do silêncio de que fala o leitor Henrique Pereira dos Santos – ou o caso da permissão dada pela Câmara Municipal de Lisboa a uma construção ligada ao BES (27.03.15). Nem tão-pouco o PÚBLICO deixou cair o caso da proposta de isenção de taxas a favor do S.L.Benfica, ou sequer a indiferença – estado de espírito que um político nunca deve manifestar a factos da actividade política – à candidatura de Henrique Neto. E isto para não falar de artigos de opinião de colunistas, uns favoráveis, outros acentuadamente críticos.

É provável que o escrutínio sobre António Costa, exercido pelo PÚBLICO, como seu dever para com a democracia, ainda vá no adro, mas já é visível. E António Costa, não obstante “a reacção visceral que tem a política de casos” (PÚBLICO, 12.03.15), é, com certeza, o primeiro a ter consciência disso. Até porque, infelizmente, é sobre casos e casos que se vai fazendo a campanha eleitoral. Mas também é natural que a lógica partidária de quem acompanha o PÚBLICO continue a tirar conclusões bem divergentes. Em lógica partidária há pontos de encontro que não existem.

Por outro lado, é preciso não escamotear, o que lembra o comunicólogo Rémy Rieffel: cada jornal tem a sua identidade discursiva, o que, de algum modo, se inscreve num contrato de comunicação singular com o seu público. Mas este é um assunto para outro dia.

 

CORREIO LEITORES/PROVEDOR

Lapso ou ideologia perigosa?

Com esta interrogação, a leitora Filipa Santos vem pedir esclarecimento a propósito de um “apenas” deixado num parágrafo que narrava o triste acontecimento da menina raptada e maltratada na cidade de Ponta Delgada, nos Açores. Diz o texto: “No cadastro apenas tem uma queixa por violência doméstica apresentada pela ex-mulher além de ser referenciado pelo consumo de cocaína.” Comenta a leitora: “Parece-me que a palavra ‘apenas’ se encontra no texto por lapso”. Caso contrário, “faz não só uma valoração condenável em jornalismo, como insulta todas as vítimas de violência considerando-a um ato menor”. Pedro Sales Dias, jornalista autor da peça, esclareceu-me que se tratou tão-só de um lapso. Aliás, acrescento eu, o jornalista estava a citar o registo do cadastro.

Atenção à nossa Língua

Adverte, e com razão, o leitor Albino Tocha: No título da notícia em Destaque sobre a Tragédia dos Alpes vem escrito “trancado na cabine”. Ora, em português, é cabina que se deve escrever e não cabine.

Ainda o Acordo Ortográfico

A leitora Helena Faria escreve: “Na edição do passado dia 13, sob o título ‘Apocalise abruto’, Octávio dos Santos cita diversas organizações que, na opinião do autor, constituem exemplos de erros graves na escrita. (…) Apesar de se tratar de um artigo de opinião não nos parece correcto que o autor utilize exemplos de organizações sérias e respeitadas para fazer valer a sua opinião que é tão válida como a de quem decide utilizar o acordo ortográfico.”

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