O PSD quer mostrar cartão verde a Bruxelas. Mas o que é isso de cartão verde?

Há um diploma, do PSD, que desafia a Comissão Europeia a monitorizar e registar as transacções financeiras dos Estados-membros para offshores. Mas para chegar a Bruxelas, vai precisar do apoio de 18 países.

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As offshores estão no centro das preocupações da Comissão Europeia

Na gíria futebolística, há cartões vermelhos e amarelos para classificar a atitude dos jogadores. Os primeiros são maus, os segundos assim-assim. Há uns meses, em Itália, os árbitros passaram a usar também a cor verde para recompensar os jogadores com mais fair-play. Não é desse tipo de cartão verde que fala este artigo. Este é mais parecido com uma espécie de via-verde legislativa que pode levar um diploma aprovado pela Assembleia da República (AR) nacional a ser discutido no Parlamento Europeu (PE). Desde que consiga o apoio de 18 Estados-membros.

É isso mesmo que o PSD se propõe fazer com um projecto de resolução sobre offshores, entregue ontem na AR. No essencial, o texto defende, em seis páginas, que se reforce a “monitorização, controlo e registo de todas as transacções financeiras entre a União Europeia e os paraísos fiscais” e que se torne “obrigatória a publicação de todos os acordos fiscais assinados entre Estados-membros”.

“Durante a comissão de inquérito ao BES, uma das dificuldades foi seguir o rasto ao dinheiro porque, certos países que funcionam como paraísos fiscais, não são obrigados a registar a origem dos montantes depositados”, diz Duarte Marques, deputado do PSD e subscritor do projecto, justificando a necessidade de apresentar estas medidas.

Os sociais-democratas argumentam, porém, que só com uma “acção coordenada a nível europeu” e só com a União Europeia a agir como “grande actor económico mundial” poderá haver verdadeiro escrutínio dos “movimentos de capitais na economia global”, lê-se no diploma. É por isso que a recomendação seguirá para a Comissão Europeia sob a forma de procedimento de cartão verde. Mas, para isso, o PSD ainda precisa que a Assembleia da República aprove a sua recomendação – só depois disso Ferro Rodrigues enviará uma carta aos seus pares noutros Parlamentos instando-os a subscreverem a recomendação portuguesa.

A ideia que foi lançada pelo Bloco

Facto curioso: apesar de este projecto de resolução vir assinado por deputados do PSD, o Bloco de Esquerda foi o primeiro a apresentar um pacote de propostas sobre offshores na actual sessão legislativa. Uma das propostas defendia, exactamente, a divulgação de todas as operações efectuadas com recurso a entidades localizadas em paraísos fiscais não cooperantes ou jurisdições mais favoráveis. Mas agora, o BE é muito crítico da proposta do PSD, apelidando-a de “no mínimo inconsequente” e até um pouco ridícula. “Não tem uma palavra sobre o que Portugal pode fazer para limitar ou acabar com offshores ou com abuso da legislação ou combater o planeamento fiscal”, criticou a deputada Mariana Mortágua. “O PSD só apresenta este projeto porque sabe que não vale nada, não vale nada! É um projeto vazio, um tiro de pólvora seca”, acrescentou.

Pedro Mota Soares, do CDS, assumiu ao PÚBLICO que “considera muito importante discutir estas matérias numa lógica europeia” e defendeu que um só país “não deve poder tirar paraísos fiscais da lista negra”, como acontece actualmente. Assim sendo, o CDS apresentará uma proposta para impedir que essa possibilidade se mantenha.

O PS e o PCP reservam-se o direito de tomar uma posição sobre as ideias do PSD em momento oportuno. Na realidade, só se o PSD conseguir apoio extra (o que não parece provável) para fazer aprovar a sua recomendação é que ela poderá seguir o caminho pela Europa fora à procura de mais 17 Estados subscritores. E só depois poderá transformar-se em cartão verde.     

O PÚBLICO tentou apurar, junto do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia, de que forma esta proposta social-democrata poderá ser recebida em Bruxelas, mas apenas obteve uma resposta genérica por parte da Comissão, que não quis comentar o diploma concreto do PSD. “As questões de transparência fiscal são algo em que estamos a trabalhar de forma intensiva neste momento e que discutimos na reunião informal do Ecofin em Amesterdão. Como parte da estratégia externa que lançámos em Janeiro, esperamos convencer terceiros países a comprometerem-se com uma série de boas práticas de governance fiscal. Se não o fizerem, correm o risco de acabar na nossa "lista negra" de jurisdições fiscais não-cooperantes, que esperamos ter pronta no próximo ano”, disse fonte da Comissão Europeia ao PÚBLICO.

A Assembleia Nacional Francesa e a Casa dos Lordes do Reino Unido já conseguiram dar forma a dois cartões verdes sobre responsabilidade social das empresas e desperdício alimentar, respectivamente. Além do cartão verde, que é uma iniciativa que parte dos parlamentos nacionais para Bruxelas, também existe o cartão amarelo, mas este tem origem na Comissão e daí segue para os Estados-membros. Se 18 parlamentos nacionais concluir que a proposta legislativa não respeita o princípio da subsidiariedade, a Comissão tem de a avaliar e decidir se a quer manter, alterar ou retirar, justificando a decisão. Com Sílvia Amaro

10.200 milhões

Total, em euros, das transacções efectuadas para offshores, declaradas por empresas e particulares portugueses, entre 2010 e 2014, de acordo com estatísticas da Autoridade Tributária e Aduaneira

43,6%

Valor percentual das transferências efectuadas para Hong Kong, região administrativa da China, o território que surge no topo das preferências dos portugueses no que diz respeito a paraísos fiscais a partir de 2011

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