O Presidente vai a Paris e os emigrantes agradecem-lhe essa lembrança

Comunidade portuguesa está satisfeita com as celebrações do 10 de Junho na capital francesa e aplaude decisão de Marcelo. “É o Presidente do povo, os outros não saíam do gabinete”, comenta-se.

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Enric Vives-Rubio

É domingo de manhã, a hora de almoço aproxima-se e Carlos Palmeira faz compras no mercado de Puteaux, bairro simpático não muito distante do coração de Paris, de casas e prédios pouco altos com vista para os gigantes e envidraçados edifícios da La Defénse. Faz os pedidos em português numa banca com produtos que lhe são familiares: bacalhau, azeite, azeitonas, doces de várias regiões de Portugal. Todos os dias acompanha o que se passa no seu país pelos três canais de televisão portugueses que recebe em casa e pela rádio Alfa, emissora portuguesa em França, que está sintonizada no carro. A vinda do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa à capital francesa a 10 de Junho, na primeira vez em que as celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades têm programa oficial no estrangeiro, passou-lhe despercebida no meio da informação que vai escutando e digerindo. “Ainda há alguém que se lembra da gente”, reage o empresário da construção civil natural da Moita, ? Ribatejo, emigrante há precisamente 30 anos.

Carlos Palmeira está contente com a vinda do Presidente e garante que não faltará. Logo que saiba o programa, organizará a vida para assistir às cerimónias. Não esconde a sua costela de esquerda, mas revela uma certa satisfação por ver Marcelo na Presidência da República. Pensa alto e partilha o que lhe vai na cabeça. “Se ele fosse primeiro-ministro, com as ideias que tem e pelo que vai dizendo, talvez endireitasse Portugal”, comenta.

Acompanhou a constituição do Governo de esquerda, segue o que se vai passando em termos políticos e considera que o Presidente da República deve pôr alguns travões quando assim entender. “Não pode deixar fazer tudo o que eles querem”, diz. “Eles” são a esquerda, a maioria parlamentar que apoia o executivo socialista de António Costa. Os tempos de austeridade também não lhe passam desapercebidos. “Passos Coelho foi longe de mais, passou do oito ao 80”.

O empresário vai olhando para a banca dos produtos portugueses, confidencia que naquele dia chegou mais tarde ao mercado — um jantar de amigos na noite anterior atrasou-lhe as horas de domingo —, e continua as compras. Não está nos seus planos voltar a viver no país natal, onde vai várias vezes por ano. Os seus dois filhos, de 30 e 25 anos, já viveram e trabalharam em França e regressaram a Portugal com propostas mais aliciantes em termos profissionais que surgiram precisamente em Paris.

“Eu não penso voltar a Portugal, toda a gente se queixa, fala, fala, faz-se muito pouco e são sempre os mesmos a ralhar”. Em França, garante, há oportunidades que se agarram com unhas e dentes e os portugueses são homens e mulheres de trabalho. “Cá os portugueses fazem tudo, não trabalham para fazer e refazer”, afirma. Apesar de tudo, as raízes não se negam, nem se escondem. Carlos Palmeira quer ver a selecção portuguesa de futebol jogar no Euro 2016 e não descansará enquanto não conseguir bilhetes para o segundo jogo.

“Um Presidente do povo”

Fernando José, de Lousada, há quase 22 anos em Paris, encarregado de uma empresa de limpezas, também está satisfeito com a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa estender as comemorações do 10 de Junho à capital francesa. Já tinha escutado a “boa notícia” na televisão. “Acho muito bem, fazem sempre o 10 de Junho em Portugal. Acho bem o Presidente vir cá e vou vê-lo”, garante.

Ficou satisfeito com os resultados das últimas presidenciais e já nota diferenças. “É um Presidente do povo, os outros metiam-se lá dentro e não saíam dos gabinetes”, comenta durante um café com a família depois do almoço de domingo. Aprecia o lado popular do chefe de Estado. “Está junto das pessoas, se calhar passava agora aqui na rua e falava connosco. O Rebelo é uma pessoa simples, não tem vaidade nenhuma, tem uma maneira que agrada às pessoas”, diz.

