O ovo, a galinha e o jornalista

Em 2007, fui orador numa conferência internacional na qual, no painel anterior ao meu, Boutros Boutros-Ghali, quando questionado sobre o desempenho de quem o substituíra à frente das Nações Unidas, respondeu que não comentava antecessores nem sucessores seus. Gostei da sua atitude e a partir dessa altura decidi adotar também esse lema.

Por isso fiquei duplamente satisfeito quando li uma entrevista dada por um administrador da SOFID – e não pelo Presidente Executivo, meu sucessor –, em que se dizia que a SOFID tinha ganho uma nova dinâmica com a atual administração. Fiquei feliz, por um lado, por saber desse dinamismo, por outro, por poder manter o meu compromisso de não fazer comentários sobre meus sucessores.

Nessa entrevista é dito que, em 5 meses, a atual administração da SOFID tem 14 projetos em fase de pré-aprovação, “um número superior aos quatro anos da anterior gestão”, comparando-se – deliberadamente ou por incompetência – conceitos básicos que distinguem projetos que ainda nem sequer foram aprovados com operações que já estão no terreno. Mas deixo as questões de semântica para os jornalistas, e cinjo-me aos factos: durante os 3 anos e meio (e não 4) em que liderei a SOFID foram aprovadas (e não “pré-aprovadas”) 29 novas operações, das quais 11 foram contratadas.

Destes números, é fácil de ver que os problemas da SOFID não são as “pré-aprovações”, nem sequer mesmo as aprovações reais. Os problemas da SOFID residem – além de falta de apoio político e de recursos – na concretização dos projetos, algo que tem escapado ao controlo das sucessivas administrações. Quem decide se contrata ou se utiliza os fundos disponibilizados pela SOFID é, em última instância, o empresário que, como se sabe, muitas vezes está descapitalizado e não tem condições de se endividar. É claro que se podem aligeirar as salvaguardas de contratação, mas isso tem implicações na solidez da SOFID e pode sair caro, particularmente quando falamos do dinheiro dos contribuintes…

Nessa entrevista também é dito que a nova gestão fez com que a SOFID deixasse de “desaproveitar fundos” disponíveis para Moçambique, anunciando a assinatura do primeiro contrato para maio de 2014, no seguimento da flexibilização do fundo InvestimoZ. Cingindo-me novamente aos factos: em 2 anos e meio sob minha gestão, o fundo aprovou 4 operações, tendo sido desde o primeiro dia sinalizada a urgência do InvestimoZ ser flexibilizado e adequado às necessidades reais das empresas, sob pena de não ser possível aprovar nem contratar projetos. Apesar da urgência, e depois de várias insistências, a resposta do Governo chegou finalmente sob a forma de portaria a 24 de março de 2014, dois anos e meio depois da nossa proposta inicial, mas mesmo a tempo – dois dias antes – do início da II Cimeira Luso-Moçambicana…

Numa altura de emergência nacional, em que a sociedade civil olha com enorme desconfiança para as instituições do Estado, exige-se que os nossos dirigentes trabalhem, arregacem as mangas de forma séria e profissional, sem invenções jornalísticas, sem propaganda política, nem soluções em cima do joelho, para efetivamente resolver os problemas reais do país, das suas empresas e dos seus cidadãos.

Por isso, para quem possa ser mais propenso a imprudências, como contar com cargos antes de lhe serem atribuídos ou anunciar aumentos de capital antes destes serem aprovados, aqui fica um ditado popular suavizado: é melhor não contar com o ovo no rabo da galinha. Ou neste caso: é melhor não contar com os resultados – que sinceramente espero que venham a aparecer – quando eles ainda só estão… na boca do jornalista.

Gestor e Consultor Internacional

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