O nosso direito à informação

Não temos o hábito de pedir explicações ao Estado.  Por desapego ou puro desinteresse, aceitamos com relativa facilidade as decisões que nos são comunicadas, acreditando que estas resultaram de uma ponderação sensata e criteriosa das várias circunstâncias em jogo e tiveram como fim último o interesse comum.

Infelizmente, esta indiferença tem alimentado um Estado burocrático, centralizado e pouco acessível, sobre o qual nada conhecemos.

No entanto e por influência do ordenamento comunitário, Portugal começa agora a dar os primeiros passos no sentido de aproximar os cidadãos do processo decisório do Estado.

Exemplo disso mesmo é a lei nº 26/2016, de 22 de Agosto que este mês entrou em vigor e que atribui a qualquer cidadão o direito de exigir explicações ao Estado, impondo que este levante o manto de secretismo com que usualmente envolve o seu arbítrio e forneça os dados, os estudos, os pareceres, as opiniões e os documentos tidos em conta para a tomada de uma concreta decisão.

Embora não se trate de um direito novo, o direito dos cidadãos à informação nunca tinha sido configurado com esta abrangência, já que, pela primeira vez, também os órgãos de soberania  passam a estar vinculados ao dever de disponibilizar informações e documentos internos.

Por via desta lei, qualquer pessoa sem necessidade de enunciar qualquer interesse, passa a ter o direito de solicitar informações e de exigir o acesso, por exemplo, aos concretos pareceres, estudos ou relatórios, ao resultado de sindicâncias, de averiguações e de auditorias que tenham servido de base a uma decisão tomada pelo Governo, pelo Presidente da República ou pelas instâncias judiciais.

Também a informação detida por órgãos de empresas ou institutos públicos, autarquias locais e associações ou fundações privadas nas quais o Estado exerça poderes de controlo, passa a estar acessível a qualquer interessado.

O direito à informação constitui um elemento essencial da liberdade de expressão, contribui para o debate esclarecido sobre questões de interesse público, aumenta o nível de participação dos cidadãos no processo de decisão e, desta forma, promove uma sociedade mais aberta, transparente e democrática.

Foi no seguimento de documentação obtida por via do exercício do direito à informação que, por exemplo, no Reino Unido, se soube que as despesas referentes a serviços de jardinagem e as contas da água da piscina e da rega dos jardins das casas de campo de oito membros do Parlamento, estavam a ser suportadas pelos contribuintes, o que levou à demissão daqueles  parlamentares e à condenação de cinco desses políticos.

A mesma lei permitiu descobrir erros grosseiros no tratamento e transporte de pacientes em ambulâncias nos hospitais públicos; a existência de centenas de milhares de chamadas telefónicas que anualmente eram colocadas “em espera” e acabavam por não ser atendidas pela polícia. Foi através dele que se apurou que no decurso da época futebolística 2010/11 os contribuintes suportaram dois milhões de libras para garantir a segurança nos jogos entre os Celtic e os Rangers.

O conhecimento que se obtém por via do exercício do direito à informação é essencial para o saber coletivo e constitui um instrumento fundamental para que a imprensa de investigação cumpra a função de “watchdog” que lhe é confiada numa sociedade democrática, denunciando as suas falhas, bem como situações de abusos, de corrupção e de desvio de poder.

Pese embora os avanços desta lei, para que o direito à informação ganhe a dignidade que lhe é conferida pelo texto constitucional, falta ainda um regime de sanções para o Estado pelo incumprimento das regras, a criação de uma entidade administrativa com poderes vinculativos, um organismo que centralize e divulgue de forma clara e acessível a informação disponibilizada pelo Estado e tribunais administrativos e que garanta o cumprimento coercivo da lei em tempo útil, pois o saber e a informação são também eles bens perecíveis.

 

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