A conversa continua à mesa. Num domingo não há horas para cumprir. Fernando José espera que o Presidente da República não se esqueça de quem se fez e faz à vida, de quem emigra. “Espero que se lembre dos emigrantes e se nunca se celebrou o 10 de Junho com as comunidades emigradas, acho muito boa ideia que isso agora aconteça”, refere. Até porque, lembra, cerca de um milhão de portugueses moram em França.

Os salários dos políticos surgem na conversa. “Os políticos são mal pagos”. E a situação política portuguesa custa-lhe a digerir. “Os partidos de esquerda não deviam lá estar porque não ganharam as eleições. Quem ganha é que deve governar”, sentencia.

Há 22 anos, Fernando José deixou Portugal sem rede e sem olhar para trás. Partiu sozinho sem ninguém à espera em Paris. Deixou o negócio de móveis que partilhava com o irmão. “Não ganhava para comer”, recorda. Agora faz outras contas e destaca as diferenças entre cá e lá. Em Portugal, quase não se ganha para os gastos. Em França, o custo de vida é mais elevado, mas ganha-se mais dinheiro e, na sua opinião, pode ser um bom começo de vida para os jovens que não tenham medo de partir e arriscar.     

Manuel Brito veio para Paris no ano da revolução de Abril, em 1974. Chegou com o pai de Arcos de Valdevez, começou a trabalhar na construção civil e não voltou à terra. Acompanha as notícias pelos canais de televisão portugueses e sabe que Marcelo Rebelo de Sousa estará ali perto a 10 de Junho. “Acho boa ideia”, comenta. “É um Presidente muito popular, espero que faça um bom trabalho”, acrescenta.

Manuel Brito está reformado e acompanha com atenção o que se passa em Portugal. No avança e não avança dos candidatos, até chegou a torcer para que Rui Rio fosse candidato presidencial. “Para mim, o Presidente era Rui Rio”. Mas não foi. Agora espera que as coisas corram bem com Marcelo. “Espero que faça um bom trabalho”, repete. A 10 de Junho, logo que saiba o programa, vai tentar acompanhar in loco o que se irá passar em Paris porque o orgulho de ser emigrante mora-lhe no peito. 

“Se vier fico satisfeito”

António Rodrigues tem um restaurante português num bairro dos arredores de Paris. Há francesinhas e outras especialidades. Chegou a ter uma loja de produtos portugueses até meter o pé no negócio da restauração. Está satisfeito com a vida, não pensa regressar, aos 49 anos não se vê a voltar a fazer as malas. Não sabia que o 10 de Junho teria uma parte das comemorações na capital francesa. “Acho muito bem, é a primeira visita do novo Presidente.” António Rodrigues não acompanha de perto a política portuguesa, mas está contente com a vinda do Presidente da República. “Acho que vai ter uma palavra para a comunidade emigrante”, refere. Não vai ouvir ao vivo essas palavras. “Vou estar a trabalhar, temos o restaurante aberto”, explica.   

Micael Oliveira, 24 anos, trabalha numa banca de produtos portugueses do mercado de Puteaux. Não pára um segundo. Há coisas para vender, coisas para arrumar. Tinha dois anos quando chegou a Paris. Veio de Valpaços, aos 13 voltou à terra, regressou à capital francesa com 17 anos. A política passa-lhe ao lado. “Não sei de nada.” “Se vier a França, fico satisfeito”, comenta em relação à presença de Marcelo Rebelo de Sousa, mas não vai assistir às celebrações. Voltar a Portugal também está fora de questão. “Pelo que vejo, aquilo está muito mal e para a minha geração ainda pior”, opina.     

Hollande nas festas

Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues,  e o primeiro-ministro António Costa estarão em Paris na tarde de 10 de Junho, depois da cerimónia militar na Praça do Comércio, em Lisboa.

O Presidente François Hollande marcará presença na festa com a comunidade emigrante na capital francesa. Marcelo Rebelo de Sousa muda assim o guião oficial do Dia de Portugal, de Cações e das Comunidades Portuguesas e mostra, com estas alterações, que os emigrantes não são esquecidos pelo poder político. Neste momento, não se sabe qual o percurso nem os locais onde estará a comitiva portuguesa. O programa ainda está a ser desenhado e é previsível que o Presidente da República fique mais uns dias na capital francesa para se encontrar com a selecção portuguesa de futebol que, nessa altura, estará em preparação para os jogos do Euro 2016.

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